Friday, October 26, 2018

MEDUSA NA AUGUSTA (por Flávio Viegas Amoreira)


Descubro um grande poeta brasileiro por semana, quando dou sorte um imenso.

Nesse inverno morno fui a um lançamento que era mais que necessário: no já mítico Cemitério de Automóveis ali onde a não menos Frei Caneca se entrega a Rua Augusta num eixo gozozo ímpar. A autora é antologia pura do fascínio de Sampa: Rita Medusa, górgona assustadora ao imbecis desavisados da sôfrega literatura brasileira. Nós felizardos acostumados com sua verve e poemas lançados em facebook agora podemos apontar de livro em punho: eis uma puta poeta que se dá ao mundo altura dos melhores de sua geração e já nascida gênio.



Chega de adjetivos!  Conheci-a faz década ali entre o Satyros e o Clube Noir brilhante exalando poesia maldita entre intermináveis baforadas: personagem de Jarry, Artaud, Breton na melhor tradição de Roberto Piva e Claudio Willer: uma destacada nesse mar de tibiezas e lugares comuns da poesia anêmica e “fofa”. Porque a noite é sábia e louca a poesia lhe faz morada.

Ali uma edição despojada, no osso da qualidade, sem firulas: “Hipnose para um incêndio” é conteúdo para citações, epígrafes, mestrado, doutorado, cabeceira: o caralho a quatro que reunião fodida da melhor poética que li em anos de farejo e cansaço...



Rita sem ser hiperbólico tem a pungência de Orides Fontela mesmo com outro estilo, da sanha narrativa de Maura Lopes Cançado e da esquecida Eugênia Sereno, sem falar em Hilda que agora foi engolida pela companhias das índias do mercado. Sem concessão, poemas que deveriam ser lidos em 2118 depois de rastrearmos a nanotecnologia do senso incomum, petardos duma imagética sem igual, sem igual mesmo de tudo que tenha lido desde que assisti qualquer filme de David Lynch.

Rita Medusa precisa ser lida, encomendem seu livro, a Editora Córrego marcou gol cósmico ao exigir sua divulgação!  Transponho aqui alguns pontos altos desse opus rascante visceral que vim lendo da Estação Consolação até o porto de Santos para não mais largar e ser seu maior propagandista!
Mede a altura do tombo
pra calcular o tempo que restará
pra contar quantas magnólias
foram detidas nos dentes
e altere os ângulos quando o mundo
devora a trama
que não mais sustenta
teu esqueleto suspenso nas alturas"
[ Anjo disfarçado de leão ]
"Faça a matemática
Das coisas inexatas
Mas deixa a conta paga
Na porta paradisíaca”
 [ Medicação ]
“eu procurava alguém para me desmanchar com a língua
ou olhos sem culpa ou vaidade
queria nascer em outro tom
só um café gelado e um corpo de nuvem
fogo fátuo em marionetes
sou perigosa para teus nervos?
batuque a comunhão em minhas focinheiras
e enfoque minhas bonecas loucas”
 [ Alegoria ]
“Pelas órbitas incuráveis
Manchar de vinho a película
esquecendo o anjo da banheira
e esperanças revoltas na sacada”
[ Atividade secreta dos ossos ]



Isso um pouco dessa estréia que não é estréia.  Rita Medusa nasceu poeta e ruminava para aos 38 anos se fazer permanentemente presente na cena. Fanopéia pura, vislumbres cataclismáticos, ode ao porvir, vibro ao descobrir essa persistência que se anuncia!

“Hipnose para um incêndio” é livro de poesia da década, aguardo outros que se coloquem mesmo patamar.

“tocando gaita
pra enxergar melhor as nuvens”
“benditos aqueles que a selvageria nina”

Poesia indomável a Perseu....


Poeta, contista e crítico literário,
Flávio Viegas Amoreira é das mais inventivas
vozes da Nova Literatura Brasileira
surgidas na virada do século: a ‘’Geração 00’’.
Utiliza forte experimentação formal
e inovação de conteúdos, alternando
gêneros diversos em sintaxe fragmentada.
Participante de movimentos culturais
e de fomento à leitura, é autor de livros como
Maralto (2002), A Biblioteca Submergida (2003),
Contogramas (2004) e Escorbuto, Cantos da Costa (2005).
Este é seu mais recente trabalho publicado:






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