Sempre tive um problema em relação a Corra!. Foi difícil aceitar o Oscar de roteiro quando eu torcia para Três Anúncios Para Um Crime, mas o Oscar e o filme elevaram Jordan Peele à categoria de celebridade. A grande maioria dos críticos se curvou ao filme, viu uma forte e elaborada metáfora ao racismo, enquanto eu só consegui ver um filme divertido com uma pegada forte de filme B. Agora veio Nós, que teve um trailer instigante, e eu fui assistir tentando compensar a má vontade que tive com o filme anterior.
O filme começa
com uma garotinha que se perde dos pais num parque de diversões e vai parar num
labirinto de espelhos – daqueles típicos de parques de diversões toscos – e
então acaba encontrando com uma cópia de si mesma, numa cena deliciosa, que
antevê o clima de tensão do filme.
Depois disso
avançamos no tempo e reencontramos Adelaide, a garotinha já crescida – Lupita
Nyong’o, num grande papel –, voltando para o mesmo lugar, agora com a família,
marido e dois filhos, para a casa que foi de sua Vó.
Adelaide precisará
encarar os seus traumas e voltar à praia e ao parque de diversões de anos
atrás, mas o isso só serve pra manter o clima de tensão, nada de especial
acontece, o problema começa quando eles voltam pra casa e uma família similar à
deles aparece na frente da casa. Aí começa a tensão, já prevista no trailer. A
família não é similar, são exatamente iguais a eles, exceto por um modo mais
bruto de se comportar. Há uma necessidade de vingança, nunca deixada bem clara
mas, vocês se deram bem e nós nos demos mal, isso já é um bom motivo pra
conflito.
Esse conflito
consigo mesmo é o que mantém a primeira metade do filme, a tensão de como
escapar de si mesmo e a dúvida de como aquelas pessoas foram parar ali sustenta
essa metade, o que não é pouco.
Aí, pra mim, vem
a grande diferença entre Corra! e Nós. Em Corra!, depois
da metade, o filme se torna escancaradamente uma homenagem aos filmes de terror
B, algo que eu não consegui comprar totalmente e me fez sair do cinema um tanto
incomodando. Em Nós não existe a necessidade exagerada de explicar, as
coisas acontecem e a tensão está lá. Foi algo muito mais fácil de comprar do
que no filme anterior.
O clima de tensão
constante e muito bem construído me remeteu a filmes de Hitchcock,
especialmente Os Pássaros. Quando o filme chega à luz do dia, as coisas
passam a ser mais explicitas e os conflitos passam a ter de ser resolvidos na
base da porrada, claro que Hitchcock nunca chegaria a isso, mas estamos falando
com uma plateia complemente diferente daquela com que ele falava, é preciso
algo diferente.
Assim como Corra!,
é possível enxergar uma série de metáforas em Nós, se o filme anterior
tratava explicitamente de racismo, Nós pode tratar de vários outros temas. É
possível enxergar facilmente uma crítica à desigualdade e uma valorização da
liderança – alguém pode levar a massa a algo muito maior do que ela consegue
entender. Além disso há uma boa e divertida referência à cultura pop, criando
situações divertidas no meio de toda a tensão.
Ao final de tudo
isso, Peele consegue entregar um final engenhoso – algo muito raro em filmes de
terror – que consegue nos deixar incomodados.
Jordan Peele é um
daqueles amantes do cinema que tem referencias no passado, mas que estão
dispostos a fazer cinema para as novas gerações e, levando em conta o resultado
dos seus últimos filmes, é algo muito maior do que a maioria tem feito. Espero
que isso continue na nova versão de Além da Imaginação que ele está
preparando para estrear esse ano.
NÓS
(Us 2019)
Diretor
Jordan Peele
Escritor
Jordan Peele
Elenco
Lupita Nyongo'o
Winston Duke
Elisabeth Moss
Winston Duke
Elisabeth Moss
Duração
1h 56m
Fábio Campos convive com filmes e música
desde que nasceu, 52 anos atrás.
Seus textos sobre cinema passam ao largo
do vício da objetividade que norteia
a imensa maioria dos resenhistas.
Fábio é colaborador contumaz
de LEVA UM CASAQUINHO.
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