A
SOLIDÃO DO HOMEM FOFO
Capítulo
V
Depois
de cumular os lábios de Mateos dos mais doces beijos de seu portfolio, Sâmila,
sem calcinha, enverga um vestido preto e sai para a faina diária, no banco. Não
sem antes, à porta do quarto, e propositadamente, abaixar-se em noventa graus
para apanhar algo atirado ao chão, deixando à mostra um organismo bivalve dos
profundos mares do amor. Mateos, por pura graça, começa a entoar um cântico
Hare Krishna. Ela parte, airosa.
Tão
logo parte ela, abre-se a porta do outro quarto do apartamento, de onde a cara
amarfanhada e Kleber surge dentre um halo de álcool e cefaleia. Peida, por
provocar o amigo, e ruma pros escombros da mesa do jantar, donde sequestra uma
patanisca de bacalhau esquecida no prato de alguém.
"Tá
comendo bem, hein?"
Mateos
repreende a grosseria:
"Não
como: faço amor."
"Ah,
vai tomar no teu cu."
Capítulo
VI
"Grosso."
"Velho,
não tô te entendendo. Não precisa fazer tipinho pra mim, belê? A mina já foi, e
eu tô falando que tu tá comendo bem esse negócio aqui, não é a mina."
"Esse
'negócio aqui' se chama patanisca, é um quitute português."
"Ui,
ele come patanisca. E putanisca. Repito: vai tomar no teu cu, Mateos."
Mateos
reflete alguns minutos sobre a advertência do ex-amigo. Pode ser um grosso, mas
teve uma sacadinha genial: patanisca/putanisca. Sorrateiro, pusilânime, ele se
apropria da criação do companheiro, compõe um poema com o trocadilho e posta no
facebook. À noite, vários comentários elogiosos, de senhoras que lhe seguem o
perfil (um legítimo feminista!) e um emoticon de bicho preguiça fazendo coração
com os braços, este da lavra de Sâmila Sanches, postado às 15:37h, ou seja, em
pleno expediente bancário.
O
expediente bancário de Sâmila, a gerente de relacionamento, inicia às dez
findando às quatro. Kleber, o gerente de pessoa jurídica, opera das onze às
cinco. Esse 'as cinco' é uma ficção, ele nunca sai antes de oito, escravizado
pelo gerente geral da agência. Foi no meio do expediente de ambos que o GPJ
(gerente de pessoa jurídica) viu a GR (Sâmila, a bela) de facebook arreganhado,
os olhos perdidos no nada, fazendo emoticon heart pras abobrinhas que o poeta
plagiador postava. Ela viu que ele a olhava, mudou de página discretamente,
levantou a foi ao toalete. Kleber rumou à mesa de Sâmila, queria voltar à tela
inicial, mas sua atenção foi desviada para o assento da cadeira-diretor que
albergava as farturas da gerente, encapsuladas no vestidinho preto e só. Uma
poça transparente repousava sobre o assento.
Capítulo
VII
"...ele
nunca sai antes de oito, escravizado pelo gerente geral da agência."
A
frase acima, que destaco do capítulo anterior, quem teve a delicadeza para
comigo de ler há de concluir se refere ao antagonista da trama, Kleber,
escrotomacho que faz o contraponto com o fofo Mateos. A mim, escriba por
profissão, tocou escrever a série aqui pra Quaresmaflix e, uma vez imbuído do
mister (mistér, e não míster, por favor), cumpre-me apresentar outra personagem
de suma importância: o gerente geral.
Getúlio
Vargas Candeias Filho, economista formado numa facu barata de Santos, mas que
fez pós na USP sob orientação de um fodão do governo FHC, ingressou nos quadros
do EROS FOMENTOS, FUNDOS E CAUÇÕES S/A, doravante denominado simplesmente
"banco". É onde trabalham ele, Getúlio Vargas (GG), e também Kleber
(GPJ) e mais que tudo, a gostosa da Sâmila (GR). Mateos, nosso fofo
protagonista, não trabalha no "banco", mas é correntista lá, titular
da movimentação da conta da pessoa jurídica que herdou de seu pai, Mateos I, a
Mateos & Mateos Empreendimentos Hoteleiros S/C LTDA., que opera sob o nome
fantasia Hotel Fazenda Love Nature.
Como
se pode concluir, nosso Getúlio Vargas Candeias Filho é filho de um Getúlio
Vargas Candeias, a seu turno filho do velho João Candeias, um
getulista/trabalhista raiz. Não tinha o sobrenome Vargas, batizou o filho
Getúlio Vargas como se fosse um Luiz Carlos, ou Kleber Augusto, ou Regina
Célia, esses nomes compostos que tanto encantam a classe média d'outrora. Tudo
isso pra dizer que o Getúlio Vargas Candeias Filho, quem nos interessa na
trama, atende pela alcunha de Gegê, qual o estadista que lhe inspirou o nome. E
que a alcunha Gegê cai feito luva de pelica sobre a função de gerente geral
(GG) que o tipo exerce aqui na trama como no banco. ele tem cinquenta e quatro
anos bem vividos e coordena a agência com mão de ferro. Bastante enferrujada,
aliás, de vez que não faz mais porra nenhuma, explorando seus subordinados, que
plantam os louros que ele colhe.
O
leitor incauto há de pensar que o ambiente da trama é o banco, o excipiente,o
veículo da história - engana-se. De comum a todos os envolvidos está não a
servidão ao sistema financeiro, mas ao princípio feminino, aqui representado
pela graciosa (e gostosa) Sâmila.
Sei
lá, quis fazer este capítulo pra esclarecer as coisas, adiante retomamos a
historinha tão pitoresca. Beijiluzes pra vocês.
Capítulo
VIII
Retomemos,
então, a trama principal. Perdoem o arroubo, no capítulo anterior, deste
narrador.
.
.
.
Kleber,
como sabemos, havia avançado à mesa de Sâmila por bisbilhotar, na tela do
computador, o que ela fazia ao Facebook. Iria, por certo, dar ciência ao
gerente geral Getúlio Gegê. Como também sabemos, uma poça de substância
gelatinosa sobre o assento da cadeira diretor da GR frustrou a intenção inicial
do GPj Kleber. Às suas costas, depois de ele arrojar o dedo à tal substância, e
depois às narinas, GG questionou:
"Fiscalizando
a mesa da coleguinha, Sr Kleber? Não caberia a mim fazer isso?"
Um
gritinho irritantemente efeminado fugiu do gorgomilo do GPJ.
"Que
susto, Dr Getúlio!"
"Não
se preocupe. Estou brincando. O que cheirava? Deixa ver esse dedinho aí."
Acompanhe as emoções de
A SOLIDÃO DO HOMEM FOFO
aqui em LEVA UM CASAQUINHO
Um oferecimento de
EROS FOMENTOS FUNDOS E CAUÇÕES
(capitalização com amor) e
HOTEL FAZENDA LOVE NATURE
(onde a paixão acontece naturalmente)
Germano Quaresma, ou Manoel Herzog,
nasceu em Santos, São Paulo, em 1964.
Criado na cidade de Cubatão,
trabalhou na indústria química
e formou-se em Direito.
Estreou na literatura em 1987
com os poemas de Brincadeira Surrealista.
É autor dos romances
A Jaca do Cemitério É Mais Doce (2017),
Dec(ad)ência (2016), O Evangelista (2015)
e Companhia Brasileira de Alquimia (2013),
além dos livros de poemas
6 Sonetos D’amor em Branco e Preto (2016)
e A Comédia de Alissia Bloom (2014).
Este é seu próximo trabalho:
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