Tuesday, September 20, 2016

2 OPINIÕES SOBRE "AMOR ETERNO", O NOVO FILME DE GIUSEPPE TORNATORE


LEMBRANÇAS DE UM AMOR ETERNO
por Leonardo Ribeiro
para PAPO DE CINEMA


A ciência diz que ao olharmos para as estrelas, estamos contemplando o passado. Isso se deve ao fato de que a luz emitida por elas leva um longo tempo atravessando o espaço até se tornar visível para nós e, portanto, há uma grande probabilidade de que aquilo que vemos já não exista mais em sua forma original ou até tenha desaparecido completamente. É a partir deste conceito já bastante difundido que o italiano Giuseppe Tornatore constrói a analogia principal que fundamenta seu novo trabalho, Lembranças de um Amor Eterno. Principal, mas não única, já que logo na cena de abertura, o cineasta abusa das metáforas sobre astronomia presentes nas declarações apaixonadas do casal Edward Phoerum (Jeremy Irons), renomado professor de astrofísica, e Amy Ryan (Olga Kurylenko), sua ex-aluna e amante.

O encontro entre os dois, que acontece num quarto de hotel, vem também carregado de uma intensidade corporal que Tornatore faz questão de registrar de modo íntimo. Os toques, os abraços e os beijos são valorizados pelos planos, já que, como descobriremos logo depois, esta será a última vez os veremos juntos fisicamente. Após se despedirem, ambos voltam para suas rotinas – Edward para suas pesquisas e sua família e Amy pra suas aulas e seu trabalho como dublê cinematográfica – mantendo contato apenas virtualmente (Skype, e-mails e mensagens de texto). Tudo corre normalmente, até que um dia a morte do astrofísico é anunciada, o que atormenta a garota não só pela tragédia em si, mas também pelo fato de continuar recebendo mensagens e presentes de seu amado.

Este início aponta para a possibilidade do suspense, terreno já explorado por Tornatore anteriormente, como em O Melhor Lance (2013) ou no excepcional Uma Simples Formalidade (1994). Esta sugestão, porém, se mostra apenas um blefe não sustentado pelo diretor, que rapidamente oferece a reposta para seu enigma. O que lhe interessa, de fato, é a exploração dos dramas que envolvem o casal, como o da aceitação da perda. O grande problema desta proposta de Lembranças de um Amor Eterno é que, assim como ocorre entre os protagonistas, há um grande distanciamento entre o público e os conflitos apresentados. Algo que se mostra fruto da aura artificial que envolve o longa, começando pelos diálogos, repletos das já citadas analogias, que não fluem naturalmente e raramente soam verdadeiros.

Esta artificialidade por vezes aparenta ser intencional, especialmente no exagero das cenas protagonizadas por Amy na função de dublê, como se Tornatore pretendesse brincar com o poder de ilusão do cinema. Acontece que o filme nunca se assume plenamente como fantasia; ao contrário, a narrativa é dominada por um tom excessivamente sério e trágico que não permite a fuga da realidade. Isto faz com que a implausibilidade das situações – particularmente o elaborado esquema de comunicação criado por Edward, essencial para a trama – seja extremamente difícil de ser aceita, pois não basta que o apelido do professor seja “wizard” (mago) para validar o absurdo timing do personagem em relação às encomendas enviadas para Amy.

A direção de Tornatore exibe a elegância e a qualidade técnica esperada, vide as belas sequências passadas no interior da Itália. Contudo, este registro esbarra na solenidade, inibindo uma conexão mais acentuada com o espectador que nem mesmo a bela trilha sonora do mestre Ennio Morricone é capaz de estabelecer. A falta de aprofundamento na construção psicológica dos personagens principais durante a primeira metade da projeção também contribui para essa sensação de indiferença, já que a história depende basicamente da interação entre Ed e Amy, sendo que quase todas as figuras que os cercam pouco acrescentam (o advogado, os amigos de trabalho dela). Há ainda a filha de Ed, cujo pouco tempo em cena é marcado por atitudes bastante improváveis, servindo, tal qual os outros, apenas como mera engrenagem para que o plano criado pelo pai funcione.

No ato final, Tornatore tenta dar mais peso à essência dos protagonistas, sobretudo Amy, que até então se limitava ao amor por Ed. Infelizmente, o cineasta se vale de saídas simplistas, como a questionável decisão de expor diretamente o estado emocional e o passado da garota através dos vídeos gravados por ela, ou a revelação de seus traumas e do relacionamento conturbado com a mãe, que parecem existir somente para desencadear uma transformação final – simbolizada na cena da exibição da escultura à qual Amy serviu de modelo. Olga Kurylenko demonstra empenho no papel, fazendo o possível com o que lhe é oferecido. Já Jeremy Irons repete um tipo recorrente nos último anos de sua carreira, ancorado quase exclusivamente na capacidade de transmitir uma imagem respeitável e distinta. Ambos ficam à mercê das divagações metafísicas do roteiro, quase sempre envoltas em certa ingenuidade, como o conteúdo da tese de graduação da garota. Existem algumas reflexões interessantes – sobre o egoísmo inerente aos relacionamentos – mas o impacto individual destas não é capaz de elevar a força do conjunto. Fica claro que Tornatore realmente acredita no teor deste discurso, contudo, fica também a sensação de que o cineasta vaga solitário na imensidão do espaço agarrado à sua crença.



TORNATORE, O AMOR E A ERA DIGITAL
por Juca Claudino
para CCine 10

O que vem à nossa cabeça quando pensamos sobre Giuseppe Tornatore? Certamente vislumbraremos o cinema de gênero pelo qual se consagrou: dramas sentimentalistas, românticos, encantadores e sutis. Seu filme mais bem recebido foi, certamente, seu filme de estreia: “Cinema Paradiso” (1989), um nostálgico conto com abordagem bem platônica – sobre o amor e sobre o desconcerto do mundo, dentre outros assuntos que circundam essas temáticas – mas, sobretudo, uma homenagem ao cinema e à cinefilia tão quanto idealizada. De lá para cá, lançou diversos longas como “A Lenda do Pianista do Mar”, “Malena”, “Baarìa” e “O Melhor Lance”. Mas é curioso como, ao compararmos os filmes dos 80 com os seus últimos a serem lançados, veremos uma composição mais gótica, uma encenação mais sombria e uma atmosfera mais trágica. Como se tivesse Tornatore migrado do estilo à Frank Capra para o estilo à F. W. Murnau.

Em “Amor Eterno” – e a carga sugestivamente byroniana do título, porém menos contundente que o original “Correspondence” (ou “Correspondência”, em inglês), já fala muito do filme por si só – faz uma obra mais carregada do que a maioria de seus longas: os tons azulados e frios, a atmosfera melancólica, os planos expressivamente dolentes (com alguns enquadramentos marcantes, contemplativas e carregados) dão o tom trágico do filme. A sinopse não poderia ser mais romântica: Amy Ryan (Olga Kurylenko) e seu professor universitário trinta anos mais velho Ed Phoerum (Jeremy Irons, já no seu terceiro filme desse ano) estão fortemente apaixonados até que, após partir a uma viagem, Ed Phoerum falece e eis que o restante do filme será a idealização do sofrimento amoroso de Amy. Todavia, existe um grande toque de originalidade por trás do roteiro: Phoerum é um mestre em utilizar as novas tecnologias de comunicação (como as redes sociais, o Skype, gravações de vídeo, e-mail e toda essa frenesi da terceira revolução industrial) e, mesmo após a morte, deixa gravadas uma série de mensagens a Amy que lhe seriam enviadas sucessivamente. Durante o aniversário de “namoro” dos dois, Amy recebe uma surpresa em vídeo de Phoerum, assim como no aniversário do professor, e, logo, diariamente a personagem de Olga recebe uma surpresa nova do amante (que já se foi) – o que inclui até mesmo presentes e etc. Mas como teria ele feito isso? Quem está por trás dessa organização toda?

Há muitas coisas de interessante nessa ideia de Tornatore, que também assina o roteiro. A primeira é quanto ao entretenimento do filme (e “Amor Eterno” é folhetinesco o suficiente para querer nos entreter), uma vez que quando nos coloca nessa perspectiva de Amy, nos coloca também em uma sucessão de catarses e surpresas que nos cativam a primeiro momento (falo da primeira metade do filme), além de gerar certo objeto de suspense. O segundo, e mais interessante, é essa forma até mesmo singular do diretor italiano enxergar o amor na contemporaneidade digital. Não é, digamos, a mesma visão de “modernidade líquida” (na qual as relações mostram-se menos sólidas e mais superficiais) que é compartilhada por películas como a estadunidense “Ela” (Spike Jonze, 2013) ou a argentina “Medianeras” (Gustavo Taretto, 2010); mas sim um novo meio de relacionamentos aonde o amor agora é capaz de quebrar as distâncias físicas não só em um sentido geográfico mas como também em um sentido existencial: Irons faz as vezes de Patrick Swayze usando o gravador de vídeos do seu notebook. Mas perceba que eu usei o termo “singular” e não “otimista”, pois Tornatore não apenas vê aspectos positivos nessa intromissão da tecnologia na vida íntima e emocional: a medida em que Amy se entrega aos vídeos, e-mais e mensagens de seu (falecido) amante, isso torna-se uma espécie de alienação aos sofrimentos e dilemas que correm no seu dia a dia, seja na relação familiar, na vida acadêmica ou ainda na situação econômica. Um ponto então dúbio, mas muito original, colocado pelo diretor de “Amor Eterno”.

Mas podemos notar, a partir do parágrafo anterior, que é Amy o grande foco do filme e a dimensão sensível da personagem – ou seja, seus medos, duas dores, suas paixões, suas epifanias – que conduzirá toda a delicadeza e toda a sutileza de “Amor Eterno”. E, para tanto, é lógico que a atuação de Olga Kurylenko foi fundamental para qualquer aspecto elogioso do longa, estando muito expressiva nesse, demonstrando paixão quanto às emoções particulares de seu papel. E Jeremy Irons? Bom, este vai muito bem, colocando uma extravagância nos gestos do professor que interpreta, dando o ar exótico típico do “cientista” na sua imagem mais estereotipada. Mas isso significa que ambos, como casal, geram empatia? Bom, quanto a isso há discordâncias bem grandes, mas fato é que como casal Kurylenko e Irons mostram-se pouco entrosados. E muito disso se deve a uma construção bem criticável do roteiro, que após as primeiras catarses (as quais, como disse, cativam a primeiro momento) torna a relação entre os protagonistas abusiva por parte da figura masculina, enquanto Amy cada vez mais ganha uma caracterização de submissão. Parece bizarro dizer isso estando Phoerum falecido, porém mesmo assim o tom com o qual o cientista fala em seus vídeos e mensagens à Amy após a metade do filme torna-se algo um tanto autoritário ou, ao menos, possessivo – enquanto a personagem de Kurylenko definitivamente gira a Europa revisitando os lugares prediletos do amante à pedido dele. Em algumas cenas a impressão que se passa é que Phoerum fez o que fez não para demonstrar afeto e admiração por Amy, mas sim para continuar influenciando as decisões da menina. E esta o obedece não porque sente sua falta, mas sim porque se sente compelida ou obrigada a tanto. Fatos que comprometem não só a idealização ultrarromântica de “Amor Eterno” como também, e sobretudo, não podem ser concebidos em um mundo tão brutalmente machista como o qual vivemos (ou o fato de, por exemplo, a cada 11 minutos uma mulher ser violentada no Brasil enquanto atrizes são objetificadas nos meios de comunicação de massa não é prova disso?).

Além do mais, devo dizer que também na segunda metade do filme essa troca de mensagens incessante chega a um ponto no qual não há mais surpresa ou imprevisibilidade, mas certa monotonia na repetição do ato (fato que só é revertido após uma reviravolta na trama). Logo, se a primeiro momento o filme consegue nos gerar catarses seguidas e certo suspense, essa tendência não se mostra tão constante no decorrer do longa, que ora passará por cenas de tom meloso pouco convincentes data a artificialidade dos diálogos e das sensações, ora soará repetitiva, mas ora recupera a medida certa do sentimentalismo. Em suma, aos que se angustiam com questões e debates propostos pela arte, “Amor Eterno” tem originalidade ao revelar seu olhar acerca da modernidade tecnológica e sua influência emocional em nossa mentalidade. Caso vá assistir graças ao cinema de gênero, ou ao aspecto folhetinesco e meramente romanesco do longa, terá uma relação conturbada quanto à forma que esse trabalha seu melodrama.



AMOR ETERNO
(La Corrispondenza, 2016, 116 minutos)

Roteiro e Direção
Giuseppe Tornatore

Elenco
Jeremy Irons
Olga Kurylenko
Shauna Macdonald
Simon Meacock
Anna Savva
Paolo Calabresi
Simon Johns
James Bloor



em cartaz no Cine Roxy Pátio Iporanga



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