Ele tropeçou várias vezes
antes de conseguir subir no pequeno palco improvisado e, enfim, segurar o
microfone, que alguém próximo pacientemente tentava lhe entregar há algum
tempo. Ficou alguns instantes mudo, olhando fixamente a plateia. Então começou:
“Merda, só
merda. Então não adianta essa história de que as respostas estão aqui dentro.
Tentei, parei, fiquei em silêncio, senti o coração bater, etc., etc., etc., mas
só achei merda. Merda, merda e mais merda.
“Tudo bem,
talvez até exista alguma coisa interessante escondida em algum lugar, mas deve
estar soterrada debaixo das toneladas de merda que eu engoli durante toda a
vida – ou que alguém me enfiou goela abaixo, não importa. A questão é que aqui
só tem merda. Portanto, essa busca da qual vivem falando vai dar em nada, isto
é, no meu caso, vai dar em merda.
“Nem a
comida que ingeri, há pouco, no jantar, escapa ao ciclo. No momento ela está
sendo processada pelo meu estômago e meus intestinos e, em breve, será
devolvida ao exterior. Em forma de que? De merda, é lógico.
“Sim,
porque é um ciclo, eu disse que é um ciclo. Como só há merda aqui dentro, eu,
em todas as ocasiões e situações, sempre e só compartilho minha merda interior
com o exterior. E, quando eu não engulo merda, como no caso da comida que eu
ingeri há pouco, dou um jeito de também transformá-la em merda e lançá-la no
mundo exterior.
“É claro
que esse processo – de não engolir merda, mas expelir merda – não se refere
exclusivamente a comida, muito pelo contrário. É um processo bem amplo.
“Aí vocês
vão dizer: ah, mas esse tipo de coisa acontece com todo o ser humano. Só que
isso, definitivamente, não me interessa, mesmo que possa até ser verdade. A
questão é que estou falando da minha merda, a única merda que me interessa. A
merda alheia é problema dos outros, de vocês, sei lá.
“O ponto é
que me mandaram procurar aqui dentro. Daí eu fui lá, quer dizer, vim aqui, e só
encontrei merda…merda, merda e mais merda. Então estou aqui, cheio de merda pra
compartilhar com meus semelhantes, com todos vocês. Amém!”
Jogou o microfone longe,
desceu do palco, tropeçou várias vezes de novo e deu o fora. Pela porta dos
fundos.
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