CAPÍTULO VI
“Olhando para o mar, eu pensei que devia achar algo
mais importante pra dizer a respeito da porra daquele mar. Mas não consegui
pensar em nada mais importante, além do fato daquela porra daquele mar banhar a
porra da cidade onde eu vivi grande parte da porra da minha vida. Contudo, se
alguém tinha mesmo que contar a porra daquela história, eu estava disposto a
tentar. Por quê? Eu não fazia idéia.
Isso, contudo, não importava. Afinal, era apenas uma porra de uma história. Era
preciso, porém, encontrar alguém para escrever a tal história, já que eu mesmo,
por uma série de razões que agora não vêm ao caso, nunca farei isso.”
A mensagem estava no e-mail. Jeremias também
explicava como havia sido difícil localizá-lo. Depois foi direto ao assunto.
Queria que ele escrevesse uma história, que, pelo que entendeu, tinha a ver com
aquela cidade e com as pessoas que ali conviveram anos atrás.
Não tinha notícias de Jeremias há muito tempo, a
ponto de às vezes perguntar-se se ele ainda estava vivo. Por isso, receber aquela
mensagem foi meio que parecido com falar com os mortos – ou fazer contato com
alienígenas improváveis.
De qualquer forma, a mensagem deixava claro que
Jeremias não tinha morrido, continuava no planeta e fizera contato por um único
motivo: queria que ele escrevesse uma história que, por algum motivo, Jeremias
achava que João também conhecia, porque tinha participado dela.
Fechou o e-mail e voltou a trabalhar. A todo o
momento, no entanto, lembrava da mensagem. Não via o mínimo sentido em, após tantos
anos, Jeremias ter ressurgido das sombras para lhe pedir para contar uma
história que ele não sabia qual era. Como também não via sentido algum no fato
de Jeremias ter, de repente, decidido que contar a tal história era tão
importante assim.
Levantou do computador e resolveu, para variar, dar
uma caminhada. Sentia-se estranho, inquieto, sem condições de continuar
trabalhando. Na terceira ou quarta esquina, percebeu que, inconscientemente,
estava tentando lembrar-se de cenas e episódios envolvendo Jeremias. Era como
se procurasse, com isso, entender que diabos Jeremias estava realmente
pretendendo, já que aquela história toda de contar uma história estava lhe
parecendo, cada vez mais, pura loucura.
E por que não? Talvez fosse exatamente isso:
Jeremias havia finalmente enlouquecido e tudo não passava de um grande delírio
seu. Afinal, muitos deles tinham pirado. Uns mais cedo, outros mais tarde.
Talvez Jeremias fosse um dos retardatários.
Voltou para casa decidido a, de alguma maneira,
“pesquisar” o atual estágio de sanidade de Jeremias. Só que a única informação
de que dispunha sobre Jeremias era, agora, o seu e-mail. E não podia
simplesmente mandar uma mensagem perguntando se ele havia enlouquecido.
Precisava descobrir outros meios. O problema é que, justamente como uma espécie
de antídoto à ameaça de loucura generalizada que se espalhou entre todos eles
naquela época, João tinha se dedicado, nos últimos tempos, a, metodicamente,
queimar todas as pontes que o uniam a Jeremias e a todos os personagens que,
muito provavelmente, deviam fazer parte da tal história que Jeremias queria
contar.
CAPÍTULO VII
E também não havia absolutamente nenhuma poesia no
fato de seu pinto estar agora amolecendo dentro da boceta melada dela, logo
após terem gozado. Isto é, se é que ela também havia gozado.
Tempos atrás, uma outra mulher, com quem ele havia
acabado de trepar, lhe disse que a última coisa que queria ouvir, depois de uma
trepada, era o cara ao seu lado lhe perguntando se havia gozado.
Desde então, ele, que antes achava “elegante”
perguntar se a parceira também tinha gozado, nunca mais abriu a boca após uma
trepada. Somente ficava lá, de barriga pra cima, olhando o teto, como estava
fazendo agora, depois de ter gozado dentro da boceta de Mô.
Apesar de se conhecerem há anos, era a primeira vez
que ele e Mô trepavam. Os dois já haviam trepado com quase todo mundo ao redor,
mas nunca tinha rolado entre eles. Mô resumiu a situação quando ele começou a
enfiar seu pinto nela e ela disse: “Caramba, até que enfim. Eu pensei que isso
nunca fosse acontecer com a gente”.
Na verdade, o ácido que eles haviam tomado
contribuiu muito para aquilo tudo. Era um ácido particularmente fraco, pois
naquela época já era difícil arrumar alguma coisa de qualidade na cidade. No
entanto, eles tomaram a pedra num dia atípico, totalmente atípico.
Naquele dia, desde a manhã, as rádios e as TVs
estavam povoadas de boletins extraordinários transmitidos diretamente da
capital do país. O presidente eleito, pouco antes de assumir, havia ficado
muito doente, piorava a cada dia e, pelo que se ouvia e via, parecia estar
prestes a morrer.
Nada disso seria tão dramático assim se o tal
presidente não fosse o primeiro civil, eleito indiretamente pelo Congresso,
depois de uma longa sucessão de generais mal-humorados e raivosos que ocupavam
o poder desde o golpe de estado, muitos anos atrás.
Então temia-se que, se o presidente eleito doente
morresse, os generais resolvessem voltar, quer dizer, resolvessem não sair de
onde ainda estavam.
E Jeremias estava lá, de barriga pra cima, olhando
pro teto do apartamento de Mô, quando seus olhos se desviaram um pouco para a
televisão ligada, sem som.
As imagens se sucediam com rapidez, flashes de
locutores e locutoras, tendo ao fundo a imagem do Congresso e do palácio do
governo. Ele levantou da cama e foi aumentar o som da TV.
“Repetimos, o presidente eleito, vítima de uma
prolongada doença de causa ainda não determinada, acaba de falecer.”
– Bom, aconteceu. Posso usar teu telefone? Preciso
ligar pro jornal?”,Jeremias perguntou.
– Liga aí”, respondeu Mô.
– Tenho que ir pra casa. Eles vão mandar uma viatura
lá pra me pegar e levar pro aeroporto”, disse Jeremias, após desligar o
telefone.
– Tá bom. Então, tchau”, despediu-se Mô, no momento
em que Jeremias já estava com a mão na maçaneta da porta de saída do apartamento
dela.
Embora o ácido fosse fraco, entrar às pressas num
avião ainda viajando não era certamente uma das melhores sensações do mundo.
Por isso Jeremias procurou colocar as idéias em ordem logo depois da decolagem.
Não teve muito sucesso. Cada vez que fechava os
olhos, milhões de luzinhas coloridas pareciam acender-se em sua cabeça. Além
disso, Tom, o fotógrafo que iria acompanhá-lo na cobertura da morte do
presidente que não tinha sido presidente, estava bêbado e insistia em lhe
contar, detalhadamente, por que seu último relacionamento, com uma garota
japonesa de 17 anos, não tinha dado certo.
Então Jeremias resolveu encher a cara também e
deixar a seqüência dos fatos a cargo da providência, se que essa coisa existia.
Mas a providência, ou seja lá o que for, não foi lá
muito generosa com Jeremias, nem com Tom.
Logo que chegaram ao aeroporto da capital, eles
souberam que, para entrar no local onde o cadáver do presidente que não havia
sido presidente estava sendo velado, era necessário um tipo de credencial que o
seu jornal não havia providenciado.
Repórter e fotógrafo ainda tentaram argumentar, mas
acabaram sendo confinados a uma espécie de galpão, onde lhes disseram para
permanecer, junto a outros jornalistas na mesma situação, “aguardando”, o que
ninguém explicou.
Por sorte ou azar, no galpão, Jeremias e Tom
encontraram Juan, um jornalista peruano, que, por sorte ou azar, conseguira
levar lá pra dentro uma garrafa de pisco. Então Jeremias e Tom resolveram
continuar enchendo a cara, deixando a seqüência dos fatos a cargo da
providência, se é que essa coisa existia.
A partir daquele ponto, naquele galpão, Jeremias tem
apenas uma vaga idéia de tudo o que aconteceu a seguir, não só na capital do
país, mas também na cidade em que o presidente que não foi presidente havia
nascido, que ficava em outro estado e onde foi realizado o enterro.
No meio da densa névoa que se instalava na sua
cabeça cada vez que tentava recordar de tudo aquilo, a única coisa que lhe
vinha à mente era a história de um livro que havia lido anos atrás, chamado
“Medo e Delírio em Las Vegas”, de um tal de Hunter Thompson, que contava as
aventuras e desventuras desse repórter norte-americano quando foi fazer uma
reportagem qualquer na cidade dos cassinos.
Não que tenham acontecido tantas loucuras naquela
viagem em perseguição ao cadáver do presidente que não foi presidente como
aconteceram na história contada no livro de Thompson, mas Jeremias compreendeu
que, como no livro, as coisas podiam realmente sair de controle, sendo que a
única coisa a fazer, em situações do tipo, era continuar enchendo a cara e
entregando a seqüência dos fatos à providência, se é que essa coisa existia.
De qualquer forma, quatro dias depois, Jeremias
estava de volta à sua cidade. E o primeiro pensamento que lhe ocorreu foi:
“Será que a Mô topa trepar comigo de novo”?
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