Em várias modalidades de comércio elas aparecem. Estou falando das dificuldades de negociar com o respeitável público, os clientes.
Seja sobre o shampoo pro tipo de cabelo ou o calçado certo para desafogar aquele joanete de estimação, a arte do atendimento é artigo raro... e dá-lhe sugestões!
Mas como não vivo dentro de uma farmácia (apesar de achar alguns autores verdadeiros remédios salvadores) ou de uma loja de calçados, vou falar, claro, da livraria que sou assíduo.
Um dos papos tensos que volta e meia acontecem é o das coleções que ficam sem continuação, no limbo, à espera eterna para entrar na gráfica. Quero já me adiantar em dizer que neste caso o cliente tem razão, afinal que mal há em querer ler a sequência da série que o conquistou?
Algumas coleções demoram mas se completam, outras estão no forno (brando, brando) eternamente (pelo menos até estas mal traçadas).
Há uns sete anos, por volta de 2004, fizemos um evento com a presença do tradutor do Livro das Mil e Uma Noites (Globo), Mamede Mustafá Jarouche. A conversa foi inesquecível. Falamos das viagens em busca dos rastros ancestrais dos manuscritos, em Londres e outros destinos. O ramo sírio e o ramo egípcio, o resgate do sabor original dos textos, traduzidos pela primeira vez direto do árabe. O mistério, a violência e o erotismo como nunca percebemos, já que todas as traduções anteriores passavam por um filtro moral da sociedade francesa e, em outras edições, da inglesa, deixavam o texto com tintas menos vivas, mais conservador.
Pois então, a monumental coleção conta com cinco volumes, dos quais três foram efetivamente lançados.
Lembro também da série Finnegans Wake (Ateliê), de James Joyce. Esta saiu de um jeito lento porque a difícil tradução era também a grande vedete da coleção (com Donaldo Schuler e Haroldo de Campos). Outra agonia foi a série Os Bórgia, do Milo Manara, que se arrastou por uns cinco anos.
Sei que em alguns casos o autor produz em tempo real. Daí dependemos do tempo dele. Em outros, é o caixa da editora, e não o compromisso com seus leitores, o que atrasa o cronograma de publicação.
Mas aqui no balcão não é fácil. Chegará o dia em que o livreiro saberá destes cronogramas? Espero que sim. Não com certeza, mas com mais transparência, afinal os leitores cobram. Ô se cobram!
P.S. Esta crônica é em homenagem a três pacientes-clientes da Realejo. Marco Césare, que adquiriu Os Bórgias, o Brimo (assim que o chamo) que espera até hoje o desfecho do Livro das Mil e Uma Noites, e o Condesmar, que heroicamente comprou (e leu!) os sete livros que compõem a coleção Finnegans Wake.
José Luiz Tahan, 41, é livreiro e editor.
Dono da Realejo Livros e Edições em Santos, SP,
gosta de ser chamado de "livreiro",
pois acha mais específico do que
"empresário" ou "comerciante",
ainda mais porque gosta de pensar o livro
ao mesmo tempo como obra de arte e produto.
Nas horas vagas, transforma-se
no blues-shouter Big Joe Tahan.
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