Wednesday, November 9, 2016

O CRÍTICO DE CINEMA CARLOS CIRNE INDICA "KÓBLIC" E "O MESTRE DOS GÊNIOS"


KÓBLIC: BONS ATORES NUM INTERESSANTE POLICIAL ARGENTINO
por Carlos Cirne para Colunas & Notas


Os anos 1970 foram extremamente pesados e conturbados para toda a América do Sul. A história de “Kóblic” se passa justamente neste período, mais precisamente em 1977, na Argentina. Tomás Kóblic (Ricardo Darín), um ex-piloto capitão da Marinha, chega à Colônia Elena, pequena cidade na região sul do país, e tenta passar despercebido, o que é praticamente impossível numa localidade daquele tamanho. Ele foi contratado pelo dono de uma empresa para trabalhar como piloto de um avião pulverizador, nas fazendas da região.

O que as pessoas não sabem é que, em seu passado recente, Kóblic exerceu atividades das quais pouco se orgulha, e que causaram justamente esta sua reclusão. (SPOILER) Enquanto militar, ele era piloto dos chamados “voos da morte” da ditadura argentina, onde civis tidos como terroristas eram arremessados de helicópteros ao Rio da Plata ou ao mar, sem chance de sobrevivência. A história não-oficial conta que muitos brasileiros tiveram fim similar no período, na baia da Guanabara.

Fugindo de uma insubordinação, Kóblic se refugia na cidade, mas logo desperta a atenção de todos, do ambíguo Delegado Velarde (Oscar Martínez), à gerente do posto de gasolina local, Nancy (Inma Cuesta), constantemente abusada por seu companheiro. Obviamente, ele acaba por se envolver com Nancy e, numa sucessão de situações limites, antagoniza Velarde, que faz o possível para desmascará-lo.

Interessante filme policial, com violência dosada e bem explorada, num roteiro do mesmo diretor e roteirista de “Um Conto Chinês” (2011), Sebastián Borensztein. A figura sempre carismática de Darín, mesmo na pele deste anti-herói, consegue manter a atenção do espectador da segunda parte do filme (meio lenta), até o desfecho climático – com cara de western clássico norte-americano -, catártico na medida para o público.

Destaque também para o intérprete do delegado, Oscar Martínez, que você já viu recentemente em “Relatos Selvagens” (2014) – assim como o astro Darín -, aqui em uma composição estranha (com direito a peruca e tudo), mas muito eficiente.

Se não um filme memorável, certamente não faz feio, principalmente para os apreciadores do cada vez melhor cinema argentino. Experimente.

KÓBLIC
(2016 – 92 minutos)

Direção
Sebastián Borensztein

Elenco
Ricardo Darín
Oscar Martínez
Inma Cuesta

em exibição no Cinespaço Miramar Shopping



“O MESTRE DOS GÊNIOS”: UM COADJUVANTE EM SUA PRÓPRIA HISTÓRIA
por Carlos Cirne para Colunas & Notas


As cinebiografias têm por regra quase básica certa deificação do biografado. Ou seja, vê-se sempre o “lado dele”, de como a sociedade o tratou, ou o que justificava sua postura. E, em geral, tende-se a perdoar quaisquer faltas que tenha cometido.

Mas e quando o biografado é coadjuvante em sua própria história? Isto acontece neste “O Mestre dos Gênios”, cinebiografia de Maxwell Evarts Perkins, ou Max Perkins (o sempre competente e agradável Colin Firth), editor literário norte-americano do começo do século XX, que acabou se tornando famoso por “descobrir” ou “burilar” jovens autores, que viriam a se tornar a base da moderna literatura norte-americana, como F. Scott Fitzgerald (Guy Pearce), Ernest Hemingway (Dominic West) e Thomas Wolfe (Jude Law), este sim, o verdadeiro protagonista deste filme. Para o bem e para o mal.

Depois de ser recusado por quase todas as editoras na Nova York da década de 1920 (em pleno crash da Bolsa, adentrando a Depressão), o livro de Wolfe chega às mãos de Max Perkins por intermédio de Aline Bernstein (Nicole Kidman, no piloto automático), atriz da Broadway amiga dos editores e amante de Wolfe. Um alentado volume de mais de 1500 páginas, que Max tem que lapidar para tornar publicável. E Wolfe, a princípio colaborador na redução do volume, se transforma quase num pesadelo no trabalho de Max, na medida em que acrescenta ao invés de diminuir o texto.

Energético em demasia, Wolfe incendeia tudo a seu redor, interfere na vida de todos, gerando um desconforto sem paralelo. E Max, paciente mas resoluto, consegue finalmente publicar a obra de Wolfe, que se transforma em sucesso instantâneo, como já havia acontecido anteriormente com Fitzgerald e Hemingway que, obviamente, se tornaram amigos pessoais de Max.

Num filme repleto de talentos como este, é fatal que alguém se sobressaia, em detrimento de outros. Só que o que acontece aqui é que a performance mercurial (beirando o histérico) de Jude Law tem a tendência de obscurecer a todos ao seu redor, levando o espectador a questionar o porquê de tanta atenção a alguém tão descontrolado como Wolfe. E olhe que, no mesmo período, tem-se Fitzgerald em crise produtiva (entre “O Grande Gatsby”, de 1925, e “Suave é a Noite”, de 1934), com sua esposa Zelda (Vanessa Kirby) sendo internada como doente mental; Hemingway partindo para cobrir a Guerra Civil Espanhola, como correspondente; e o próprio Perkins às voltas com sua grande família, composta pela esposa Louise (a talentosíssima Laura Linney) e suas cinco filhas, todas muito carentes de sua atenção.

A ausência de Perkins em casa é tão notória que as filhas só o chamam pelo prenome, como um amigo distante, e o personagem é mostrado quase durante todo o filme de chapéu (em 99% das cenas), numa clara alusão à sua permanente estada transitória nos lugares.

Grande destaque para a perfeita e deslumbrante direção de arte de Patrick Rolfe (do também deslumbrante “Florence: Quem é Essa Mulher?”, 2016), e a delicada fotografia de Ben Davis (especilaista em heróis, como “Dr. Estranho”, “Vingadores” e “Guardiões da Galáxia”), que recriam uma Nova York ao mesmo tempo dura e etérea. Lindo. Bela estreia na direção de cinema de Michael Grandage, diretor teatral inglês e ator da TV britânica. Não perca!

O MESTRE DOS GÊNIOS
(Genius, 2016, 104 ,minutos)

Direção
Michael Grandage

Elenco
Colin Firth
Jude Law
Nicole Kidman
Guy Pearce
Laura Linney
Dominic West
Vanessa Kirby

em cartaz no Cinespaço Miramar Shopping


Carlos Cirne é crítico de Cinema
e há 14 anos produz diariamente
com o crítico teatral Marcelo Pestana
a newsletter COLUNAS E NOTAS,
de onde o texto acima foi colhido.





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