Monday, November 21, 2016

ESCRACHANDO O DEMÔNIO COM UM CHUTE NOS BAGOS #4 (um folhetim de J R Fidalgo)


PORRA, E A BRECHA? FECHOU DE NOVO!
(1ª Temporada, Episódio 04)


Um dia então aprendemos – por meio do budismo ou de qualquer outro método que defenda a mesma hipótese – que nada ao nosso redor ou dentro de nós, inclusive nós mesmos, é permanente.

Tudo está sempre mudando, seja pela transformação das aparências, seja porque as coisas e pessoas simplesmente somem das nossas vidas.

Pronto! Descobrimos a brecha.

Tudo muda sempre, nada existe para sempre, tudo está sempre mudando.

Então só existe o presente. Vai daí que o lance é estar sempre no presente.

Eureca!

Só que então você também descobre que não consegue fazer essa “mágica” por vontade própria ou quando quer.

No máximo, o seu satori meia-boca - de que a jogada é viver apenas no presente e assim a brecha se abriria - vai ter ajudar a perceber com mais facilidade aqueles momentos em que você sente que está vivendo exatamente no agora e, no instante em que você saca isso, você leva um chute na bunda que te joga pra fora do presente outra vez.

Porra, e a brecha?

Fechou de novo.

Bem, mas pelo menos você teve uma prova, digamos, concreta de que a brecha existe. Afinal, se fechou, é porque estava aberta. E nada que não existe é capaz de abrir e fechar.

Ok, você chegou à conclusão de que a brecha existe de verdade, mas percebê-la e atravessá-la não depende de você – pelo menos da parte racional do seu cérebro. Outra coisa que você também deduziu é que, quando por acaso você a atravessa, é impossível você se manter o tempo todo do “lado de lá.”

Você avançou alguns centímetros, mas a montanha sagrada continua a milhares de quilômetros de distância.

E logo, logo, você está se questionando: “Eu estive mesmo do outro lado da brecha ou foi só mais uma alucinação? E, se foi alucinação, então não há nenhuma prova de que a brecha realmente existe.

Fodeu de novo. Teu satori meia-boca se esvaiu como fumaça de incenso barato.



Tive a impressão de ter ouvido alguém gritar “babaca” enquanto deixava o palco, mas logo em tornei invisível nos bastidores e sumi tranquilamente pela sempre salvadora porta dos fundos.

A questão é que, por mais que seja um pé no saco, eu preciso voltar a falar sobre o livro dos pastores.

Afinal, é para isso que estamos aqui, ou não? Bem, já não tenho muita certeza.

Em todo o caso, vamos tentar resumir a história. E já aviso que, quando tento resumir uma história, ela costuma ficar mais longa do que a original. Mas vamos lá.

Os pastores da chefia da tal igreja, sabe-se lá por que, adoraram o livro.

Chegaram a dizer a meu amigo que, com certeza, eu não estava mentindo quando disse que vinha sendo iluminado pelo Espírito Santo enquanto escrevia.

Ironicamente, o pastor prodígio que assinaria a autoria do livro não gostou do que eu tinha escrito, principalmente porque não entendeu praticamente nada do que lera.

Isso, porém, não fazia a mínima diferença, já que o garoto sempre obedecia cegamente os planos traçados pelo conselho superior dos pastores, mesmo que não compreendesse direito no que eles o estavam metendo.

Confesso que fiquei meio assustado com a facilidade e rapidez com que tudo se resolveu.

Claro que não estava começando a acreditar na história que eu inventei sobre a comunicação direta com o Espírito Santo. Mas não há como negar que tudo aconteceu de uma forma bastante estranha.

Na verdade, desde que sentara todo encharcado no computador depois daquele meu passeio na chuva, parece que perdi a noção do tempo. Acredito que tenha passado três ou quatro dias e noites digitando palavras atrás de palavras, só me levantando para is ao banheiro que ficava do lado de fora da cabana, e tomar água na torneira do quintal.

Mas, mesmo mijando, cagando ou molhando a garganta seca, minha cabeça continuava juntando palavras que, logo depois, eram digitadas na tela, como se um fluxo contínuo de narrativa tivesse tomado totalmente o controle da minha mente e do meu corpo.

Quando meu amigo ligou pela primeira vez, não tive coragem de dizer o que estava acontecendo, já que ele não levaria a sério e ficaria seriamente preocupado com minha precária sanidade.

Então inventei a história de que ainda estava “pegando a mão” etc., etc. Só quando ele ligou três semanas depois, resolvi contar que o livro já estava pronto. Aliás, fora escrito – ou vomitado – em três ou quatro dias e noites, em meio a mijadas, cagadas e longa chupadas na torneira do quintal.

Contudo, não fiquei preocupado com isso por muito tempo.

Recebi dois ou três cheques pelo correio e logo estava de volta a minha caverna, fazendo desenhos imaginários nas paredes para que as futuras gerações tivessem uma ideia de que tipo de gente tinha habitado o planeta naqueles tempos.





JR Fidalgo,
um jornalista que tem preguiça de perguntar,
um escritor que não tem saco pra escrever
e um compositor que não sabe tocar.

(mesmo assim escreveu dois romances
e uma quantidade considerável de canções
ao longo dos últimos 40 anos - nota do editor)



1 comment:

  1. A brecha. Andei procurando por ela uma época da vida. Cheguei a vê-la de longe, mas quando cheguei perto já não estava lá. Nem sei se era ela mesmo. Desde então mudei de atitude e inverti o jogo Tento fazer com que a brecha me procure. Mas isso não faz o menor sentido.

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