por Renan Santos
para FÁBRICA DE EXPRESSÕES
Pablo Trapero consolida-se cada vez mais como um dos grandes nomes da história do cinema latino-americano. Desde que despontou com seu primeiro longa-metragem, "Mundo Grúa", em 1999, todo trabalho no qual o diretor se envolve chama a atenção do mundo. Não poderia ser diferente com "O Clã (El Clan)", filme escolhido pela Argentina para representar o país na lista de pré-indicados ao Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira, no próximo ano. As expectativas para o filme, pelo menos de minha parte, não poderiam ser menores, ainda mais depois do que a Argentina nos mostrou no ano passado, com "Relatos Selvagens (Relatos Salvajes)".
Talvez não por coincidência, Pablo Trapero entrega "O Clã" com uma ironia de nível semelhante ao filme de seu conterrâneo, Damián Szifron. Contudo, "O Clã" tem um foco muito mais centrado, especificamente na família Puccio, liderada por Arquímedes Puccio (Guillermo Francella). O filme relata como a família ganhou os holofotes nos anos 80, na Argentina, quando se descobriu que eram eles os responsáveis por diversos sequestros que ocorreram na época no país, todos cometidos com muita frieza e sempre com consequências lamentáveis para as famílias.
"O Clã" relata não somente a falta de escrúpulos apresentada pela família Puccio, mas da própria Argentina. No país o filme teve a maior abertura da história, superando o próprio "Relatos Selvagens". Esse fato serve para comprovar como o filme conversa diretamente -e bem, diga-se de passagem- com o estado da Argentina nos anos 80 onde, sem dúvida alguma, muito do público que foi assistir ao filme, era espectador das consequências resultantes dos sequestros realizados pela família Puccio. Que na época, ou por uma boa parte daquela época, não era reconhecida como responsável por nada.
Além, é claro, de ter um filho conhecido nas capas de revistas e jornais do país. Alex Puccio (Peter Lanzani) jogava rúgbi e era o astro do time. Mas na sua família, nem sempre era visto como tal. É interessante perceber como o personagem serve de contraposição ao seu pai, Arquímedes. A diferença na visão dos dois sobre o clã no qual conviviam é crucial para o filme. O significado, a maneira como eles veem sua família é diferente, ainda que não sejam antagonistas. Mas é um dos elementos que ajudam a compreender os dois personagens em sua totalidade.
Guillermo Francella por si só já faz muito. O ator literalmente se transforma no personagem. Seu Alex Puccio é incrível de acompanhar. O ator se dissolve no personagem e exprime o necessário para acompanhar o clima que Pablo Trapero dá ao seu filme. Os dois, em conjunto, criam cenas memoráveis. Como as sequências das escadas. Num primeiro momento, num prédio do governo, o Alex Puccio de Guillermo Francella sobe as escadas com uma postura galante, respeitável, enquanto uma funcionária do governo limpa o caminho atrás dele. É sutil. Depois a cena retorna à memória quando o mesmo sobe outra escada, em sua casa, sem apoio algum, quase se arrastando, lentamente, desgastado, quase acabado.
A estética de Pablo Trapero faz muito pelo filme. Não é por acaso, então, que ele foi premiado com o Leão de Prata de Melhor Direção no Festival de Cinema de Veneza, por "O Clã". O filme tem alguns planos sequências, todos muito compactos, sutis e sem uma longa duração, que servem exatamente para o propósito de gerar tensão. Assim como a câmera, que salvo raras exceções, está sempre em constante movimento. Observamos aos sequestros como se fôssemos um integrante do clã Puccio. O movimento linear da câmera estática, sempre nos aproxima ou distância do objeto da cena, conforme quer Trapero.
A câmera, aliás, possuí uma relação muito íntima com os personagens. Pablo Trapero faz com que o espectador desenvolva uma relação muito próxima e pessoal com os personagens principais. Mas o diretor e roteirista consegue gerar uma certa imparcialidade em relação aos seus personagens. Os atos os condenam, mas não o diretor. Não que Trapero seja a favor do que eles fizeram, ele simplesmente é um observador imparcial da coisa toda, quase como o governo argentino na época. A ironia e o humor negro do filme só o tornam numa produção mais comercial.
Mas "O Clã" se oferece para todo público. O filme é um achado, e uma realização na carreira de Pablo Trapero. Pode não ser seu melhor filme, mas é um ponto na carreira do diretor que culmina em todo seu talento e sua competência. Não há que se incomodar com a imparcialidade de Trapero em relação a Arquímedes Puccio no filme, pois, o próprio sela seu destino, na pele de Guillermo Francella tomando contornos assombrosos. No final, entretanto, vale a máxima dos sequestros também para o próprio clã de Puccio: “o dinheiro vai e vem, a vida não”.
O CLÃ
(El Clan, 2015, 110 minutos)
Direção e Roteiro
Pablo Trapero
Produção
Hugo Sigman
Pedro Almodóvar
Agustín Almodóvar
Elenco
Guillermo Francella
Peter Lanzani
Lili Popovich
Stefanía Koessl
Antonia Bengoechea
Gastón Cocchiarale
Franco Masini
Fernando Miró
Giselle Motta
Juan Cruz Márquez de la Serna
em cartaz nas Redes Roxy, Cinemark e Cinespaço
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