Monday, December 3, 2018

E O NARIZ NEM CRESCE (por Marcelo Rayel Correggiari)


Na primeira semana de novembro (ou segunda), esse modesto merceeiro soltou uma que não seria nada demais (ou para se pensar!) no caso das coisas jamais se tornarem sérias: sobre o talento nacional de se (só!) mudar as moscas.
No interiorzão de Minas (válido também para o Vale do Jequitinhonha e Goiás Velho), há uma instituição chamada “mentira benta”. Em outros lugares do país, vai de “mentira santa”, mentirinha dita quando os efeitos colaterais da verdade são arrasadoras.
A “mentira benta” (ou “santa”!) não seria necessariamente uma mentira, mas uma ocultação. Tipo de troço que não é mentira, mas a verdade. Contudo, apenas uma pequena porcentagem da segunda.
Não é mentira, apenas a verdade, porém longe de sua totalidade: quem sabe, somente 20% do fato. Mesmo! É uma ‘omissão do holístico’: afinal o(a) corno(a) sempre será o(a) último(a) a saber.
Costume popular de se poupar a vítima (ou alvo) de uma verdade aterradora (quando em sua totalidade) até para quem ficou a cargo da tarefa apocalíptica.
Por exemplo: renovação política. Isso não existe, mas as pessoas ‘botam fé’. Outra: “esse(a) fulano(a) é probo(a)! Confio nele(a)!”. O grande humorista Costinha vinha com “... juro que só vou pôr a ‘cabecinha’...” em algum ponto de seus espetáculos.
O(A) brasileiro(a), em especial, possui um talento enorme para uma espécie de “propaganda interna” que somente ele(a) mesmo(a) acredita. É um povo bem ‘bipolar’, na base do “8 ou 80”: uma hora, tomamos ‘Fodex’ e ficamos ‘fodásticos’, na outra, São Nelson Rodrigues nos atormenta com seu rótulo de “nação vira-lata”.
Uma pessoa que tenta empurrar amizade com esse inadvertido merceeiro com anzóis do tipo “os esquemas de corrupção, no novo governo, não serão mais os mesmos” força o combalido comerciante a acreditar que o(a) dono(a) do enunciado vai para a lua-de-mel sem as genitais.
Coelhinho da Páscoa, Papai Noel (o final do ano ‘tá’ chegando!), Loira do Banheiro, Homem-do-Saco... a fauna é variada. Pega-se algum desses para desperdiçar crença.
É óbvio que os esquemas de corrupção serão os mesmos! Talvez, corruptores nunca vistos antes, algumas empreiteiras diferentes... mas o ‘vai-da-valsa’ tem tudo para continuar.
Não se trata de ‘niilismo’: trata-se de que uma das características do século XXI, a saber, a tal da ‘riqueza’, está cada vez mais distante de ser estabelecida em bases minimamente honestas.
Quando há alguma honestidade, ou ‘pureza de coração’, lá vem aquela enxurrada de ‘mensagens frias’: o sorvete vai na testa de maneira gritante ao nos apercebermos de que o espaço foi ganho por algum(a) ‘songa-monga’ oportunista.
Porque ser 100% verdadeiro é algo impossível, ser humano algum aguenta. Saber, por exemplo, que sexo é moeda-de-troca e favores sexuais celebrados em cima da cama (pode ser em outros ambientes também) dão resultados para lá de eficientes. Uma performance proba, para o bem-estar geral e coletivo, pode, como outro exemplo, desmoronar diante do “aceite” de um convite.
Como ser 100% verdadeiro com a ‘vida acadêmica’, por exemplo, quando isso mais se assemelha a uma sala cheia de atores pornôs, de calças arriadas, fazendo uma fálica competição na base do “... meu currículo Lattes é maior do que o seu”.
Sinceridade é uma coisa feita para jamais ser usada.
Inclusive, a ‘mentira benta’ salva vidas.
Na madrugada de ontem para hoje, tremendo ‘finde’, sabadão-domingão com aquele clima de boa primavera, bares cheios, alguns quiosques também, cervejas no ponto, carros do ano, felicidade mil com as casas noturnas devidamente frequentadas, empreendimentos imobiliários de quase R$ 2 milhões a unidade por esse ‘grande Leblon’ com ocupação máxima, e a ‘perguntinha’: “... de onde saiu todo esse dinheiro?!”. “Não estaríamos ‘na merda’?!”.
“É mentira beeeeeeenta, sô!”. Tem crise, mas não tem, entende?! A corrupção acabou, mas ela continua, percebe?! Seu marido/mulher é um(a) canalha, mas é honesto(a), sacou?!
Mentira benta detesta coisa binária, percebem?! Tudo tem de ser ‘na nuance’, 50 tons de alguma coisa que você, querido(a) freguês(a), tem tudo para ser o(a) último(a) a saber.
As escolas, faculdades, produtos financeiros, unidades imobiliárias, comércio, indústria, bebidas alcoólicas, porções de bolinhos holandeses, recheios de pastel, computadores, automóveis, amizades, amores, uniões estáveis, conservação do meio-ambiente e patrimônio histórico, asfalto de avenidas, chinelos de dedo, cabelos, bichos de estimação, ‘shopping malls’, entre tantos, são uma espécie de “grande amizade colorida”: eu te como (ou você me dá), mas é sempre ‘sem compromisso’: “... não queremos, de fato, formar ‘um casal’, não é verdade?!”.
E quem se disponibiliza em ‘aumentar a porcentagem da transmissão de um fato’ sempre levará a pecha de “o(a) inconveniente”, “o(a) chato(a)”, “o(a) mentiroso(a)”, a escalação para uma ‘persona non grata’ da existência de todos. Sentir isso ‘na pele’, através das naturais rejeições que tal abordagem traz, “... é que são elas!”.
  


Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 47 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É autor de Areias Lunares
(à venda na Disqueria,
Av. Conselheiro Nébias
quase esquina com o Oceano Atlântico)
e escreve semanalmente em
LEVA UM CASAQUINHO

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