Tuesday, June 2, 2015

LUA CHEIA PEDE UM LIVRO DENSO E POLÊMICO. LEIA "SUBMISSÃO" DE MICHEL HOUELLEBECQ



Estava evitando ler "Submissão", último romance de Michel Houellebecq (Alfaguara), por vários motivos. O principal deles era, justamente, o motivo mórbido que me levou a comprá-lo: a tragédia do Charlie Hebdo. Houellebecq é o autor francês mais festejado pelo time de cartunistas do jornal. O lançamento de "Submissão" aconteceu justamente no mesmo dia do massacre à redação do Hebdo.

Confesso que não conheço a obra de Michel Houellebecq. Dele, li apenas "Partículas Elementares", que ganhei de presente de um amigo 15 anos atrás, e que me surpreendeu muito na ocasião pela forma absolutamente original com que são narradas as situações escancaradamente pornográficas vividas pelo irmão do protagonista. 

Não sou crítico literário, sou apenas um leitor curioso e atento, com um certo conhecimento de causa, já que estudei Literatura na Universidade. Li literatura erótica a minha vida inteira, e fiquei impressionando com a abordagem original que Houellebecq usou para mergulhar neste universo. Mas confesso que me esqueci de acompanhar seus romances publicados a seguir. Até agora.


"Submissão" é fascinante. Não tem absolutamente nada a ver com "Partículas Elementares", a não ser mostrar mais uma vez que o pós-moderno está morto e prestes a ser enterrado pelos Novos Bárbaros que chegam ao Poder. 

O narrador chama-se François. É um quarentão  misantropo que leciona na Sorbonne e vislumbra seu próprio ocaso intelectual. Assim como Joris-Karl Huysmans -- o escritor francês do século XIX em cuja obra se especializou -- François olha com pessimismo para a sociedade que o rodeia, sentindo-se perdido no vazio emocional aparentemente sem sentido em que se tornou a sua vida. 


Enquanto contempla o suicídio como consequência lógica da lenta degradação de tudo que o cerca -- sentimento agravado pela morte dos seus pais e pela partida para Israel da aluna com quem mantinha uma relação amorosa --, François acompanha as eleições presidenciais francesas de 2022. Depois de um primeiro turno em que a Frente Nacional de Marine Le Pen vence com um terço dos votos, seguida pela Fraternidade Muçulmana e pelo Partido Socialista, fica claro que alguém terá de conseguir unir a França na defesa dos valores da República. E esse alguém só poderá ser Mohammed Ben Abbes, da Fraternidade Muçulmana, que, aproveitando as hesitações e os passos em falso de François Hollande, se afirma como o líder carismático que a França necessita para derrotar a ameaça da direita radical. E então, no segundo turno presidencial, o eleitorado moderado francês tem que optar entre apoiar Ben Abbes como líder de uma coligação de esquerda, com as implicações que isso poderá acarretar para alguns dos ideais das modernas democracias ocidentais, ou arriscar a vitória da xenofobia e da intolerância personificadas pela Frente Nacional de Le Pen.



Político brilhante e habilidoso na arte de gerar consensos, Ben Abbes, que nutre a ambição de conseguir emular o antigo Império Romano e estabelecer uma “Grande Europa” sustentada nos pilares do Islam, vence as eleições, e consegue nos primeiros meses concretizar objetivos como a redução do crime em zonas consideradas problemáticas. O desemprego deixa de ser um problema, já que as mulheres ficam proibidas de exercer qualquer tipo de atividade profissional. O uso do véu pelas mulheres passa a ser obrigatório, todos os professores que desejem continuar na ativa são obrigados a se converter ao Islam. Já os programas escolares são adaptados aos valores muçulmanos, e passam a ser obrigatórios apenas para crianças até 12 anos de idade.



Houellebecq é um provocador notável. Seu niilismo é cínico e devastador. A maneira como ele mostra a conversão de François ao Islam, sem grandes questionamentos ou sobressaltos, é um assombro. François adere à nova ordem não por motivos religiosos ou ideológicos, mas por seu salário de professor que é multiplicado por três. Além disso, a possibilidade de ter várias mulheres numa sociedade poligâmica o fascina. Convenhamos: perto de argumentos como esses, temas que costumavam ser contundentes, como o dilema colaboracionista francês da Segunda Guerra Mundial, se perdem por completo na poeira da História do Humanismo... 


"Submissão" não defende o Islam, nem defende a Civilização Ocidental. Mostra cinicamente o que todos estamos cansados de saber, mas evitamos falar abertamente: a falência derradeira da Esquerda de 1968, que se perdeu por completo quando chegou ao Poder em qualquer canto da Europa, deu lugar a uma "vista grossa" para um processo de "caretização" da Sociedade, que veio a reboque tanto pela onda politicamente correta deflagrada pelas Esquerdas quanto pela defesa de valores tradicionais deflagrada por setores de Direita. E é justamente nesse vácuo ideológico que o Islam ganha força e se instala confortavelmente no berço da Civilização Européia.

“Submissão”, cujo nome deriva também do significado da expressão árabe “al-Islam” (submissão voluntária à vontade de Deus), é uma sátira à decadência do Ocidente e aos valores a ele associados. Um Ocidente que, segundo Houellebecq, está morrendo diante de nossos próprios olhos. Assusta pela contundência, pela proximidade com a realidade atual, pelo conformismo que leva, dia após dia, a Civilização Ocidental a abrir mão de seus valores mais preciosos, sem contestar coisa alguma em momento algum. 

"Submissão" é leitura obrigatória para todos os que ainda não se conformam com os rumos do mundo nos dias de hoje. Com certeza será o livro mais desagradável que você vai ler esse ano. Mas não deixe de ler só por causa disso.


SUBMISSÃO
(Soumission, 2015)
um romance de
Michel Houellebecq
tradução de
 Rosa Freire D'Aguiar
256 páginas
Editora Alfaguara
Preço: R$39,90




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