Thursday, May 31, 2018

AS LUAS QUE SE PASSARAM (uma ficção por Ademir Demarchi)






A Lua Crescente passou e a Lua Cheia se acabou ontem à noite. Sobre muitos dos que habitam a Terra elas terão deixado seus rastros indeléveis, que não se pode apagar. Perdidos a esmo por aí, alguns ainda devem caminhar trôpegos e bêbados, sem sequer imaginar que trem os atropelou. E se há dúvida sobre isso, há para ver o episódio “O mal da Lua”, que está no filme Kaos, dos Irmãos Taviani, que acabaram de ganhar em Berlim um Urso de Ouro pelo já esperado filme César deve morrer. Eles adaptaram contos de Luigi Pirandello em Kaos, em cujo livro diz: “Ao virar-se para correr até a casa, Sidora percebeu, aterrorizada, a Lua Cheia, abrasada, violácea, enorme, recém-saída das lívidas alturas da Crocca”.

Pois essa Lua temível que se vê fulgurante no filme é ainda mais poderosa quando está em seus tons avermelhados e com cornos e os espalha sobre os humanos, graças aos desnorteios físicos e psicológicos que provoca. Sob seus efeitos, quem recebe seus eflúvios perde as estribeiras, seduz, deixa-se seduzir, dança, ama, bebe intensamente. Os homens transformam-se em bisões bufantes, as fêmeas se transtornam em cio e saem a dar. Os cornos da fúria espalham-se sobre as cabeças de todos, que bufam cheios de vitalidade ou dor de amor, em situações que acometem a todos na vida. São nessas horas intensas que a questão se coloca e parece haver apenas um sentido: quem ama e se entrega deve trazer para a vida o amor com aquela impostura só encontrável num Camus, quando diz, em Sísifo, que só há uma questão que importa discutir: o suicídio; ou a morte, por outros nomes, já que o suicídio é uma imposição antinatural, falseada; nesse caso, ela poderia se dar pelo amor, que é um desejo de aniquilação no outro e com o outro, fulminante.

O amor, sob essa Lua terrível, afinal transforma-se numa metáfora da consumação, da entrega ao absoluto, do fim do que é concreto, corporal e físico para a diluição no etéreo, no desaparecimento que se antevê, que sempre se avizinha e coloca aquele que ama à beira do abismo. Até mesmo quando não se sabe o que é o amor, como é o meu caso, afinal o amor é uma invenção feminina e um homem nunca o alcançará em sua plenitude, levado de arrasto por um canto que ouve vindo de uma região que lhe é incógnita.

Obcecado por ver sua fêmea perder-se, cegada por uma luz que não distingue, resta apenas a um homem assim vitimado ganir de dor, depois que ele mesmo já bufou em situação inversa. Assim como os machos podem ser um ou outro, a fêmea acometida se transforma em outra e busca um que a fecunde. Somente quando a Lua Cheia passa, ela se acalma, voltando à docilidade antevista nos olhos, ou à ressaca extenuada, que agora pode ser compartida...

Nesses momentos a imaginação faz crescer tudo nas cabeças influenciadas pela Lua. O outro, amante já idealizado, é ainda mais potencializado para que o desejo se amplifique. Sendo amantes ambos imaginados, somente reduzem-se ao que são quando a Lua perde sua intensidade e eles se encontram e se consomem em suas cicatrizes, verrugas e falhas que surgem quando a luz arrefece e se veem, então, num outro tipo de nudez, desta vez como humanos saídos de sua animalidade.




Ademir Demarchi é santista de Maringá, no Paraná,
onde nasceu em 7 de Abril de 1960.
Além de poeta, cronista e tradutor,
é editor da prestigiada revista BABEL.
Possui diversos livros publicados.
Seus poemas estão reunidos em "Pirão de Sereia"
e suas crônicas em "Siri Na Lata",
ambos publicados pela Realejo Edições.

O SILÊNCIO DA GASOLINA (por Marcelo Rayel Correggiari)



Pessoas numa praça domingo à tarde. A amedrontadora manifestação de ‘gate keepers’ em redes sociais. Um hino nacional envolto nas cores amarela e verde.
O sistema da técnica que engole reputações: sob o nobre motivo de um país mais justo e menos corrupto, o discurso se refez pelos desejos obscuros de força e potência para as soluções de um caos antevisto e avisado.
A democracia se resumiu a bater panelas, cantar hinos em praças e apertar teclas de urnas eletrônicas. Na perfeita impotência diante de gigantes bem maiores, a raiva nas formas de uma arregimentação política com base no “contra o humano” ganha seus primeiros contornos.
A anomia no século XXI apresenta seu primeiro desafio: tornou-se uma bomba-relógio cujo desarme perpassa pela completa incompetência em descontinuar o inumano. Diante desse fracasso, esse fracasso pessoal e social, rangem-se os dentes e rosnam-se vídeos em mensageiros instantâneos.
Desamor e desunião: as boas pessoas, pela técnica, matam. Cada um permanece a vigiar ‘o seu’, filas, angústia, agonia. Em nome de dias melhores, a ideia de que a força coletiva precede o lastro do conhecimento e do pensamento. No momento de crise, o sumiço do combustível nos mostra o quanto somos incapazes na distância da sabedoria.
Nossa incapacidade completa, íntegra, de produzir qualquer coisa que desmantele esse inumano. Resumidos os gestos: camisas de seleção, bandeirinhas chacoalhando, buzinas, carros de som de centrais sindicais seguidos pelos esmagadores de panelas.
A ausência da prudência, a espera, o aguardo do devir que bem revela que só haverá muito erro, de quem for, sem a voga de um pensamento na contemplação de um horizonte.
O combustível inexiste. Na esperança de um encerramento de ciclo, uma quinzena em que um país inteiro foi posto na leseira de um feriado, de férias em algum ponto remoto e banhado pelo mar.
A deliciosa indolência das 15 horas: acabaram-se a pressa, a urgência dos relógios, os rigores da agenda. Caminha-se como se o trabalho perdesse peso, as crianças indo e voltando de suas escolas, o passeio dos pequenos com mais descobertas. A surpresa de reparar, finalmente, nas flores dos canteiros, nos latidos ao portão, nos buracos da calçada, na feiura das fachadas, na quantidade excessiva de fios nos postes.
Vias vazias. A cidade é a prova maior de uma falência: sem qualquer serventia quando vocacionada à aglomeração desmedida e impensada. Esses bairros, esses bairros interioranos. Esses bairros vazios com gente dentro. O combustível traz a desordem da perturbação. Quando se cala, o préstimo da boa vida pelo desarme dos espíritos.
Pelas ruas, à noite, lugares para estacionar, restaurantes com o número certo de fregueses, lanches incompletos pela falta da alface, o forte cheiro de esgoto que se ergue dos canais. Passo a passo, a primeira parada com a água-doce de canela, a segunda com a cerveja mais gelada do que nunca, tempo suficiente para a conversa com amigos, o compartilhamento com o testemunhado ao longo do dia.
Houve temperança: dentro de um ritmo natural, ou aquele que deveria ser sempre, o conteúdo das falas descreve muito mais detalhes apreendidos, bem mais do que aqueles não revelados pelo silêncio da gasolina.



Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 48 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É avesso a hermetismos
e herméticos em geral,
e escreve semanalmente em
LEVA UM CASAQUINHO

TEATRO OFICINA:SÍMBOLO TRANZMODERNO (por Flávio Viegas Amoreira)




Da passagem da matéria-forma ‘a matéria-força: um signo carregado de significados tendo ´´O Rei da Vela´´ como estandarte , o Teatro Oficina é metalinguagem para sua própria luta de ´desencanamento´ visceral  da civilização paulistana, no mínimo paulistana.  Deleuzianamente o Oficina não pensa ´isso ou aquilo´, - vibrátil pensa ´com´  todos instrumentos do devir, do instante que passa a partir e adentrando o magma mesmo das coisas apresentadas.   Máquina radicalmente desejante,  teatro- esponja, onívoro carregando por toda epiderme da urbe-entorno as inquietudes convergentes de tradição-vanguarda.  A epopéia pelo Bexiga é ela mesmo metalinguagem, intertextualidade do carma subversivo de sua tessitura aos solavancos da História de desconstrução dos macro-micro fascismos.  O fetiche tosco do progresso sempre com suas artimanhas para novo ´apartheid social´  :  a falácia da eficiência, do pragmatismo,  a verticalização como tara arquitetônica nomeada ´gentrificação´. No caso ´insulamento´  da arte , da cultura vívida,  do sufocamento por guetificação do senso crítico imanente e rizomático representado pelo Oficina e seus desdobramentos quânticos. A maior transgressão ‘ a sociedade de mercado é criar: linguagem de bárbara, enviezada, tonitroante, dês-normatizando o pastoreio de cordeiros do nexo linear.  O teatro visto no ´´Rei da Vela´´, manifesto desnudado da práxis uzona é fóton-texto, acelerador de signos, sintagmas, miscigenador de idioletos.  O santuário do Bixiga, cadinho de córregos subterrâneos uterinos de Sampa propõem uma erótica mais que uma linguagem , ainda que essa sua já estabelece por si uma ruptura imanente.  Além das comoditties  cafeeiras oswaldianas, o Oficina sugere um Vale do Silício anímico no fulcro mesmo da Paulicéia: descaracterizar a fonte é propor sufocamento da seiva.  Impensável um cenário sem o Oficina fortalecido: seria encarcerar Dona  Yayá a São Paulo inteira num medievo endinheirado.  Zé Celso está para Pindorama o que foi Ginsberg para a América e remexendo encontro um dito fudido do  xamã beat: ´´A única tradição poética é a voz que sai da moita em chamas. O resto é lixo e vai ser consumido.´´  Raros inventários da brasilidade tem a veracidade da saga euclidiana construída por Zé Celso, assim como seu ciclo oswaldiano precedeu em muito maio de 68 aqui nos trópicos ... vivendo entre o cais de Santos e o Copan tomo o Oficina feito já atmosfera  natural tanto quanto a Mata Atlântica:  qualquer atentado sua integralidade é morticínio cultural e telúrico .   Faz me lembrar Paul Klee sobre função estética contundente: ´´ A Arte não imita o visível; ela torna visível o não-visível.´´    Esse mergulho na imponderabilidade feito pelo Oficina é vital para a reflexão nacional  do contrário ficaremos ocos sem novas linhas de conexão.  Quando já se avizinha um novo império predador, o chinês, quando até o polvo ianque perde tentáculos,  é impressionante atualidade do ´´Rei da Vela´´  e espero o Oficina esteja aí nesse século deleuziano  onde Sampa se insinua megalópole do Ocidente em transe...tranZmoderno!!





Poeta, contista e crítico literário,
Flávio Viegas Amoreira é das mais inventivas
vozes da Nova Literatura Brasileira
surgidas na virada do século: a ‘’Geração 00’’.
Utiliza forte experimentação formal
e inovação de conteúdos, alternando
gêneros diversos em sintaxe fragmentada.
Vem sendo estudado como uma das vozes
da pós-modernidade literária brasileira
em universidades americanas e européias.
Participante de movimentos culturais
e de fomento à leitura, é autor de livros como
Maralto (2002), A Biblioteca Submergida (2003),
Contogramas (2004) e Escorbuto, Cantos da Costa (2005).



Tuesday, May 29, 2018

O ESPÍRITO DA LETRA (um poema de Bruno Tolentino)





Ao pé da letra agora, em minha vida 

há a morte e uma mulher... E a letra dela, 
a primeira, me busca e me martela 
ouvido adentro a mesma despedida 



outra vez e outra vez, sempre espremida 

entre as vogais do amor... Mas como vê-la 
sem exumar uma vez mais a estrela 
que há anos-luz se esbate sem saída, 



sem prazo de morrer na luz que treme?! 

O mostro que eu matei deixou-me a marca 
suas pernas abertas ante a Parca 



aparecem-me em tudo: é a letra M 

a da Medusa que eu amei, a barca 
sem amarras, sem remos e sem leme...



Bruno Tolentino nasceu no Rio de Janeiro
em 12 de Novembro de 1940.
Conviveu desde crianças com intelectuais
e escritores como Cecília Meirelles,
Carlos Drummond de Andrade,
Manuel Bandeira e João Cabral de Melo Neto 
Deixou o Brasil em 1964 
para viver na Inglaterra por 30 anos 
como professor em Oxford, Essex e Bristol.
"As Horas de Katarina", seu primeiro livro de poemas, 
lhe rendeu o Prêmio Jabuti em 1994.
"O Mundo Como Ideia", seu segundo livro de poemas,
lhe rendeu outro Prêmio Jabuti em 2003.
Morreu de AIDS em 27 de Junho de 2007,
no Hospital Emílio Ribas, em São Paulo.

EDUARDO CAVALCANTI SAÚDA O NOTÁVEL TOM WOLFE EM PRÓXIMA PARADA



Eduardo Rubi Cavalcanti
é jornalista desde a década de 80.
Trabalhou em A TRIBUNA de Santos
e em várias outras publicações. 
É Mestre em Comunicação Social
pela Universidade Metodista de São Paulo
e leciona Jornalismo na Unisantos,
onde cursou sua graduação.
Publica domingo sim, domingo não,
em A TRIBUNA de Santos,
a página PRÓXIMA PARADA,
que reproduzimos aqui.

E TEMER ERA PIOR DO QUE SE IMAGINAVA... (por Alvaro Carvalho Jr.)



Alguns aspectos devem ser levados em conta com relação a essa inacreditável greve que completou uma semana este final de semana. O mais claro: acabou o governo Temer, mais por sua fraqueza do que por seus atos. O presidente tomou muitas decisões importantes ao longo de seu governo que vieram para aliviar as contas do país e só não chegou onde deveria, muito mais pela inoperança de nosso Congresso do que outra coisa. Mas faltou pulso, faltou liderança e, principalmente, representatividade.

Mas, definitivamente, Temer é bem pior do que se imaginava. Essa greve, anunciada alguns meses atrás, só explodiu por conta da irresponsabilidade da equipe presidencial e dele mesmo. O problema é que a incompetência dos auxiliares presidenciais é tão grande que nã dá para mesurar. Imaginem um presidente da República recebendo orientações e conselhos de figuras como Eliseu Padilha,  Moreira Franco e o inconcebível Carlos Marun. Ninguém merece...todos citados na Lava Jato, inclusive Temer!

Tanto caminhoneiros autônomos (os verdadeiros grevistas) como os representantes de transportadoras mandaram vários recados para a Presidência da República pedindo uma reunião emergencial para estudar os preços dos combustíveis (incontroláveis com o mercado externo e com a política de preços diários) e regulamentar a cobrança dos fretes, um dos grandes problemas dos caminhoneiros autônomos. Bateram na porta da Brasília mas não obtiveram qualquer resposta. Resultado: além da necessidade de melhorar o preço dos combuistível, a regulamentação dos fretes, os motoristas aditivaram raiva ao movimento, muito mais pela maneira de como foram tratados do que outra coisa. Deu no que deu...

O governo, por sua vez, bem que tentou endurecer com os grevistas depois de quase uma semana de greve, mas foi em vão. Eles fincaram o pé, começaram a receber o apoio da população, esta cansada de tanta roubalheira, de tanto imposto cobrado sem retôrno, de tanta mordomia, e acabaram se tornando heróis nacionais. Menos de 24 horas depois de bater forte nos grevistas, o governo voltou atrás e aceitou praticamente tudo que eles pediam: caiu de quatro, rendeu-se, entregou os dedos e os anéis. Acabou.

Mas todos esses acontecimentos vieram mostrar uma outra faceta deste País intolerante. Comerciantes inescrupulosos aproveitaram a situação e os preços de alguns alimentos, combustíveis e remédios, simplesmente dispararam. Um saco de batatas que custava R$80,00, saltou para incríveis R$500,00! Um desses absurdos incompreensíveis. Por sua vez, donos de automóveis lotaram postos de gasolina para abastecer, levar para casa, o que acabou mostrando a falta de caráter de todos: os donos dos postos chutaram o preço do combustível para os céus e, para não fugir da tradição, o consumidor final acabou pagando o pato. Até concordo com a lei do mercado: quanto maior a procura, maior o preço. E, no sentido inverso, a mesma coisa. Agora, abuso, aí já é demais...

Para reforçar essa triste realidade, a Polícia Federal investiga a participação de proprietários de grandes transportadoras de petróleo no movimento. Eles têm o poder de controlar as atividades de seus motoristas, obrigando-os, no caso, a estacionarem nos acostamento das estradas e não entregarem as mercadorias. Isso se chama de locausto. Segundo o governo, já foram instaurados 37 inquéritos e alguns proeminentes propietários já estariam até presos, o que não foi confirmado.

Tudo isso, na verdade, mostra o ambiente em que vivemos. Lembro-me dos tempos de Juscelino Kubitschek, que levava o astral do País para cima, apostando no bom humor e na mentalidade desenvolvimentista. Construiu Brasília em quatro anos –um feito e tanto!- cometeu o crime de abandonar as ferrovias brasileiras (chegamos a ter mais de 30.129 kms e ferrovias) e deu prioridade para as rodovias. Sim, foi um crime, mas ele, pelo menos, não vivia de revanchismos e baseou sua política rodoviária na implementação da indústria automobilística do país, responsável pela criação de milhões de empregos. O erro foi o sucateamento de toda nossa malha ferroviária. E deu no que deu.

Sim, vivemos tempos negros. E, talvez, muito pior do que a sem-vergonhice nacional, a roubalheira e as mordomias, seja a incompetência, pois essa faz vítimas sem ser identificada. Não temos bons políticos, não temos bons profissionais, milhões de analfabetos e, pior, crianças semi-analfabetas, vítimas diretas da imoralidade de alguns políticos que se aproveitam da ignorância. Uma rotina triste e que parece não ter fim. Temos um ex-presidente preso, vários ex-políticos importantes também presos e ainda não chegamos à metade do caminho da limpeza. O próprio Temer e seus asseclas, assim que sair da presidência, correm o risco de serem imediatamente envolvidos em inquéritos e acabarem na cadeia. Difícil? Sim, mas não impossível.

E, para surpreender mais ainda, personagens vampirescos saíram de suas tocas e caíram na mídia. O principal deles foi o notório Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados que, sem qualquer pudor, simplesmente exigiu, e conseguiu, a eliminação de alguns impostos que incidem sobre os combustíveis. A Câmara aprovou sem discutir o assunto, sem indicar de onde sairá o dinheiro para substituir esses impostos e empurrou o pepino para o Senado que, por sua vez, faz nesta segunda-feira uma reunião para decidir o assunto. Tudo aos trambolhões, sem planejamento, sem responsabilidade. Ninguém sabe como isso acabará: sabe-se apenas que a brincadeira desses caras irresponsáveis pode chegar à bagatela de R$ 10 bi. Grana que bobo não consegue contar...

Onde vamos parar? Nem o mais famoso dos videntes pode imaginar. Um presidente fraco, um presidente da Câmara venal, um presidente do Senado que desaparece e uma sociedade que defende o fim da corrupção, da roubalheira institucionalizada no governo, mas que adora uma molezinha, fazer movimento para soltar ex-presidente corrupto, uma engrachadinha no policial que lhe aplica uma multa e até mesmo um amigo na Receita para quebrar um galho. Assim, meus amigos, fica difícil. O ideal é que a população entendesse o que realmente significa uma sociedade sem corrupção, onde todos acabam se beneficiando. Da maneira que anda o barco, não chegaremos ao tal porto seguro que já estamos carecas de tanto procurar. Vamos jogar a poita em mares incertos e o final poderá ser um naufrágio coletivo. Uma coisa é certa: pelo menos dessa vez, a seleção brasileira ficou de fora. Aliás, já foi embora para a Europa e ninguém, ninguém mesmo, se incomodou. Talvez ainda reste uma esperança...Inté.


Álvaro Carvalho Jr. é jornalista aposentado
e trabalhou para vários jornais e revistas
ao longo de 40 anos de carreira.
Colabora com LEVA UM CASAQUINHO
sempre às segundas,
quando esquece que está aposentado.

A FALSA LOIRA (por Carlão Bittencourt)



A imaginação é a pipa que
se pode empinar mais alto
(Lauren Bacall)


Mais do que um publicitário de sucesso, o herói desta história é uma lenda viva da propaganda brasileira. Criou a agência mais famosa dos anos 70/80 e, muito mais difícil, tratou de reinventá-la nos anos 90, em parceria com outros craques. O homem não é fraco.

Seu nome é Alex. Alex Periscinoto. E esta passagem trata da sua imensa criatividade, que extrapola em muito o circuito da propaganda.

Na época em que o fato aconteceu, Alex ainda estava longe de ser um poderoso dono de uma grande agência. Era, então, Diretor de Arte de uma grande loja de departamentos, em São Paulo. O Mappin.

Alex era casado, mas não era santo. Depois, de trocar olhares com uma bela loira, colega de trabalho, o assunto prosperou. Bastante. E a dupla partiu para a criação de algo bem mais interessante do que um mero tablóide de ofertas.

Acontece que o demo não pode ver ninguém feliz. Vacilou, o tinhoso atrapalha a vida do alheio.

Depois do dever cumprido, Alex estava saindo do hotel com a loira. De repente, no meio do trânsito viu o cunhado, no carro ao lado. Rápido, cumprimentou o contraparente e pegou a primeira rua à direita, sem que o outro pudesse ver o rosto da jovem.

Antevendo os problemas que teria pela frente, posto que o cidadão era um tremendo dedo duro, Alex deixou a garota num ponto de táxi e voltou ao trabalho. Na loja, pegou um manequim feminino e tratou de deixá-lo o mais parecido possível com a sua acompanhante. A começar por uma peruca loira, quase igual aos cabelos da moça. Feito isso, colocou a boneca gigante no banco da frente do carro e foi para casa. Sua cara era a imagem da pureza. Um santo.

Mal tinha aberto a porta e a bronca começou. Feia. Sua mulher, já envenenada pelo irmão, via telefone, pois o celular ainda não era nem projeto, ela só não lhe disse boa noite. O resto foi serviço completo. Esculhambou o marido.

Com a maior cara de inocente, Alex negou tudo. Lógico. Disse que havia saído do trabalho, passado num fotógrafo para pegar uns cromos e, de lá, ido diretamente para casa. Só isso, mais nada. Não adiantou. A patroa estava mesmo virada num siri. E continuou a espinafração.

Quando a expressão loira oxigenada foi proferida pela enésima vez, Alex virou a mesa. Soltou uma gargalhada gostosa e disse à esposa ofendida que sabia exatamente o que tinha acontecido. E que tudo não passava de um mal entendido. Bobo. Tranqüilo, convidou-a para ir à garagem.

Assim que chegaram junto do carro, disse, apontando para o manequim:

"Pronto, querida, eis a sua Marilyn Monroe!!!"


Carlão Bittencourt
é redator publicitário
e cronista.
É autor de
"Pela Sete - Breves Histórias do Pano Verde"
(2003, Editora Codex),
um mergulho no universo
dos salões de bilhar de São Paulo.

JOÃO e JEREMIAS - A PORRA DA HISTÓRIA (um folhetim beat de JR Fidalgo - 14ª de 16 partes)



CAPÍTULO XXIV

Olhando para o mar, ele pensou que devia achar algo mais importante pra dizer a respeito da porra daquele mar.

Mas não conseguia pensar em nada mais importante, além do fato daquela porra daquele mar banhar a porra da cidade onde ele viveu grande parte da porra da sua vida.

Contudo, se alguém tinha mesmo que contar a porra daquela história, ele estava disposto a tentar. Por quê?  Ele não fazia idéia.

Isso, contudo, não importava.

Afinal, era apenas uma porra de uma história.

Era preciso, porém, encontrar alguém para escrever a tal história, já que ele mesmo, por uma série de razões que agora não vinham ao caso, nunca faria isso.

Mas quem faria isso, quer dizer, quem contaria aquela história? E que história era exatamente aquela?

Estar naquela cidade novamente, depois de tanto tempo, era estranho e assustador. Se havia algo sensato a fazer, depois de tudo o que passara, era nunca voltar àquele lugar. Ironicamente, foi exatamente isso que fez. Quando cruzou aquela porta, pensou aonde ir. Os locais em que vivera nos últimos tempos estavam fora de cogitação.  Nenhuma das pessoas com quem convivera em tais lugares ficaria exatamente feliz em revê-lo. Muito pelo contrário e, em alguns casos, ele pressentia que isso envolvia até mesmo um certo risco de vida ou, na melhor das hipótese, algumas escoriações leves mas doloridas em seu corpo.

Então, como que atraído por imã invisível, foi sendo trazido de volta àquela cidade, e agora estava lá, olhando pra porra daquele mar e avaliando se não tinha feito uma grande cagada. Contudo, a idéia de escrever a história o animou um pouco. Seria, pelo menos, um objetivo, ainda que meio maluco, para preencher o tremendo vazio que sentia dentro dele e a falta de qualquer perspectiva a respeito da vida que levaria dali para a frente.


O que primeiro chamou a sua atenção foi o título, A Porta dos Fundos do Paraíso. Depois achou engraçado que alguém tivesse escolhido a foto de uma minhoca para ilustrar a capa de um livro. Começou a folhear o livro, tentando descobrir de que diabos se tratava. Não conseguiu chegar à conclusão nenhuma, já que, em um trecho, aquilo parecia um romance, no outro, um tratado filosófico e, mais adiante, um manual de bruxaria. Ah, e havia lá também algumas páginas que pareciam ser poesia ou coisa semelhante.

Quando retornou à capa para rever a foto da minhoca, teve a impressão de que ela estava esboçando um leve sorriso. Mas definitivamente não foi isso o que o surpreendeu. O leve tranco no peito aconteceu quando viu o nome do autor. Puta que pariu, quer dizer que o cara tinha escrito um livro? Um livro maluco com um título maluco, A Porta dos Fundos do Paraíso. Ah, e com a foto de uma minhoca sorrindo na capa.


Puta que pariu! Não, puta que pariu era pouco.

 

CAPÍTULO XXV

“Olhando para o mar, eu pensei que devia achar algo mais importante pra dizer a respeito da porra daquele mar. Mas não consegui pensar em nada mais importante, além do fato daquela porra daquele mar banhar a porra da cidade onde eu vivi grande parte da porra da minha vida. Contudo, se alguém tinha mesmo que contar a porra daquela história, eu estava disposto a tentar. Por quê? Eu não fazia idéia. Isso, contudo, não importava. Afinal, era apenas uma porra de uma história. Era preciso, porém, encontrar alguém para escrever a tal história, já que eu mesmo, por uma série de razões que agora não vêm ao caso, nunca farei isso.

“É provável que você até se assuste com esta mensagem. Afinal, faz tanto tempo… De qualquer forma, sempre achei que, de todos nós, você era o cara que tinha o dom de escrever. Aliás, acabo de comprar seu livro. Foi na contracapa que descobri seu e-mail. Bem, como estou com um pouco de pressa e porque também não quero ficar tomando seu tempo, vou direto ao assunto. Queria te pedir para você colocar no papel, quer dizer, na tela do computador, uma história que eu queria que fosse contada. Além do tal dom que você tem, e sobre o qual já falei, acho você a pessoa ideal para contar a história, até porque você estava quase sempre por perto, quando tudo aconteceu. Aguardo uma resposta sua. Abraços, Jeremias. PS. Ainda não li o seu livro, mas pretendo começar ainda hoje.”

Na semana seguinte, ele foi, pelo menos uma vez por dia, até alguma lan house, verificar se sua mensagem tinha sido respondida. Na última dessas vezes, desistiu de esperar uma resposta e resolveu escrever alguma coisa e mandar para paraisoperdido@denovo.com, o e-mail que ele tinha visto na contracapa do livro da minhoca sorridente.

No e-mail, Jeremias começava a contar uma história:

“E também não havia absolutamente nenhuma poesia no fato de seu pinto estar agora amolecendo dentro da boceta melada dela, logo após terem gozado. Isto é, se é que ela também havia gozado.

“Tempos atrás, uma outra mulher, com quem ele havia acabado de trepar, lhe disse que a última coisa que queria ouvir, depois de uma trepada, era o cara ao seu lado lhe perguntando se havia gozado.

“Desde então, ele, que antes achava “elegante” perguntar se a parceira também tinha gozado, nunca mais abriu a boca após uma trepada. Somente ficava lá, de barriga pra cima, olhando o teto, como estava fazendo agora, depois de ter gozado dentro da boceta de Mô.

“Apesar de se conhecerem há anos, era a primeira vez que ele e Mô trepavam. Os dois já haviam trepado com quase todo mundo ao redor, mas nunca tinha rolado entre eles. Mô resumiu a situação quando ele começou a enfiar seu pinto nela e ela disse: “Caramba, até que enfim. Eu pensei que isso nunca fosse acontecer com a gente”.


“Na verdade, o ácido que eles haviam tomado contribuiu muito para aquilo tudo. Era um ácido particularmente fraco, pois naquela época já era difícil arrumar alguma coisa de qualidade na cidade. No entanto, eles tomaram a pedra num dia atípico, totalmente atípico…”




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JR Fidalgo: um jornalista
que tem preguiça de perguntar,
um escritor que não tem saco
pra escrever e um compositor
que não sabe tocar.

(mas que, mesmo assim,
já escreveu três romances
e uma quantidade considerável
de canções ao longo
dos últimos 45 anos)

Friday, May 25, 2018

UMA SAUDAÇÃO A PHILIP ROTH (publicado originalmente em 25 de Agosto de 2015)


por Chico Marques



Estou feliz. Chegou ontem pelo Correio minha edição da Library Of America com a coleção completa dos escritos de Philip Roth em 10 volumes. Pretendo em breve começar a reler todos os romances que li -- às vezes em traduções, outras no original em inglês -- ao longo desses últimos 35 anos, sempre com imenso prazer. Dessa vez não num paperback qualquer, mas numa edição capa dura que, se não é exatamente luxuosa, chega bem perto.

Sou admirador incondicional de Mr. Roth. Vibro com tudo o que ele escreveu. Não conheço nenhum outro romancista que me desperte esse tipo de sensação. É um estilista denso e admirável -- e o melhor romancista americano, judeu ou não, surgido no Século XX. Ouso dizer que ele é melhor que Dostoievski e Tolstoy juntos (tem gente que vai querer me apedrejar por isso, mas tudo bem, eu aguento o tranco).


Philip Roth é uma figuraça. Quando afirmou à revista francesa Les Inrockuptibles que abandonaria a literatura em novembro de 2012, com a frase "a verdade é que cansei", poucos acreditaram. Afinal, como alguém como ele, que se dedicou de forma tão tenaz à sua literatura por tantos anos, poderia estar falando sério? Pois ele estava.

Em 2014, numa entrevista à BBC, Mr. Roth não só reafirmou sua aposentadoria literária como garantiu diante das câmeras que "esta foi minha última aparição na televisão, absolutamente minha última aparição pública, em qualquer forma e em qualquer lugar".

Essa última frase de Mr. Roth veio em tom de piada, já que ele estava parafraseando uma citação do boxeador norte-americano Joe Louis, que disse, ao se aposentar: "fiz o melhor com aquilo que tinha".

Só que, apesar da piada, a afirmação era verdadeira.


Philip Roth fez o que a imensa maioria dos escritores não consegue fazer: saiu de sua obra para cair na vida.

Quem mantém contato com ele, afirma que jamais pareceu tão relaxado e contente.

Sabe-se que escritores raramente se aposentam por conta de um mix de vaidade e necessidades financeiras. Por isso eles acabam permanecendo em cena por muito mais tempo do que deveriam. Isso explica porque muitas carreiras literárias notáveis muitas vezes encerram em tom menor.

Mas este não foi o caso com Mr. Roth.

Seus últimos atos como escritor conferiram um papel central a si mesmo.

E ele encerrou sua carreira em excelente forma artística.


Em sua longa e espetacular carreira literária, Philip Roth tratou de se reinventar de incontáveis maneiras.

Morou em várias cidades, casou-se com várias mulheres, viveu seu tempo mais intensamente que a imensa maioria dos escritores judeus americanos, constantemente obcecados com o passado. (exceções: Norman Mailer e Joseph Heller)

E, ao sair de cena como escritor aposentado, deixou uma última provocação a seus leitores e admiradores:

"Parti para a grande tarefa do fazer nada. Desejem-me sorte".

Nada como poder dar a última gargalhada.



Chico Marques estudou Literatura Inglesa na UnB-Universidade de Brasília e leu com muito prazer uma quantidade considerável de volumes da espetacular Biblioteca daquela Instituição. Vive em Santos SP, onde, entre outros afazeres, edita o website musical ALTOeCLARO e a revista cultural LEVA UM CASAQUINHO


Para conhecer o catálogo completo
da Library Of America