Thursday, January 21, 2016

2 VISÕES DISTINTAS SOBRE "STEVE JOBS", NOVO FILME DE DANNY BOYLE E AARON SORKIN

DANNY BOYLE FALHA AO NÃO SEPARAR O HOMEM DO GÊNIO EM "STEVE JOBS"


por Giovanni Rizzo para OBSERVATÓRIO DO CINEMA




As cinebiografias mais convencionais costumam comentar linearmente a vida e carreira de seu protagonista, desde a infância até algum clímax de sua trajetória. É o caso de Gandhi, de Richard Attenbourough (1982), ou a primeira versão da vida do criador da Apple no cinema, Jobs, de Joshua Michael Stern (2013). E há filmes que buscam refletir as obras de seus representados na estética e estrutura dos projetos, buscando um reflexo mais criativo e original da vida de um personagem já conhecido, como o caso de O Mistério de Picasso (Henri-Georges Clouzot, 1956) ou o fascinante Caravaggio, de Derek Jarman (1986). Parece que o retrato de Steve Jobs, pelo diretor Danny Boyle. está mais alinhado a este segundo grupo do que ao primeiro. Isso não significa algo bom ou ruim, apenas mais interessante.

Boyle e o roteirista Aaron Sorkin (A Rede Social) optam por mostrar a vida de Jobs em três recortes, no lançamento de três de seus produtos, o Macintosh em 1984, o NextCube em 1988 e finalmente o IMac em 1998. Assim, é inserido no mundo e vida de Steve através de uma série de curtos flashbacks relacionados ao encontro do protagonista com outras pessoas nessas demonstrações de produtos. Com essa atípica estrutura de roteiro, o filme não cai no senso comum, não há a tentativa de mitificação do homem ou a humanização em excesso da figura pública.

Tecnicamente impecável (a fotografia de Alwin H. Küchler chama atenção), Steve Jobs revela o quanto Danny Boyle é um realizador competente, conseguindo realizar um filme sem informações desnecessárias ou causar algum tipo de desinteresse. Com uma montagem incrível, o filme se sustenta sozinho, e o passado e presente se alternam de forma bastante fluída, funcionando como a própria memória do protagonista. Além disso, entre uma apresentação e outra, o espectador assiste a uma espécie de slide show que mostra todos os acontecimentos relacionados a Jobs e a Apple ocorridos entre os acontecimentos retratados, outra escolha que poderia se tornar desinteressante, mas nas mãos do cineasta inglês e de seu montador, Elliot Graham, transforma-se em mais do que uma simples contextualização – mas sim uma parte da estrutura narrativa do longa, sendo essencial para a trajetória de Jobs na tela.

E se o retrato de Jobs é pintado com muita habilidade, talvez seja a o modo como ele é feito que mais incomode em Steve Jobs. É realmente louvável expor todas as falhas do protagonista na tela, a prepotência, arrogância e frieza estão lá e Michael Fassbender transforma com perfeição Jobs em um ser robótico e gélido. A questão é que o longa de Boyle se parece muito com a personagem de Kate Winslet (vencedora do Globo de Ouro 2016 pelo filme), uma espécie de assistente e conselheira profissional e pessoal do fundador da Apple, a todo instante a obra e os próprios personagens passam a mão na cabeça de seu protagonista. Steve Jobs é um filme conivente com as atitudes do homem por trás do gênio, assumindo assim o mesmo distanciamento do personagem principal para com os sentimentos alheios e até mesmo do próprio público.

O longa começa e termina com Jobs sob os flashs, e o problema das luzes é que não se pode ver a realidade ou humanidade dos fatos. Steve Jobs é um filme que ofusca a sensibilidade, os sentimentos e o defeito do homem. Se a obra de Boyle não mitifica, também não consegue separar o ser do gênio e parece que a construção ou invenção de um computador apaga as deficiências de Jobs como pai, amigo e chefe.

Por mais interessante e bem feito que Steve Jobs possa ser, falta ao filme de Danny Boyle a sensibilidade que faltou a seu protagonista na vida real. Steve Jobs é um filme que ofusca seus próprios sentimentos.



STEVE JOBS É UM FILME COMPLEXO E CRIATIVO COMO SEU PERSONAGEM


por Renné França para PIPOCA MODERNA


Como dar conta de uma vida em duas horas de filme? Normalmente as cinebiografias enfrentam este desafio com histórias que acabam ou sendo cansativas ao detalhar demais algum ponto específico do biografado ou rasas e sem graça na tentativa de dar conta do todo. “Steve Jobs” parte de um artifício inteligente do roteirista Aaron Sorkin para não cair nesta armadilha e, ao mesmo tempo, entregar uma obra divertida, tensa e com personagens bem desenvolvidos.

A vida de Steve Jobs é contada a partir de três momentos, em três grandes cenas que ocupam todo o filme: lançamento do Macintosh em 1984, lançamento do NextCube em 1990 e do iMac em 1998. Partindo de sua biografia escrita por Walter Isaacson, o roteirista imagina os bastidores destes grandes eventos para tentar entender quem é o homem que parece ter transformado todo o mundo. Os cenários mudam, mas os personagens permanecem os mesmos se reencontrando com a distância dos anos que separam um lançamento do outro. O diretor Danny Boyle faz sua parte conduzindo o ótimo elenco e utilizando três formatos diferentes de filmagem para acompanhar a evolução tecnológica, ao mesmo tempo em que acompanha as mudanças de Steve e do mundo: 16mm, 35mm e digital. E é então que, partindo desta mistura de estrutura teatral e estética cinematográfica, “Steve Jobs” coloca uma lupa sobre o criador da Apple e seus colegas de trabalho despejando informações a uma velocidade impressionante.

Sorkin escreveu “A Rede Social” (2010) e aqui mais uma vez dá mostras de seus diálogos rápidos e cortantes ditos por personagens cerebrais. Combina que é uma beleza com o estilo frenético de Boyle, principalmente nos momentos de embate repletos de tiradas engraçadinhas e frases de efeito. Mas diretor e roteirista derrapam na emoção, e na maioria das vezes – como em alguns encontros de Jobs com a filha – a coisa toda soa um pouco piegas. Além disso, a própria estrutura narrativa da divisão em três episódios acaba se tornando uma prisão para a obra, de modo que os encontros, reencontros e desabafos antes de cada lançamento soam tão forçados que até o personagem principal faz um comentário metalinguístico sobre isso.

Mas por outro lado, se Michael Fassbender não possui a semelhança física que Ashton Kutcher tem com o verdadeiro Jobs, seu talento como ator e o ótimo roteiro e direção fazem com que isto deixe logo de ser um problema (a aparência de Fassbender incomoda um pouco mais no início do filme, quando não parece tão jovem quanto Steve era na época do lançamento do Macintosh, o que tira um pouco a aura de “garoto prodígio” do biografado), e rapidamente nos vemos envolvidos em um drama repleto de intrigas palacianas e pessoais.

A inspiração shakespeareana torna Jobs um rei, que por vezes é tirano e por vezes bondoso, mas nunca fraco e inseguro. A forma como manipula, estimula, confronta, trai e atropela seus “súditos” ganha força pelos excelentes coadjuvantes que encaram o talento de Fassbender de igual para igual. “Seus produtos são melhores do que você”, um deles diz em momento de desabafo.

Pois o difícil homem que conhecemos através da lente de Boyle e do texto de Sorkin nos deu indiretamente mais um excelente produto com “Steve Jobs”.

Um filme que, em sua fragmentação, nos entrega trechos para montarmos a sinfonia da vida deste personagem que se via como um maestro.

STEVE JOBS
(Steve Jobs, 2015, 122 minutos)

Direção
Danny Boyle

Roteiro
Aaron Sorkin

Elenco
Michael Fassbender
Kate Winslet
Seth Rogen
Jeff Daniels


em cartaz no ROXY IPORANGA 4


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