No
início, eram somente ‘duas semanas’.
“Ah! Dá
‘pra’ levar”, pensaram muitos. “O que são duas semaninhas recolhido em casa,
sem poder ir à praia... passam logo”.
Até que
se vão cinco meses. É bom não esquecer que Santos já vinha com alguns bloqueios
sanitários por causa das atividades portuárias, e que o prefeito efetivou o
bloqueio às praias — a fim de se evitar os chamados ‘clusters’ — no dia 06 de
março.
Bom,
final de agosto... e nenhum sinal de que as agruras cessarão. O pessoal que já
não batia bem dos pinos começou a dar ‘tilt’ direto: fácil de testemunhar,
mesmo em casa, uma vez que os(as) ‘panguá’ publicam os passeios com tons
idílicos — o bom e velho lance do “eu tenho direito a um banho de sol!” — em
redes sociais. Incrível, isso!
A
justificativa não é nem um pouco inovadora: “... o médico falou que não é bom
ficar sem tomar sol...”, “... precisamos de banho de sol! Como fica nosso
sistema imunológico?!” ou coisas do tipo “... até presidiários têm banho de
sol...” entram na tentativa de dar aquela volta na malandragem — alô, Bezerra
da Silva! Aquele abraço! — sem se ater à excepcionalidade do momento histórico.
O lado bom da coisa: a pandemia serviu como
peneira, ‘caça-talentos’, nos campos da medicina e execução penal.
Um troço!
O que se
pode entender dessa pandemia, pelo enorme desconhecimento que a ciência ainda
tem da doença no que tange à sua dinâmica, virulência e possível terapia, é que
‘o trem’ é meio parecido com o “Hotel California”, do Eagles: “(...) Você pode
pedir a conta/Mas sem essa de picar a mula”.
Como tem
hora para entrar, mas não para sair, — um detalhezinho que não estava nos
‘planos de negócio’ de absolutamente ninguém — é nessa que você vê o quanto o
ser humano é tudo, menos criativo. Aliás, se fosse, não enlouqueceria da forma
que já vinha rolando antes dos decretos de quarentena.
Bom,
para quem tem crianças em casa, deve ser um suplício — aqui vai a tentativa de
abrandar, pelas palavras, um evento que se revelou para papais e mamães como um
verdadeiro martírio. Vai ser osso. E ‘quando tudo isso passar’, mais paulada na
cabeça: um mundo bem pior, longos passeios familiares a clínicas psiquiátricas
e um cagaço ‘da gota’ em deixar os filhos na escola.
Cinema,
teatro, praia e jogo de futebol encherão a veia do pescoço no intuito de
cumprir com o ‘distanciamento social’ suficiente em seus retornos: justamente
para aqueles velhos paradigmas em que “quanto mais lotado, melhor”. O lance da
bilheteria, ‘casa cheia’, ... podem esquecer: por baixo uns três anos dando nó
em pingo d’água. De repente, as supracitadas são franca-favoritas a
desaparecerem no ‘pós’ pandemia.
Será um
furdunço caso isso ocorra. A prova de honra: micareta em Salvador com
‘distanciamento social’. Carnaval em risco: a seguir, cenas dos próximos
capítulos.
Uma
coisa também parece ser fato: algumas atividades têm tudo para desaparecem
iguais a tantas outras que já não existem mais — curso de datilografia,
motorneiro, carrinho de algodão doce pelo bairro. “Tudo muda”, não é o que
dizem?! Se nessa lista entrar teatro, cinema, bares e restaurantes, qual o
problema, não?!
A
sociedade não chegou até aqui sem o encontro regado a alguma bebida, mas não
temos notícias de que as grandes mutações e revoluções que nos guiaram a esse
angustiante momento foram engendradas dentro de um bar. Afinal, o homem do
terciário, ou do quaternário, vivia em cavernas... não em bares e restaurantes.
Então...
se sumir, ... sumiu! Simples. Sem dramas ou maiores desatinos: a humanidade é
sempre maior do que quaisquer de suas criações e manifestações. Algumas
desaparecerão para dar lugar a tantas outras que pintarão na área.
Como,
por exemplo, o retorno da panificação caseira. O(A) sujeito(a), para não surtar
no confinamento da cela de sua casa, saiu danando a fazer pão. É abrir o
Instagram e se deparar com receitas de pães que jamais tínhamos ouvido falar.
“... olha que coisa boa!”. Não é?! É pão ‘pra’ tudo quanto é lado!
“Pão
disso”, “pão daquilo”, “pão daquilo-outro” ... pães, pães, pães. Pandemia
serviu para encher barriga, engordar horrores e salvar a vida financeira de uma
penca de moinhos. Nunca se vendeu tanta farinha, Deus-do-Céu! Isso também recai
sobre formas, fornos, gás de cozinha, fermentos... e toda aquela parafernália
para se fazer pão.
Mas não
foram somente “os(as) padeiros(as)-de-pandemia” que azucrinaram ‘timelines’ com
aquela tsunami de pão: quem recebia as benesses, na hora de se empanturrar com
o acepipe, enchia a paciência das redes sociais com mais e mais pães de tudo
quanto era jeito.
Rede
social para pão! Vejam, senhoras e senhores! Fotos de gatinhos, comilança,
ginástica em casa e... pão! Pão, pão, pão! Quem fazia e quem comia. A fim de se
evitar o enlouquecimento precoce, danou-se a fazer pão. Não querer enlouquecer
é um direito de todos. Enlouquecer todos os(as) demais com aquela infinitude de
pão em ‘timeline’ de rede social, aí, já é um certo exagero que só faz subir um
pouquinho mais as cercas já erguidas.
E as
‘lives’?!
Acho que
nem precisa, não?!
Tudo é
‘live’, como se transmissões ‘ao vivo’ (= ‘live’) fossem a “... invenção do
momento”. Puta merda! Está sendo osso! ‘Live’ de conversa, ‘live’ de música,
‘live’ de debate político ou literário, ‘live’ de pão, ‘live’ de peça de
teatro... só faltou ‘live’ de sexo — até o fechamento desse texto, seu autor
não teve notícias de tal empreendimento.
E tome
‘live’!
Mundo
despreparado, que acha que a energia elétrica “é tudo” e “será para sempre”,
quando é pego por algum viés de onde menos se esperava, acaba partindo “’pro’
arremedo”. Um troço! Aí... vejam só... descobriram que não conseguem sobreviver
sem público e sem ‘bordereaux’. Sem público, até dá para contornar. Sem
“bufunfa”, aí... é sem chance.
A
instituição gratuita do ‘live’, que pode ser realizada por qualquer um e ter
uma assistência completamente longe de uma interação mediada por pecúnia, acabou
sendo tutelada pelo boleto bancário. Afinal, nem relógio trabalha de graça, não
é mesmo?! Se há profissionais na música, na mesa de som, na luz e no
espetáculo, cabe sem sombra de dúvidas a remuneração justa e já bastante comum ‘nos
bares da vida’ bem antes dos decretos de quarentena.
Só
que... ficou... um arzinho de... “sambarilóvi!!!”. A velha disputa com aquela
penca de shows, um melhor que o outro, com seus artistas preferidos e
totalmente de graça nos ‘streamings de vídeo’ (como o ‘VocêTubo’, por exemplo),
colocou os(as) artistas menos renomados(as) em situação espinhosa ‘pacas’. Em
geral, pagamos por apresentações “concretas”, com interação imediata do(a)
‘performer’ bem na nossa frente, na nossa cara. Socorremo-nos aos ‘streamings’
somente quando perdemos o show, o(a) artista em questão faleceu ou a
apresentação ocorreu no outro lado do planeta. Caso contrário, pagar, só se for
de corpo presente.
“Ah...
mas é igual a TV a cabo! Você também paga para ver show lá...”, mas... que
diabos! Quem é que disse que eu pago TV a cabo para ver show?! Quem é que
realmente sabe se tenho assinatura de TV ou não na minha residência?! E se eu
não tiver? Continuo vendo show em ‘VocêTubo’, Vimeo, esses trens, sem pagar
nada por isso.
“Ah! Mas
você acha justo?!”. Sinceramente, nem um pouco. Acho injusto pacas. Só que não
inventei esse cenário: o ‘mundão’ é injusto ‘pra’ burro e já se vão uns dez mil
anos nessa injustiça. A ‘furação-de-olhos’ é antiga e ruim ‘pra’ corrigir,
fazê-la parar. Então, se cada um se vira com orçamento que tem por aí, ...
Ficou
meio óbvio que as ‘lives’ entraram na base do ‘sufoco’, na falta de dinheiro e
na impossibilidade de ganhá-lo pelos métodos “pré-pandemia”. Acho que esses
métodos retornam: deve tomar um pouco mais de tempo para recuperar a confiança
da galera, mas estarão de volta mesmo com alguma dificuldade (re)inicial.
O ponto
é que, aos poucos, o povão experimenta um fato que pode ser bastante incômodo,
perturbador, mas muito revelador ao mesmo tempo: o de descobrir que não
precisava de tanta quinquilharia assim para tocar a vida.
O pior:
economizaram uma penca e nem sentirão tanta falta assim.
Pois, é
isso o que ocorre: pães para não enlouquecer, ‘lives’ para pagar as contas. A primeira não segura a onda de uma rica
nutrição e a segunda não pega nem beira para a sustentação do espírito. Para
ocupantes da segunda (ou terceira?!) década do século XXI, de repente, é bem a
nossa cara: tudo tão fraco, insípido, tênue e tépido que não deveríamos ter
tamanho estranhamento. Fim-de-carreira, fim-de-feira, fim-dos-tempos...
apocalipse.
Pães
para os(as) candidatos(as) a loucos(as), ‘lives’ para os(as) aspirantes à fome
— ou seria o contrário?!? Bem... não importa! O importante é sacar o que vem
por aí: se, porventura, o que já está é o que se estabelecerá, “êita” estreia
mais sem graça, “sô”!
Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 48 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É autor de Areias Lunares
e O Verão No Café Atlântico
(à venda na Amazon, em livro e e-book).