Monday, September 28, 2020

CHICO MARQUES REÚNE OS 25 ANIVERSARIANTES DA SEMANA EM MAIS UMA PLAYLIST BEM ESQUISITONA (MAS MUITO SIMPÁTICA)

 


ANIVERSARIANTES DA SEMANA

(28 DE SETEMBRO A 4 DE OUTUBRO

 TIM MAIA

BEN E KING

KENNY KIRKLAND

KOKO TAYLOR

ANGELA MARIA

BILLY STRANGE

JERRY LEE LEWIS

MARK FARNER (GRAND FUNK)

CISSY HOUSTON

JOHNNY MATHIS

MARILYN MCCOO (5TH DIMENTION)

MARC BOLAN (T REX)

TREY ANASTASIO

DONNY HATHAWAY

CUB KODA (BROWNSVILLE STATION)

ALBERT COLLINS

DON MCLEAN

STING

BILLY BRANCH

EDDIE COCHRAN

CHUBBY CHECKER

LINDSEY BUCKINGHAM (FLEETWOOD MAC)

STEVIE RAY VAUGHAN

DUKE ROBILLARD

LEON THOMAS




ENTREVISTA COM A LENDA EDY STAR STAREDY (por Rogério Baraquet)

 


Edy Star Staredy, o último kavernista (do disco "A Grã Ordem da Sociedade Kavernista Apresenta - Sessão das Dez", com ele, Raul Seixas, Sergio Sampaio e Miriam Batucada) tem certamente mmmmuita história pra contar! Absolutamente imperdível!

(ROGÉRIO BARAQUET)


O MAL NOSSO DE CADA DIA (por Fábio Campos)

 



O sul e o norte dos EUA guardam muitas diferenças, gerando inclusive a tão conhecida guerra civil. O sul, mais agrícola, mais religioso e menos educado acabou sendo obrigado a engolir a abolição da escravatura depois da derrota na guerra civil. Curiosamente, a maior religiosidade nunca pareceu conflitar com a convivência com a escravidão, um argumento comum aos que questionam a religião como bússola moral. Essa parece ser a questão fundamental do filme de Antônio Campos – filho do apresentador do Manhattan Conection, Lucas Mendes –, O Diabo de Cada Dia, em cartaz no Netfilx.

Apontando para duas pequenas comunidades do meio-oeste americano, o filme mostra as consequências da mistura de ignorância, religião, pobreza e violência e a imensa dificuldade de alguém nascido ali escapar do que parece ser um destino imutável.

 

Baseado no livro O Mal Nosso de Cada Dia, Campos convidou o autor do livro, Donald Ray Pollock, para fazer a narração em off, recurso que, se por um lado, tira um pouco da inventividade do filme, por outro, deixa a trama, que acompanha duas gerações de nascidos naquelas bandas, mais fácil de seguir.

 Logo no início, dois casais são formados ao acaso numa lanchonete. Willard, que acaba de voltar da guerra do pacífico, e Charlotte e Carl e Sandy. A partir daí passamos a acompanhar a trajetória família de Willard, do nascimento do filho à doença da esposa. A cada novo acontecimento, Willard, apesar da reticência inicial, acaba abraçando cada vez mais a religiosidade até chegar ao fanatismo. Essa trajetória é repleta das contradições, a convivência entre a religiosidade e a violência parece não incomodar, aliás, é passada de pai pra filho impedindo que a próxima geração possa escapar do destino, aparentemente, já traçado antes do nascimento.

 Carl e Sandy voltam a aparecer mais a frente, mas, antes, passamos a acompanhar Arvin – o atual Homem Aranha, Tom Holland – morando com a avô e a órfã Lenora, depois de uma serie de consequências trágicas. Apesar da grande religiosidade da avó, Arvin tem dificuldade em abraçar a religião por conta dos excessos do pai. Já Lenora a abraça com toda a força e a chegada na comunidade de um novo pastor, vivido por Robert Pattinson, vai escancarar ainda mais a convivência do mau inerente aos seres humanos com a aparente pureza da religião.



 Essa dualidade é a força do filme, pessoas cheias de pecado tentando resistir, ou se entregando a eles, num meio altamente religioso. A culpa e a ignorância arrastam muitos ao fanatismo e à violência tão entranhados na comunidade. Fica cada vez mais claro a enorme dificuldade de alguém escapar disso à medida que o filme avança.

O Mal Nosso de Cada Dia foi recebido de forma morna pela critica, o que, na minha opinião, é uma injustiça. O filme pode não ser um primor de criatividade, mas tem uma estória poderosa e impactante, muito bem contada e com boas atuações. Tem um certo didatismo, mas nada que estrague o filme, pelo contrário, o deixa mais digerível para os assinantes do Netflix sem abrir mão da qualidade. Uma ótima opção em tempos de cinemas fechados.


 

Fábio Campos convive com filmes e música
desde que nasceu, 52 anos atrás.
Seus textos sobre cinema passam ao largo
do vício da objetividade que norteia
a imensa maioria dos resenhistas.
Fábio é colaborador contumaz
de LEVA UM CASAQUINHO.


A GALERIA DO LAURO: O SER E A PROFISSÃO #1 (Caricaturas Sem O Caricaturado - por Lauro Freire)

 

RAINHA ELIZABETH


Lauro Freire é um artista admirável.

desenhista com um traço inconfundível,

e dono de um senso de humor muito peculiar.

Poderia estar expondo em salões

e circulando pelo país,

mas prefere seguir pela contramão

e pintar pontos culturais da cidade --

como as colunas da Disqueria, no Baixo Boqueirão

(Av. Conselheiro Nébias 850).

É com muito prazer que LEVA UM CASAQUINHO

hospeda em suas webpáginas

a GALERIA DO LAURO.

A MÁQUINA POP TRANSMÍDIA DO GORILLAZ (por Eduardo Rubi Cavalcanti)

  







Eduardo Rubi Cavalcanti
é jornalista desde a década de 80.
Trabalhou em A TRIBUNA de Santos
e em várias outras publicações.
É Mestre em Comunicação Social
pela Universidade Metodista de São Paulo
e leciona Jornalismo na Unisantos,
onde cursou sua graduação.
Publica domingo sim, domingo não,
em A TRIBUNA de Santos,
a página PRÓXIMA PARADA,
que reproduzimos aqui.


MESADA (por Marcelo Rayel Correggiari)

 


Mais uma vez, nossa resistente Mercearia volta a tratar de negócios. Negócios públicos... dinheiro de governo, arrecadação e os ‘escambau’.

Já diria o magnânimo Milton Friedman que governança é uma desgraça: como já sabem que todo final de mês pinta o ‘dinheirinho’ dos impostos nos cofres do governo, “... tendem a gastar muito mal...” essa arrecadação. O prêmio Nobel de ciências econômicas de 1976, diferente do que muitos pensam, era um quase revolucionário: “onde hay govierno, soy contra”.

No mínimo, já caberia a pecha de ‘desconfiado’. E ainda tem gente que sapeca umas de ‘o pai do neoliberalismo’: bom... se considerarmos que esquerda e neoliberais partem de uma mesma pauta progressista, ...

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Levando-se em consideração que o mundo não resolveu os graves problemas iniciados pela Crise dos Primes de 2008, já era de se esperar a quebradeira geral: uma depressão econômica internacional pior que o ‘crack’ de 1929! Só para se ter uma ideia, o PIB japonês já caiu 27%.

Até que...

... pintou a pandemia.

Bom, as restrições para o controle da pandemia meteram ‘o loko’ — feito uma ‘fratura exposta’ — para cima de uma economia internacional que mais parece uma ‘caozada’ daquelas bem monstro. Apregoava-se que a economia ‘ia bem, obrigado’ porque agora fica tudo no bolso, é tudo eletrônico... no celular. Fodeu lindamente! O que se viu é que a tal ‘proximidade social’ é que fazia a roda girar, até para lavar dinheiro de crime, bem como ilícitos. Afinal, sem povo na rua não é possível disfarçar que a galera precisa de uma ‘obrazinha’ tipo aquelas que têm ‘cartas marcadas’ com empreiteiras de estimação.

Até para assalto, homicídio, acidente automobilístico fatal, precisa-se de ‘povão’ nas ruas.

Ora, ora, ora... vejam freguesas e fregueses, queridíssimas(os) clientes: sem comprar o que seja, não tem imposto! ‘Úia’! ‘Cadê’ a arrecadação?! Como serviços públicos serão pagos?! Como o salário dos trabalhadores (públicos) serão pagos se já não circula mais dinheiro por conta do ‘isolamento social’?!

É um ‘êita’ atrás de ‘êita’.

Com isso, a aceleração da tal ‘reforma tributária’: necessita-se de ‘la plata’ urgentemente! Na maçaroca medonha de sumir com PIS/Cofins e botar em campo a Contribuição Social sobre Operações de Bens e Serviços (CBS), vai para ‘le derrière’ da geral uma belíssima de uma naba.

‘Úia’! Pegou o livro! Vejamos o que é possível ser feito... e qual lubrificante ‘la tchurma’ pegadora do bastão ‘pós maio de 1968’ escolheu para aliviar o esfíncter.

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A alegação do Ministro da Fazenda para tributar livro tem toda lógica do mundo: ele não é literato, andou sempre ‘cagando & andando’ para livro e toda vez que baixava numa livraria, para apoiar um amigo que lançasse sua mais recente obra, encontrava uma penca de gente chique, metida à besta e endinheirada. Logo, “... tributa essa merda, porra! Tem dinheiro, paga mais imposto!”.

Lógica mais ‘cartesiana’, impossível. Pela vivência que ele possui, faz sentido.

Quando acaba a grana, supomos que também acabam os argumentos que serviriam para brecar a taxação do ‘objeto livro’ — aqui entra a forma como o ministro enxerga livro e literatura. A turma do ‘deixa disso’ veio com uma argumentação do século XIX: uns troços de que “... um povo sem cultura...”, “... o livro traz o saber...”, “... é importante para a educação...”, “... não se faz uma grande nação sem livros...” já não seduzem mais ninguém. Para ‘o povão’, nunca houve tanto livro e a porra do buraco só aumentando

Vejamos os porquês literatas & literatos brasileiros, nesse momento, não podem nem ‘dar uma gemidinha’.

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O povão já não acompanha mais o livro. De verdade, não. Claro que há exceções! Mas, no geral, ambiente com livros soa como ‘coisa de gente metida’: se bobear, até nas áreas mais nobres de nossas grandes cidades. Esse elã entre massa populacional e o livro, de fato, nunca existiu: se existiu, foi aquele gozo bem rapidinho.

Começa aqui a primeira mentira que somente nossos ouvidos escutam: de que livro é importante. Cascata! Isso caía bem na época em que a melhor gráfica era a do Guttemberg e era uma penca de copista caprichando na caligrafia. Enquanto a eletrônica não entrou em campo, até daria para dizer que o livro ‘era o tal’. Rádio e televisão — somados ao cinema — já tinham dado a dica de que essas três áreas seriam os postos avançados das Letras.

Literata & literato que não viu isso, lamento: o livro, veículo ‘de tanta cultura’, com alguma sorte, já nos anos 1980, servia para facilitar a vida de arquitetas e arquitetos ‘designers de interiores’ para dar um ‘up’ — aquele ‘gasinho’ — no ambiente decorativo da sala de estar (se bobear, hoje, nem isso!). O livro virou coisa de entusiasta e apaixonado — como este humilíssimo merceeiro que vos fala — na lida ‘do mundo cada vez mais incompreensível’. Lógico que rola um lance com muito tesão ao qual damos o nome de estética — isso conta muito —o que deixa a existência bem mais saborosa. Só que quem não curte essa praia nem esquenta a cuca se o preço do livro subiu ou desceu. Cagando & andando.

Simples assim.

Logo, não entra na cachola da massa populacional as argumentações do tipo “... o livro é importante para o engrandecimento de uma nação”. Para ‘o povão’, isso é cascata da grossa! Nunca se teve tanto livro, leitura, loja, rede de livraria, festival e salão literário para o presidente ser o Bolsonaro.

Lamento, mas essas literatas & literatos perderam: um troço meio 7X1, saca?!

Então, essa relação perde completamente o sentido.

Sobrou para a educação, com uma molecada nervosa com celular no bolso: “... ah! O livro contém o saber”. A molecada se vira para você e fala: “Tio! O senhor já leu o PDF do Taleb ou do Jordan Peterson?!”. PDF, putada! Que ‘mané’ livro, o cacete!

Um dos meus grandes dissabores mais recentes, inclusive, foi o desdém de Noam Chomsky em relação a Peterson manifestado numa singela entrevista de outubro do ano passado para um grupo de alunos de pós-graduação de alguma ‘porta-de-esquina-acadêmica’ nos EUA, entrevista, essa, que gerou — numa decisão pessoal — o encerramento quase completo de qualquer boa vontade minha em relação ao linguista: Chomsky não entendeu que os novos heróis da molecada incluem Peterson que, aliás, é um enorme conhecedor de Jean Piaget.

“Vai lá, Chomsky! Morra em paz, meu velho! Que Deus te acompanhe...”.

Ainda que não goste dos novos heróis da meninada, há de se reconhecer que gente como Sam Harris, Jordan Peterson, Bret Weinstein, Heather Heying, Glenn C. Loury, Coleman Hughes, James Lindsay, Christina Hoff Sommers, Thomas Chatterton Williams, Kmele Foster e o professor de linguística da Universidade de Columbia, também colunista do The Atlantic, John McWhorter fazem um ‘para lá’ de excelente trabalho, mesmo que não tenha nada a ver com a minha cara. Ou seja, mesmo concordando ou não com o que eles dizem, isso jamais terá qualquer relevância quanto ao valor conferido por qualquer outra pessoa que aprecie esses intelectuais e pensadores, principalmente quando se trata de grupos mais jovens, enfiados — os coitados — num buraco que não foram eles que produziram e loucos para, finalmente, dar um jeito nessa porra toda.

 

Nem é preciso dizer que ‘as guerrinhas da engenharias sociais’ — responsáveis, na minha modestíssima opinião, por tombarem Chomsky como “um grande intelectual de ponta”, principalmente porque não teve colhões para bater de frente contra a própria ‘tchurma’ (que ele mesmo alimentou durante todo esse tempo) no caso da Universidade Evergreen e que vitimou um ‘colega de esquerda’ como Weinstein — fizeram do objeto livro quase um símbolo de treta e um poço interminável do pior enfado possível e existente.

 

Depois, é bom não ficar com ‘cartinha’ na revista Harper’s como ‘manifesto contra a cultura do cancelamento’. Porra, vão se foder! “Foram vocês que criaram essa bosta!”. Quando era contra “... o inimigo de vocês...” (ou alguém que vocês supõem ‘inimigo’), servia! Quando tomba gente do mesmo lado da mesa, numa covardia de doer no espírito, como o que aconteceu com Bret Weinstein e Heather Heying em 2017 na Evergreen, aí... “ai! Cartinha para a Harper’s”. É de mandar tomar no...

 

*********

 

É por essas e outras que rola o fim da isenção para livros prometida pela Contribuição Social sobre Operações de Bens e Serviços (CBS) (não é um ‘aumento de imposto’ como andam dizendo, mas o fim de uma isenção de 12%). Com o lance da quebradeira promovida pela pandemia, somado à ausência da massa populacional que anda passando a léguas de distância de um livro, as governanças aproveitam o ensejo para tentar, de uma forma ou de outra, derrubar as isenções que esses veículos tinham.

 

Governo ruim, que não quer lidar com Cultura?! Sem dúvida! Enxergam a coisa na base do “... esse bando de desocupados”. Só que eles têm apoio justamente na ausência de plateia: seria algo como: “... de fato, entendemos patavinas desse troço de Cultura. Mas, pelo jeito... vocês também não andam fazendo muito sucesso fora daquilo que chamam de ‘cultura de entretenimento’”.

 

Cabe o debate: qual seria o protagonismo social das Artes, em especial da Literatura, quando se descobre que as próprias Artes parecem ter perdido por completo a embocadura de uma lida mais abrangente com a massa da população?

 

 

Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 48 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É autor de Areias Lunares
O Verão No Café Atlântico
(à venda na Amazon, em livro e e-book).






CANCELADO NA CHINA - CAPÍTULO #1 (por Germano Quaresma aka Manoel Herzog, ou vice-versa)

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CANCELADO NA CHINA

minissérie em três episódios

CAPÍTULO I


Há um ano estive num festival internacional de poesia em Buenos Aires onde brilhei, lacrei e seduzi como um notável poeta tupiniquim socialista e defensor das causas humanas mais clementes. Fiz contatos com pessoas excepcionais, das quais inclusive me tornei amigo, indo depois visitá-las em seus países, e mesmo recebi outros tantos poetas aqui. Na paleta de nacionalidades poéticas havia argentinos, óbvio, uruguaios, norteamericanos, mexicanos, espanhóis, portugueses, italianos. Não vou mentir que foi ali que travei contato com a China, mas foi a partir dali que me procurou a poeta Sun Lee Ming (o nome é fictício, a história, verdadeira), amiga de um amigo holandês. Escreveu-me num inglês que não sei dizer se impecável ou precário, mas que permitia ao meu reduzido conhecimento deste idioma compreender o que desejava comunicar. Para mais que isso, fazia o obséquio de enviar o mesmo texto em espanhol, idioma que também dominava. Desgraçadamente nada sabia do português.

Nunca havia conhecido uma poeta chinesa, o que me interessou deveras. Sun Lee explicava (li-o tão somente em inglês, para testar meu poliglotismo, ignorei o texto em espanhol) que fazia um importante trabalho de divulgação internacional da poesia, tal e qual todos nós que estivéramos no congresso portenho, onde não pudera ir, lamentavelmente, mas que fazia parte da rede e, neste sentido, teria imenso prazer em traduzir ao mandarim alguns dos meus poemas, e que também eu o fizesse para o português em relação aos seus.




Germano Quaresma, ou Manoel Herzog,
nasceu em Santos, São Paulo, em 1964.
Criado na cidade de Cubatão,
trabalhou na indústria química
e formou-se em Direito.
Estreou na literatura em 1987
com os poemas de Brincadeira Surrealista.
É autor dos romances
A Jaca do Cemitério É Mais Doce (2017),
Dec(ad)ência (2016), O Evangelista (2015)
Companhia Brasileira de Alquimia (2013),
além dos livros de poemas
6 Sonetos D’amor em Branco e Preto (2016)
A Comédia de Alissia Bloom (2014).
Aqui, seus mais recentes trabalhos publicados:




PRIMAVERA COM ARES DE VERÃO (por Flávio Viegas Amoreira)

 





Poeta, contista e crítico literário,

Flávio Viegas Amoreira é das mais inventivas

vozes da Nova Literatura Brasileira

surgidas na virada do século: a ‘’Geração 00’’.

Utiliza forte experimentação formal

e inovação de conteúdos, alternando

gêneros diversos em sintaxe fragmentada.

Participante de movimentos culturais

e de fomento à leitura, é autor de livros como

Maralto (2002), A Biblioteca Submergida (2003),

Contogramas (2004) e Escorbuto (2005).






SAUDADE DO FUTURO (por Itamar Alves)

 

Uma das tônicas da música brasileira da segunda metade do século XX é a de forma e conteúdo servirem à ideia de mudança. Canções com letras em versos abertos e estruturas modernas traduziram foneticamente o salto desenvolvimentista das décadas de 1950 e 60, e a redemocratização dos 80 teve impacto forte no ambiente pop brasuca . Duas canções-chaves desses momentos aproximam-se nos formatos e temas de vontade de futuro: “Chega de Saudade”, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes; “Fullgás”, de Marina Lima e Antonio Cícero. Funcionam como polaróides do que o crítico literário José Guilherme Merquior chamou de “saudade às avessas”, ou seja, o sentimento de falta do que ainda não veio como vetor para transformação.

 

Escritas por dois poetas que queriam rearranjar o contexto das letras de seus respectivos momentos, “Chega de Saudade” e “Fullgás” subverteram a prática comum . A música das décadas de 1950, com temas de tristeza e abandono, e de 1970, ainda com ranços ou de binarismo ideológico, ou sublimação sociopolítica, foi relida, respectivamente, por Vinícius de Moraes e Antonio Cícero de modo a renovar os motivos e perder a empostação. O amor ainda como tristeza, a política ainda como engajamento, mas tratadas de forma solar e individualista, algo que já tinha ocorrido pelos (e)feitos do Modernismo, no início do século XX. 

“Chega de Saudade” (Tom Jobim, Vinícius de Moraes)

 

Vai minha tristeza

E diz a ela que sem ela não pode ser

Diz-lhe numa prece

Que ela regresse

Porque eu não posso mais sofrer

Chega de saudade

A realidade é que sem ela não há paz

Não há beleza

É só tristeza e a melancolia

Que não sai de mim, não sai de mim, não sai

Mas se ela voltar, se ela voltar

Que coisa linda, que coisa louca

Pois há menos peixinhos a nadar no mar

Do que os beijinhos que eu darei

Na sua boca

Dentro dos meus braços

Os abraços hão de ser milhões de abraços

Apertado assim, colado assim, calado assim

Abraços e beijinhos, e carinhos sem ter fim

Que é pra acabar com esse negócio de você viver sem mim

Não há paz

Não há beleza

É só tristeza e a melancolia

Que não sai de mim, não sai de mim, não sai

Dentro dos meus braços

Os abraços hão de ser milhões de abraços

Apertado assim, colado assim, calado assim

Abraços e beijinhos, e carinhos sem ter fim

Que é pra acabar com esse negócio de você viver sem mim

Não quero mais esse negócio de você longe de mim

Vamos deixar desse negócio de você viver sem mim 


“Fullgás” (Marina Lima, Antonio Cícero)

 

Meu mundo você é quem faz

Música, letra e dança

Tudo em você é fullgás

Tudo você é quem lança

Lança mais e mais

Só vou te contar um segredo

Não nada

Nada de mal nos alcança

Pois tendo você meu brinquedo

Nada machuca, nem cansa

Então venha me dizer

O que será

Da minha vida

Sem você

Noites de frio

Dia não há

E um mundo estranho

Pra me segurar

Então onde quer que você vá

É lá, que eu vou estar

Amor esperto

Tão bom te amar

E tudo de lindo que eu faço

Vem com você, vem feliz

Você me abre seus braços

E a gente faz um país

Você me abre seus braços

E a gente faz um país

 

Os títulos deixam claro a relação negativa com questões de tradição. Moraes, em “Chega de Saudade”, evoca um manifesto somente por seu título, enquanto “Fullgás” condensa o termo “fugaz” com a expressão inglesa “full gas”, expandindo as semânticas originais em sentido de urgência. Moraes espanta o saudosismo, abrindo as portas para o país procurar seu lugar no mundo, e Cícero reorganiza o futuro político, fechando as portas para o passado de chumbo militar.


Ambas as canções iniciam-se com pronomes possessivos na primeira pessoa e verbos na segunda pessoa. O efeito de conexão com quem os ouve é imediato e mantido até o fim. No caso de “Chega de Saudade”, há uma transição entre uma terceira pessoa e o ouvinte, já que Moraes troca bruscamente os pronomes entre o terceiro e o quarto versos, usando a ambiguidade do possessivo como ponte.

 

Os versos abusam de tônicas abertas e rimas deslocadas, que, por si só, tornam a melodia interna de ambas sincopadas e levemente desconjuntadas. A repetição de palavras é usada com o sentido de ênfase, para Moraes (“assim… assim…”), e de indefinição, para Cícero (“tudo… nada…”). Moraes prefere repetir pronomes na primeira pessoa, enquanto Cícero os suprime da conjugação de verbos e enfatiza o pronome na segunda pessoa. As letras funcionam como espelhos distantes de si mesmas e de seus momentos, ao mesmo tempo em que comunicam possibilidades de maneira clara e automática, ainda que extremamente modernas para seus contextos. 

Em um ensaio sobre “Canção do Exílio”, de Gonçalves Dias, o crítico José Guilherme Merquior propôs que o poema trata de futuro, e não de nostalgia. Segundo Merquior, o que o poeta descrevia na comparação entre sua nação e o que via no exílio seria a vontade de que seus sentimentos correspondessem à realidade. Tratava-se, então, de uma ideia de futuro, na qual Dias descreveu o país que gostaria que existisse, e não o que efetivamente era. A “saudade de futuro” representaria uma força transformativa dentro da obra, e as letras de Vinícius de Moraes e Antonio Cícero encaixam-se nesse ideal.

 

O romantismo da década de 1840, a bossa nova de 1960 e o pop brasileiro de 1980 têm em comum o contexto de renovação de ideias e possibilidade para aberturas comportamentais. Poesia, em livro ou canções, conecta esses sentidos de mudança, e sua penetração popular indica o grau de legitimidade para ações práticas. Entre o sólido e o fugaz, a saudade de futuro é uma marca da obra popular de vanguarda no país.



Itamar Alves nasceu em Recife há 40 e poucos anos, foi criado em Santos e estudou no Colégio Canadá, onde foi aluno de Inglês do editor desta webpocilga aqui. Lembro que minha empatia por ele foi imediata. Fora da escola, viramos amigos. Diz ele que possui fotos perturbadoras minhas condensando secundárias no laboratório de Física, mas é pouco provável que as divulgue algum dia. Leciona Inglês e é um dos provocadores mais brilhantes que o Facebook já conheceu. No entanto, sou suspeito para falar disso. Julguem por sí próprios acompanhando os textos que Itamar envia para LEVA UM CASAQUINHO.