Tuesday, June 20, 2017

TENTAÇÃO VERDE (uma reminiscência cinematográfica de Ademir Demarchi)



Tenho um leitor maringaense, o José Flauzino, que anda ungindo os novos escritores para ganharem prêmios e livros vendidos. Graças a ele também já me enlevei num jogo de livre associação que colocou nada mais nada menos que a preferida de Hitchcock, a princesa e atriz Grace Kelly, em Maringá, em meio a um cafezal. E a epifania foi tanta que cheguei a achar que minha primeira namorada lá naquela juventude dourada e perdida no tempo teria sido ela ou então sua filha, tal a semelhança. Bom, quanto a isso é melhor ficar apenas na Grace, já que a outra continua graciosa habitante da cidade. O fato é que a conversa fantasiosa se intensificou com meu interlocutor por eu ter ouvido no Peru executarem a canção “Maringá, Maringá” de Joubert de Carvalho como se fosse mexicana, cantada em espanhol... Contestei los peruanos, que ficaram incrédulos, achando que eu estava com bromas.

Contei o episódio numa coluna e o Flauzino sacou uma biblioteca sobre o assunto, me levando ao tal delírio em que a Grace Kelly, quem diria, viera parar num cafezal maringaense... Passado o devaneio, como se me tivesse vindo sobre a cabeça uma nova geada como a de 1975, afinal descobri que ela era protagonista do filme Green Fire, “transcriado” no Brasil como Tentação verde, de 1954, dirigido por Andrew Marton, que se passa em uma fazenda de café, de sua propriedade, mas na Colômbia... O verde do título estava menos para o Ouro Verde do café, como o conhecemos a ponto de dar nome a cidades em São Paulo e no Paraná devido às plantações de café e à riqueza que proporcionaram. O verde, em verdade, referia-se às esmeraldas procuradas nas montanhas colombianas pelos protagonistas do filme, que acabam levando os trabalhadores da fazenda para o minério, complicando a colheita do café.


Na típica trama hollywoodiana, os norte-americanos são os civilizados em meio à barbárie da natureza e dos explorados, infantilizados e miseráveis trabalhadores colombianos. Kelly é uma espécie de Madame Bovary entediada, mas ainda sem marido, tendo que ouvir “Maringá, Maringá” em versão mexicana. Essa versão foi gravada pelo grupo Bando da Lua, que acompanhava Carmen Miranda e que abocanhou o trabalho do Trio Irakitan, que se atrasou numa turnê cantando “Maringá, Maringá” em outros cafezais da América.

O filme seria ótimo para uma sessão numa das modorrentas tardes de Maringá, coisa que não acontece mais, ainda que a modorra persista. O fato é que devo ter visto esse filme numa dessas tardes dos anos 70 e, na dúvida, o revi reencontrando várias de suas curiosidades, a começar pela sinopse intrigante: “homem vai para a América do Sul em busca de esmeraldas e se apaixona por uma fazendeira local”. Ou seja, o infeliz acaba menos rico do que gostaria, mas encontra uma joia feminina para repetir a sina reprodutória da humanidade. A nós a joia reprodutiva possível acaba sendo assistir, além da Grace, o Bando da Lua com seus músicos vestidos de roceiros num butecão colombiano de colunetas romanas feito pra turista americano, cantando “Maringá, Maringá” em espanhol. Vejam que nossa conexão com o Paraguai vai longe... Esse assunto, essa modorra, essa cidade, tudo isso me dá sede, leitor, de modos que a conversa agora vai para o bar, pena que sem o Bando da Lua ou o Trio Irakitan riscando violões pra gente dar risada. Vambora!


(publicado originalmente no
Diário do Norte do Paraná
em 21/11/2013)




Ademir Demarchi é santista de Maringá, no Paraná,
onde nasceu em 7 de Abril de 1960.
Além de poeta, cronista e tradutor,
é editor da prestigiada revista BABEL.
Possui diversos livros publicados.
Seus poemas estão reunidos em "Pirão de Sereia"
e suas crônicas em "Siri Na Lata",
ambos publicados pela Realejo Livros e Edições.
(basta clicar nos nomes para ser enviado
ao website da editora)



No comments:

Post a Comment