Saturday, December 29, 2018

QUE SITUAÇÃO (por Alvaro Carvalho Jr)



Bem, se existe um fundo do poço, acredito que chegamos lá. Não conseguimos encontrar a luz no fundo do túnel, mas as desgraças, essas, sem quaisquer dúvidas, parecem querer provar que a conversa de Deus ser brasileiro é balela. Vamos aos fatos: um sujeito de suposta boa formação, sem mais nem menos, entra numa Igreja e começa a fuzilar todo mundo. O resultado, cinco mortos e sete feridos, não poderia ser pior. Um Pai de Santo famoso sai da toca e é acusado de abusar sabe-se lá de quantas mulheres...a coisa está feia.

Como diz aquele derrotista, se entrar na Igreja morre, se for procurar Pai de Santo é comido e se for para Brasília, é roubado. Melhor é ficar no bar mesmo, lá, pelo menos, o risco de passar por qualquer das alternativas é bem menor. Para piorar a situação, esse bando de irresponsáveis que compõe nosso Congresso, amplia as mordomias para as montadoras, que terão descontos astronômicos em seu Imposto de Renda, uma justificativa para proteger o trabalho, salvaguardar a indústria brasileira e gerar empregos. Nada disso aconteceu anteriormente e não irá acontecer daqui para a frente. Uma vergonha.

Sinceramente, não há como explicar os novos tempos que se aproximam. Vejam o caso de Campinas, com o atirador Euler Grandulpho, 49 anos, analista de sistemas, homem com boa formação escolar, que chegou a trabalhar no Ministério Público de São Paulo, reconhecidamente “um bom colega” e que, num dia qualquer, tem um surto e começa a atirar numa Igreja. Amigos, parentes e conhecidos estranharam o fato. Como um sujeito pacato, que dificilmente saia de seu quarto, pode ter um ataque de loucura desses? E como esse mesmo sujeito consegue duas armas com seus números de série apagados para efetuar o crime? Estranho, muito estranho...

Esse tipo de arma é comum entre notórios marginais. Nós, sujeitos comuns, teríamos enormes dificuldades para encontrar um comerciante desse tipo de arma ilegal. Euler conseguiu e a própria polícia estranha, considerando que ele não tem qualquer passagem policial, sempre foi um cidadão de bem, teve bons empregos e era, reconhecidamente, um sujeito pacato. O que teria disparado o gatilho que o levou a um ato tão bárbaro? Essa resposta será difícil de responder, considerando-se que até a família está completamente desnorteada. Uma tragédia sem explicação...

João de Deus, no entanto, terá muito que explicar. Esse negócio de abusar de mulheres fragilizadas, como é o seu caso, pode render uma longa condenação de três algarismos. E não adianta seu advogado e seus seguidores jurarem de pés juntos a sua inocência. São muitas as mulheres que perderam o medo e resolveram fazer a denúncia contra o pai de Santo. Como definir um personagem que abusa de mulheres que tem como proteção pessoal apenas a fé? Elas estão lá à procura da cura e conseguem, no máximo, uma trepada. No mínimo, é nojento.

Infelizmente, o local onde o pai de Santo aprontava das suas, estava repleto de pessoas que acreditam nele, que o seguem, que o adoram e que o defendem a qualquer preço. Esse fanatismo religioso, comum em países como o nosso, são o resultado da ignorância, do desespero, da insegurança moral. São pessoas de baixa alta estima, que tentaram tratamentos com diversos médicos e que acabam apostando na fé como a grande cura. Particularmente, não acredito. Mas respeito aqueles que tem esse tipo de fé e até os admiro. Nem posso afirmar que nunca usaria essa aposta num desespero qualquer. Mas procuro ter a consciência de que a medicina tradicional ainda é o que nos resta.

Não sei o que acontecerá com o pai de Santo tarado. Espero, isso sim, que as mulheres que se sentiram abusadas apareçam para acusar esse falso mensageiro da fé. O tempo de abusar de mulheres já passou; cansou ver tantos casos impunes e ver tantos homicídios não resolvidos de mulheres que tentaram apenas, manter suas dignidades. Espero, também, que o tal pai de santo não use as mesmas alegações do outro líder messiânico que está encanado, que passou a vida inteira afirmando que nada era seu e que tudo era de amigos. Provavelmente, o pai de Santo vai afirmar que não era ele, mas o cavalo, exatamente como o enjaulado líder messiânico de Garanhuns. Aí vai ser gozado...Adios...


Álvaro Carvalho Jr. nos deixou no último dia 21 de Dezembro, vítima de um infarto fulminante. Éramos amigos há mais de 30 anos e sempre que nos encontrávamos bebíamos bem e ríamos muito. Nos vimos pouco nos últimos anos, mas falávamos semanalmente pelo telefone. A crônica acima foi escrita 3 semanas atrás e derrubada pelo próprio Alvaro, que me enviou outra alegando que esta havia envelhecido rápido e já estava datada. Mas diante dos fatos recentes, o que antes parecia  datado se tornou perene. E o que soava como uma visão ligeira de uma série de acontecimentos inter-relacionados acabou virando uma espécie de "big picture" de um fim de ano muito estranho. Que agora se encerra sem a presença sempre perspicaz e bem humorada de Alvaro Carvalho Jr, um cara que vai deixar uma saudade imensa em todos os que tiveram o prazer e o privilégio de contracenar com ele. Estranhamente, Álvaro, que quase sempre encerrava suas crônicas com um "inté", aqui encerrou com um "adios". Vai entender... (Chico Marques - Editor de Leva Um Casaquinho)

PEIDOS, ARROTOS E CUSPIDAS (por JR Fidalgo)



Tenho peidado, arrotado e cuspido demais.

Não faz parte do meu pedigree.

Ou não fazia,
até recentemente.

Claro, todos arrotam, peidam e cospem.

Uns mais, outros menos.

Alguns de maneira excessiva, mesmo em situações e lugares inadequados.

Eu, no entanto, sempre tive um relacionamento cordial e funcional com meus arrotos,  peidos e cuspidas.

Raramente peidava, arrotava ou cuspia quando percebia que essas manifestações corporais ditas inconvenientes causariam embaraço ou desaprovação por parte das pessoas que me rodeavam em determinado momento.

Lógico, houve ocasiões em que alguma dessas coisas escapou de forma inapropriada.

Mas, como disse, raro acontecer.

Quase sempre conseguia me controlar até me sentir em território seguro, principalmente no que diz respeito aos peidos.

Daí minha preocupação com o aumento da frequência dos meus arrotos,  meus peidos e minhas cuspidas.

Não que só agora tenha descoberto maior dificuldade em controlar arrotos, cuspidas e peidos inconvenientes. Isso eu já vinha sentindo faz algum tempo.

A questão é que, de repente, passei a dar peidos, arrotos e cuspidas cada vez mais espontâneos, em qualquer lugar ou situação, na frente de qualquer pessoa.

Só percebo depois que aconteceu.

E aconteceu na semana passada duas vezes  dentro de elevadores lotados.

Não sei se arrotei ou cuspi também, mas o cheiro que se espalhou rapidamente pelo ar rarefeito de elevadores lotados não deixou dúvidas sobre os peidos.

Comentei a situação com um amigo online outro dia.

A princípio foi meio difícil ele entender de que diabos eu estava falando.

Quando finalmente entendeu, disse que nunca tinha reparado se andava peidando, arrotando e cuspindo com mais frequência ultimamente.

Achava que não.

Estava mesmo é preocupado com o relacionamento esquizofrênico entre sua próstata e sua bexiga.

Lembrou também que temos a mesma idade, idade em que peidos, arrotos, próstatas, bexigas, cuspidas,  etc. costumam se tornar termos comuns nas conversas e pensamentos do dia a dia.

Concordei.

Arrotei, dei um peido e cuspi no chão



JR Fidalgo: um jornalista que tem preguiça de perguntar, um escritor que não tem saco pra escrever e um compositor que não sabe tocar. (mas que, mesmo assim, já escreveu três romances e uma quantidade considerável de canções ao longo dos últimos 45 anos)

EDUARDO CAVALCANTI SAÚDA O NOVO FILME DE LARS VON TRIER EM PRÓXIMA PARADA




Eduardo Rubi Cavalcanti
é jornalista desde a década de 80.
Trabalhou em A TRIBUNA de Santos
e em outras publicações.
É Mestre em Comunicação Social
pela Universidade Metodista de São Paulo
e leciona Jornalismo na Unisantos,
onde cursou sua graduação.
Publica domingo sim, domingo não,
em A TRIBUNA de Santos,
a página PRÓXIMA PARADA,
que reproduzimos aqui.

UM TRAGO CULTURAL DE 2018 (por Flávio Viegas Amoreira)



Comecei o ano com a descoberta dum grande filme de temática gay mas muito além dos clichês e reducionismos desse universo, “Me chame pelo seu nome”, uma delícia delicada com lindo cenário italiano e não sei o que não é lindo vindo da Itália me entorpeceu de beleza ostensiva. Sem concessão moralista solto para o deleite o desejo desabrido e a condução existencial de quem sabe o que quer nesse amor que agora diz todos seus nomes... Armie Hammer descoberto em sua formosura diáfana  em par com Timotheé Chalamet lindinho com futuro garantido no cinema internacional me levaram ler a obra de André Aciman porque um filme casado a um livro provam que se complementam e reflito que a literatura não é só feita de vanguarda, estilística, mas uma boa estória algo assim como Somerset Maugham: entretenimento ousado com bom gosto! Encerro 2018 assistindo uma fita familiar a “Me Chame”, uma produção germano-israelense parecendo saída dum conto tamanho o “timing” literário da obra: “O confeiteiro” do jovem israelense Ophir Raul Graizer que recomendo veementemente aos entendidos ou não... esse ano celebramos o centenário de Bergman com a contextualização de “O Ovo da Serpente” em tempos de Bolsonaro; revi westerns na hora do recreio da minha vida literária insana: westerns são melhor diversão para arejar o intelecto já notaram? E eles longe de serem entretenimento burro: quanta densidade em suas tramas tonitroantes. Mas afinal qual lista básica dum escritor entre os lidos nesse ano?  Termino o ano deliciado com as memórias de Ney Matogrosso e em 2019 pretendo ler segundo tomo das reminiscências de Jô Soares, mas saídos de minhas oficinas literárias e curiosidade pessoal eis 10 que me vêem a mente dentre tantos contos, novelas, romances lidos, relidos ou resgatados:
1- “City Boy”, de Edmund White - um painel gay de New York nos anos 60 aos 90
2- “Paris Ocupada”, de Dan Franck, volume três de uma bela e barata coleção da LPM
3- “Eu e Não Outra”, de Laura Folgueira e Luisa Destri, uma biografia ligeira de Hilda Hilst
4- “No Café Existencialista” de Sara Bakewell, um retrato denso de Paris existencialista
5- “Devassos no Paraíso”, de João Silvério Trevisan, obra prima da historiografia gay brasileira reeditada e ampliada
6- “Cloro”, romance do diplomata e escritor Alexandre Vidal Porto
7- “O Imoralista”, romance clássico de Andre Gide, relançado no Brasil
8- “Numa Terra Estranha”, de James Baldwin, também reeditado com esmero no Brasil
9- “Poemas”, de T.S. Eliot, relançado com tradução definitiva em português por Caetano Galindo
10-           “O Mesmo Mar”, de Amos Óz, que nos deixou no crepúsculo do ano

Li cerca de um conto por dia, portanto impossível uma lista detalhada: meus alunos em oficinas não hão de esquecer principalmente de meus favoritos: Lygia Fagundes Telles, O Henry, Guy de Maupassant, Edgar Allan Poe, Dalton Trevisan, Tchekóv, Pirandello, Oscar Wilde, Nair Lacerda, Ribeiro Couto, Mário de Andrade, Machado de Assis, Cortázar, Katherine Mansfield,  Carson MacCullers, Juan Rulfo ..... enfimmmmm

Dedico esse texto ao colega de site Álvaro Carvalho


Feliz Ano Novo o que esperamos


Poeta, contista e crítico literário,
Flávio Viegas Amoreira é das mais inventivas
vozes da Nova Literatura Brasileira
surgidas na virada do século: a ‘’Geração 00’’.
Utiliza forte experimentação formal
e inovação de conteúdos, alternando
gêneros diversos em sintaxe fragmentada.
Participante de movimentos culturais
e de fomento à leitura, é autor de livros como
Maralto (2002), A Biblioteca Submergida (2003),
Contogramas (2004) e Escorbuto, Cantos da Costa (2005).
Este é seu mais recente trabalho publicado:


A ENTIDADE PROTETORA DO REVEILLON (por Marcelo Rayel Correggiari)


Pois é, caro(a) freguês: mais um ano que chega ao fim.
Na certeza de que, em questão de dias, horas, minutos, começará a segunda temporada de 2018.
Não nos iludamos: 2019 tem tudo para ser uma repetição desse “tudo o que sempre foi”, “o mais da mesma coisa”, disco de vinil arranhado e ruim de escutar. Precisar-se-ia de muita paciência e boa vontade para acreditar que “... daqui ‘pra’ frente/tuuudo vai ser difereeente...”.
O ser humano, ultimamente, anda a se tornar um bichinho bem previsível e quase nada criativo. Chegou a hora de darmos ‘adeus’ para aquelas ‘supresas boas’, notáveis, que faziam nossas vidas ainda valerem a pena.
Uma espécie de ‘canção de despedida’ para “... os felizes acidentes”.
Cálculo fácil de fazer: como gostaríamos que aquelas pessoas que amamos, pais, mães, filhos, grandes amigos, estivessem, em questão de dias, horas, minutos, junto com a gente no “deeeeez, noooooove, ooooooito, seeeeete...”.
Muita gente amada e querida ficou pelo caminho.
Selos fechados, e somente o Senhor, ou a entidade máxima pertinente à crença do querido(a) freguês(a), é capaz para qual prato a balança penderá.
Duro! Ficamos sem essas pessoas.
Na tentativa de continuar, apesar da enorme tristeza dessas ausências, tentamos olhar o réveillon como um momento festivo na tal “... renovação da esperança...” de que nossos próprios desaparecimentos ainda demorem um pouquinho mais para acontecer.
E um fluxo monumentalmente caudaloso de saudade.
Convenhamos, réveillon pode ser uma festinha bem do cão, mesmo. São inúmeras famílias que relatam perdas de entes queridos ao longo da virada do ano em situações e acidentes bem trágicos.
Muita droga, cabeça feita, ‘chapando o coco’ com bebida e substâncias, “... ‘vamu ficá’ doidaço!”. Acidentes automobilísticos, comas, overdoses, cortes, tombos, afogamentos: a lista que resulta em perdas inestimáveis é gigantesca.
“A morte é parte da vida”... ‘Humm... OK!’. Mas há situações que não precisariam chegar onde chegam. Com alguma prudência, a diversão é garantida e todos voltam para casa.
Em termos proporcionais, claro que as fatalidades do réveillon constituem a minoria. Chato?! Triste?! Sim, mas a minoria.
É como se existisse uma ‘mão invisível’ de uma entidade protetora universal guardando mesmo aqueles(as) que se excedem (sabe-se lá o porquê) na tal ‘virada de ano’.
Dizem as más línguas que ‘cu de bêbado não tem dono’, e há uma questão “sobre-o-natural” que talvez ampare essa afirmação.
Reza certa recente lenda que no famigerado bairro do Aparecida, ditoso operador do judiciário foi alvo dessa ‘bença’ proveniente da entidade universal protetora de bebuns, réveillon e bebuns no réveillon.
Após longa ingestão de álcool com amigo de ex-profissão, o sujeito chegou em casa ‘miando’. Após extensa manobra para entrar no elevador, acertar o andar e sair do dispositivo, achou-se certo de não portar as chaves do apê.
Que engano!
Entre o desespero de entrar em casa para uma cama quentinha e sem lembrança de que as tais chaves estavam na sacolinha que carregava, sentou-se no corredor do prédio para sacar do celular. Viva o WhatsApp! Foram quatro mensagens para sua mulher, que dormia dentro do apartamento do casal. Contatos bem curtos, nada desse negócio de textão, com intervalos de quase 20 minutos entre cada um.
Um canto desesperado de “... amor, abre a porta que eu cheguei...”.
“... amor, você ‘tá’ aí dentro...?!”.
O peso da biritagem o empurrava para os braços de Morpheu. A impressão que se tinha é de ele, junto com o amigo, tinha bebido ‘... até a gravata do garçom’. No rincões do Brasil, diz-se “lambeu até a rolha”.
“... amor, abre a porta...”.
A digníssima, lá pelas três da manhã, estranhou a ausência do cônjuge. Olhou para um lado, para o outro... passou a mão no telefone e nada de uma ligaçãozinha sequer para dar o ar da graça. ‘Estranho’, pensou, diante da promessa horas antes de chegar em casa em tempo hábil.
Abriu o ‘uáifái’, e as quatro mensagens do queridíssimo pulularam na tela do telefone. Ainda com a ‘roupa-de-baixo’, abriu a porta do apê e a cena encontrada era digna de uma série dessas de CSI.
Dava para passar o giz em torno do corpo estendido no chão. “Acorda, bem...”. “Huuuummm...”. “Acorda, acorda... entra!”. “Huuuummm...”. “Acorda, filho da mãe! Não vou ficar aqui a noite toda”. “Huuuummm...”. “Olha, não vou ficar te pajeando a noite inteira. Levanto daqui a pouco ‘pra’ trabalhar, já esqueceu?!?”.
Para tentar resumir toda a ópera-bufa, o camarada entrou engatinhando em casa. Quando namorou a tendência de partir para a esquerda, a porta do quarto, ouviu da mulher:
“Na-na, na-na, na-na!!! Segue reto... segue reto! Fica aí na sala e dorme no sofá!”.
Segundo o “... o boletim de ocorrência...” fornecido pela cônjuge, só por milagre o ditoso não perdeu os pertences: o telefone jazia há meio-metro de distância do corpo cultivado no álcool, e a bolsinha com a chave dentro estava sobre o capacho da porta.
Ah, essa entidade universal protetora dos embriagados e dos réveillons!
Que essa proteção esteja com absolutamente todos e todas em mais um giro do calendário que, em breve se inicia.
Feliz segunda-temporada de 2018 a todos(as)!
Tá bom! Tá bom! Que o próximo ano seja de grandes conquistas, realizações, paz, saúde (principalmente!), prosperidade (vem ‘ni mim’, criatura!), harmonia e um montão de coisas boas para tudo e para todos(as)!
Feliz 2019!



Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 47 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É autor de Areias Lunares
(à venda na Disqueria,
Av. Conselheiro Nébias
quase esquina com o Oceano Atlântico)
e escreve semanalmente em
LEVA UM CASAQUINHO


DIÁLOGOS INTESTINOS (por Denise Marino)

(foto: Denise Marino)


Daqui a pouco o sol vai se por... E amanhã nascerá novamente, configurando esse colar monótono de dias, um após o outro. Com os anos acontece a mesma coisa e mesmo assim as pessoas criam expectativas – pensei e esperei o contra-argumento.

Porque a minha mente funciona assim, por meio do diálogo entre duas ou mais pessoas. Às vezes são três ou quatro, nem sempre educadamente; invariavelmente discordando.

Mas, na maior parte das ocasiões conseguem chegar a um acordo e a uma conclusão provisória.

E o contra-argumento veio:

– Não é verdade. Um fato ou um conjunto de fatos faz um dia ou um ano diferente do outro.

Concordei e inspirada por esse último pensamento deixei escapar para o motorista:

– Pois é, daqui a alguns dias um novo presidente vai tomar posse...

– Eu quero que ele morra! – respondeu o motorista.

A resposta me surpreendeu, pelo conteúdo e pelo tom.

Especialmente, por que, um segundo antes da pausa que engendrou as divagações sobre a monotonia da sobreposição dos dias e dos anos, o motorista e eu conversávamos, amistosamente, sobre o calor e as variadas formas de combate-lo na ausência de um ar condicionado.

Falávamos também sobre a família dele; esposa e filho de 16 anos.

O jovem senhor, com alguns fios de cabelo grisalho no cabelo e na barba, me parecia ponderado, pacífico e gentil. Até no modo de conduzir o veículo pela estrada. Que razões fariam um homem assim desejar a morte de alguém?

Creio que ele leu a interrogação no meu rosto, antes de entrar no túnel e emendou:

– Eu não gosto do Bolsonaro.

– Eu percebi – respondi sorrindo.

E acho que meu sorriso o estimulou:

– De qualquer modo ele vai morrer. A senhora vai ver: ele vai governar só dois anos e vai morrer da doença que ele tinha no intestino.

– A facada você quer dizer?

– Não! A doença que ele tinha antes. A facada só serviu para aproveitarem para tratar a doença com a cirurgia.

– Então você acha que a facada foi encenação?

– Não, foi verdade, mas foi sorte, entendeu?

– Putz! Deus me livre de uma sorte dessas – sorri novamente, e perguntei: – se ele estava doente não poderia se tratar? Por que teria que esperar a facada?

– Aaaah a senhora não sabe...em política é tudo complicado, são muitos interesses. Lembra do Tancredo Neves? Falaram que era doença, mas foi a oposição que matou ele.

Não pude ouvir o restante das teorias do motorista porque a assembleia recomeçou em minha cabeça.

– Eu não disse? Um dia atrás do outro: foi golpe, foi condenado sem provas... – ressaltou o primeiro antagonista.

– O Brasil vai virar uma Venezuela... – retrucou o segundo.

– Eu também já ouvi gente dizendo que gostaria de ver a Dilma e o Lula mortos – ponderou o terceiro.

– Não seria melhor que cada um pagasse pelos seus erros ou crimes, simplesmente? – refletiu o quarto antagonista.

E todos se calaram em assentimento.

No Brasil, as elites relegaram a política a profundezas tão ilegalmente obscuras, repletas de becos e labirintos disfarçados que, para tentar entende-la o povo se especializou em teorias da conspiração e reações passionais.

A elites sorriem satisfeitas, pois, essas ruelas tortuosas se estendem em círculos que afastam o povo, cada vez mais, do Castelo dos usurpadores onde se tramam as mamatas.

Nos quilômetros seguintes, não ouvi mais nada. Me dediquei a observar a estrada que liga com clareza dois pontos equidistantes, apesar de algumas curvas que possam existir no caminho.



Meu nome é Denise Mattos Marino, mas fui sintetizada: Denise Marino ou, simplesmente, Dê, acompanhada ou não do Marino. Sou historiadora e professora de história. Atualmente aposentada – fui mais rápida que a reforma. Mas ainda levo para os meus aposentos a curiosidade, o “só sei que nada sei” e a vontade de ensinar. Ah! Sou libriana.

Friday, December 21, 2018

EDUARDO CAVALCANTI FALA SOBRE SEXO, DROGAS E EMOÇÕES BARATAS





Eduardo Rubi Cavalcanti
é jornalista desde a década de 80.
Trabalhou em A TRIBUNA de Santos
e em outras publicações.
É Mestre em Comunicação Social
pela Universidade Metodista de São Paulo
e leciona Jornalismo na Unisantos,
onde cursou sua graduação.
Publica domingo sim, domingo não,
em A TRIBUNA de Santos,
a página PRÓXIMA PARADA,
que reproduzimos aqui.

ÓCULOS (por JR Fidalgo)


Tomara que essa merda estabilize o pânico.

Mas o que a porra do pânico tem a ver com isso?

É o estômago que está doendo.

Então eu devia estar dizendo: “Tomara que essa merda estabilize meu estômago.” E não meu pânico.

Afinal, quem quer viver com seu pânico “estabilizado”?

Se a porra do pânico está estabilizado, isso quer dizer que ele – o pânico – está lá, dentro de mim, dentro de você.

Sempre, 24 horas por dia.

Todos os dias.

Por que alguém tomaria algumas cápsulas (tomei quatro, lembro agora) para “estabilizar” o pânico, em vez de tentar livrar-se dele?

Mas bem que eu posso ter tomado, por engano, ansiolíticos para tentar controlar uma dor no estômago.

Isso tornaria a coisa meio assustadora.

Como posso estar em dúvida se tomei as quatro cápsulas para controlar a dor no estômago ou para “estabilizar” o pânico?

Talvez trocar a palavra “estômago” por “pânico” seja uma daquelas coisas que as pessoas chamam de lapso freudiano.

Você, sem raciocinar, diz o que realmente queria dizer, em vez do que tinha pensado em dizer.

A partir desse ponto, pode complicar mais um pouco, já que isso pode significar uma porrada de coisas.

É certo que seu estômago pode doer tanto que você entra em pânico, achando que vai morrer ou coisa perto disso.

É certo também que seu pânico pode deixar seu estômago em frangalhos, até mesmo te dar uma úlcera de presente.

Não sei pra você, mas pra mim esses pensamentos todos só tornaram tudo mais confuso ainda.

Melhor ir até a prateleira do armário do banheiro checar que merda de remédio eu tomei - e pra que exatamente ele serve.

Os frascos – cerca de dez, com quase a mesma cor e tamanho – estão meio misturados, por isso sempre ponho os óculos pra conseguir ler os rótulos.

Eu estava de óculos quando peguei as cápsulas e tomei?

Não lembro. Mas tenho certeza de que agora estou sem óculos e não consigo ler os rótulos dos frascos a minha frente.

Se não me engano, a bula do medicamento para o estômago dizia que era pra tomar duas cápsulas “em caso de crise aguda”.

Eu sempre tomei três ou quatro, pra “reforçar” o efeito.

Só que, se não me falha a memória, a bula do ansiolítico recomenda a mesma dosagem para a mesma situação.

Não tem jeito, preciso da droga dos óculos pra ler os rótulos.

E onde estão eles?

Dou uma geral nas superfícies dos móveis da sala. Vou até a cozinha e o quarto.

Nenhum óculos à vista.

Volto ao banheiro e de novo os rótulos ilegíveis dos frascos na prateleira.

Começo a sentir coisas estranhas no meu corpo.

Cobras começam a rastejar na minha cabeça e ratinhos de laboratório chapados começam a arranhar as paredes do meu estômago.

Agora parece que, a qualquer momento, os ratinhos vão conseguir abrir um túnel no meu estômago e subir pra minha garganta, pra comer minha língua.

O estômago dói, a garganta dói, as cobras estão cada vez mais agitadas na cabeça, minha língua está inchando.

Foda-se!

Preciso tomar alguma merda qualquer.

Seja lá o que eu tomei antes, não o fez efeito pretendido.

Estou com dor de estômago e em pânico.

Se isto não é uma crise, não sei mais o que é crise.
Olha, sinto muito por envolver você nessa história toda.

Não era minha intenção.


Mas já que você está aqui, será que podia me ajudar e encontrar os óculos?




JR Fidalgo: um jornalista que tem preguiça de perguntar, um escritor que não tem saco pra escrever e um compositor que não sabe tocar. (mas que, mesmo assim, já escreveu três romances e uma quantidade considerável de canções ao longo dos últimos 45 anos)