A Literatura é
um guarda-sol (ou guarda-chuva) gigantesco...
... sob sua
sombra (ou sua proteção), centenas e centenas de outras modalidades cuja
catalogação é de enlouquecer qualquer um.
Na prosa de
não-ficção, ‘o trem’ é de deixar maluco(a) qualquer estudioso(a) da área: são
nomes e mais nomes que partem dos diários (como os de viagem, por exemplo),
chegando ao livro de memórias (um que esse modesto merceeiro recorda, o
“Verdade Tropical”, de Caetano Veloso), sem contar com demais modalidades como
as biografias, romances biográficos, livros-reportagem, e por aí vai...
Nessa semana, os
holofotes apontam para “Confesso que Perdi”, um livro de memórias do jornalista
Juca Kfouri. Em torno de suas 240 páginas, o relato de uma mente tão consciente
que confessa sua geração ora canalha, ora ingênua por achar que suas ações
resultariam “... num mundo melhor...”.
A coragem, acima
de tudo! A coragem de saber identificar que a quantidade de derrotas vem sendo
quase que infinitamente maior do que a de vitórias.
Juca Kfouri só
nasceu corintiano por conta da família, pelo que pareceu. É o corintiano mais
santista que se tem notícia na história do Universo. Se bobear, ele deve saber
mais do Santos do que o querido Guilherme Gauche, do departamento de história e
estatística do renomado clube.
Livros de
memórias, assim como os documentários (no cinema), são ‘um recorte’. A história
contada por um dos pontos de visão em torno dos objetos a serem contemplados. Em
seu livro, Juca une os pontos que melhor retratam a conjuntura atual: um país
perdido na corriqueira inabilidade de enxergar (e identificar!) suas
pontencialidades.
Um país perdido
no câncer do patrimonalismo que habita as raízes de cada brasileiro(a),
independente de sua condição ou classe social, e que muito alimentam os
eternos, gigantescos, esquemas de corrupção que assolam este sofrido lugar.
Só por isso, é
desnecessário dizer que a obra valerá sempre sua (re)leitura.
Além de uma
política rastaquera que diminui a grandeza do país onde habitamos, Juca também
conta em quais pontos a miséria da vaidade pode fazer qualquer bom trabalho ou
intenção jamais sair do lugar. Ora pela ingenuidade, ora por caráteres
deformados, o jornalista ilustra bem como um “projeto de nação” ou qualquer
outro “... projeto de qualquer coisa...” pode marcar passo ‘ad eternum’.
Permeado de
histórias saborosíssimas, “Confesso que Perdi” traz à baila um assunto que, em
breve, deverá chegar em nossas rodas-de-conversa: fizemos certo?! Estamos
fazendo certo?! Em que ponto há severos ‘desvios de função’ que colocam tudo a
perder? Lutamos muito, mas qual tipo de luta, quais substanciais vitórias
realmente conseguimos?
A cada dia que
passa, reparamos bem (e muito!) que os(as) mesmos(as) atores, por exemplo, que
atuaram ao longo de 21 anos de ditadura militar são os(as) mesmos(as) que
operam a política em nosso país hoje em dia. A transição careceu de ruptura?
Deveríamos praticar essa ruptura em 1985? Quais seriam as implicações se
resolvessemos praticar essa ruptura agora?
A ditadura
militar realmente acabou? Ou o cenário de hoje nada mais é do que sua
segunda-terceira fase, posto que a tal “transição” foi branda, e sempre sob a
batuta dos(as) ‘ditadores(as)’ de plantão?
Caminhou-se
muito, mas não se andou quase nada. A história de um fracasso, de uma derrota.
A riqueza de “Confesso que Perdi” vem disso: histórias que bem retratam que os
biltres vencem ‘de braçada’. A mesma canalha de ontem opera a vida nacional
hoje. Uma reflexão de que deveríamos começar a flertar com uma ruptura por
conta do seguinte cenário.
Vários jovens, doze
a quinze anos mais novos do que esse carcomido merceeiro, entregam-se ao
niilismo sem maiores resistências. Pudera! A ausência de alternativas para os
mais novos nada mais é do que o fracasso da geração anterior. Nada muito novo
em termos de história da humanidade (o que chamamos de “gap” geracional): desde
que o mundo é mundo, há o famoso conflito de gerações. Contudo, deixá-los (os
mais jovens) com opções podres e tóxicas soa como uma tremenda sacanagem sem o
menor sinal de indenização.
No caso dos mais
jovens começar a atacar os mais antigos, é compreensível...
... a herança
deixada parece ser a mais nefasta possível.
O que os mais
velhos fazem?! Não admitem a derrota! Não admitem que erraram (feio!) em seus
intentos. Não admitem que, por ingenuidade ou vaidade, transformaram tudo para
bem pior, delegando muito sofrimento para as gerações vindouras.
Juca Kfouri é
Juca Kfouri: o primeiro a iniciar uma fase tremendamente saudável da vida
brasileira em que as gerações anteriores precisariam, para ontem, tornar
público o “... desculpem nossa falha...”.
A aceitação da
derrota é saudável. É o primeiro passo para estancar a sangria. O primeiro
passo para uma definitiva transformação para melhor.
“Confesso
que Perdi”
(Memórias)
de Juca Kfouri
247
páginas
Editora:
Companhia das Letras
Ano:
2017
Capa:
Rodrigo Maroja
Revisão:
Jane Pessoa e Márcia Moura
Preço
médio: R$ 40,00
Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 48 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É avesso a hermetismos
e herméticos em geral,
e escreve semanalmente em
LEVA UM CASAQUINHO
No comments:
Post a Comment