Friday, January 25, 2019

JENIFER, MON AMOUR (por Marcelo Rayel Correggiari)




O verão... ah, o verão!
Com suas musas de biquíni, “aquela gelada”, caipora de pinga, vodka, saquê...
... um calor desumano e todo mundo indo para a praia...
... caixas de som ‘no talo’ com bastante funk-putaria-ginecológico...
... dentadura, conversor de canal a cabo, brinquedo, pedaços de caibro, coco, tudo ao longo da praia...
... dança do acasalamento, bastante rebolado, essas coisas...
... e depois chamam esse pobre merceeiro de chato, de que só gosta de “ir à praia” nas meias-estações. Mas... parafraseando o lendário personagem Caco Antibes, “... é, ou não é, a visão do inferno?!?”.
24/7.
Ah, o verão!
E tem o “hit” do carnaval (pelo jeito!) que não mais seria a boa e velha marchinha (José Roberto Kelly & Cia Ltda.) com letras bem sacadas e que levantam a multidão.
No Brasil ‘mudérrnu’, saiu do samba e foi parar numa estilo que ora é reggaeton, e ora é um troço perto do indescritível.
Anotem, aí: é Jennifer, o nome da ‘sujeita’.
“... não é minha namorada/mas poderia seeeeeeer...”.
‘Forçação’ de barra linguísta-poética: rimar “Jennifer” com “Tinder”. Tudo bem: se Chico Buarque pôde rimar “futebol” com “rock and roll”, ... ‘tá’ em casa.
Reputam ao filósofo canadense (Herbert) Marshall McLuham (Edmonton, 21 de julho de 1911 - Toronto, 31 de dezembro de 1980) a batida frase “o meio é a mensagem”. Tão profunda tal constatação que sequer esse inepto merceeiro seria capaz de trocá-la em miúdos. Deixemo-la a quem consiga.
Coração do existencialismo (faaaala, Sartre! Aquele abraço!): “mas que caralhos isso significa?!?”.
Bom... deixa para lá.
Talvez (e bem ‘talvez’!) seja também de sua autoria as teorias de ‘mensagem quente’ e ‘mensagem fria’. Não fazemos muita ideia se é ou não: afinal, isso aqui ainda é um ‘secos-e-molhados’ à beira do mar.
A quantidade de aparato e bagagem cultural-cognitiva para se destrinchar a nona de Beethoven é bem, mas bem maior da utilizada na rebolação de “Jennifer”. Você não precisa gastar ‘fé & tutano’ para uma letra como essa, algo razoavelmente diferente para “Never Let me Down”, do Depeche Mode.
Quase nenhuma metáfora & metonímia no caminho, três ou quatro acordes ‘planos’ (esqueçam inverter a quinta ou a sétima), refrão ‘sensual’, desinibidor e ‘sugestivo’: dança do acasalamento, como se diz em Minas, “na tora”! Eis o segredo da elaboração da tal “mensagem fria”.
Sim! Porque ninguém é doido de, num bloco de carnaval pelas ruas da cidade de vossa preferência, substituir “A Banda” por “Construção”: tudo tem seu tempo e hora.
O problema é que “A Banda” também é mensagem fria: ninguém precisa de altíssima intelectualidade para entendê-la. Só que essa é bem diferente da moça de 2019, possui melhor métrica, elaboração de rimas internas e externas...
... mas, afinal: o que foi que fizemos de errado para a coisa chegar no ponto onde chegou?!
Esse merceeiro costuma jogar a responsabilidade no sistema escolar, esquecendo-se de que, muitas vezes, o sistema escolar é apenas reflexo do que rola na rua.
As gerações que, mesmo a contragosto, eram obrigadas a estudar poesia em sala-de-aula desenvolveram certa ‘sensibilidade’ a um prazer estético de versos bem feitos ainda visto nas atuais marchinhas de carnaval.

Pular para “Jennifer” sem passar pelas marchinhas está além de um sistema escolar falido: também incluiria mídia-de-massa e redes sociais no deletério ‘servicinho’ de solapar quaisquer inclinações para gostos um pouco mais edificantes.
No mais, é ligar o celular para fazer ‘live’ de baladas: mostrar o próprio rosto ao invés do ambiente (ou o artista em questão), cantar junto como se não houvesse amanhã, sem se ater a qualquer melhor labor artístico & estético que até mesmo as mensagens frias podem carregar (e/ou conduzir).
Tristes tempos...
Aí, fica o lance de se ‘sentir deslocado(a)’: não se trata de uma questão ‘moralista’ como muitos costumam acusar. É difícil, para qualquer um, ver muita gente boa cair na emboscada da “autoafirmação” por intermédio de recursos que roubam dela a sensibilidade à percepção.
É ‘osso duro de roer’ ver gente boa não prestar atenção na singeleza que uma mensagem fria também pode trazer. Mensagem fria não significa mensagem ‘desenriquecida’.
Como “Jennifer” é produtor da indústria, e a indústria quer fazer dinheiro, compreende-se. Contudo, se esse inominável merceeiro tivesse o nome de Jennifer, estaria, nesse exato momento, dentro de um cartório pleiteando uma mudança de nome.

Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 47 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É autor de Areias Lunares
(à venda na Disqueria,
Av. Conselheiro Nébias
quase esquina com o Oceano Atlântico)
e escreve semanalmente em
LEVA UM CASAQUINHO


1 comment:

  1. Sensacional meu amigo! Estou eu dentro do busão fercendo, mas feliz , rindo disso..kkkkkkkkk abraços nessa família que tanto admiro!!

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