Thursday, May 10, 2018

DERROTAS (por Marcelo Rayel Correggiari)



A Literatura é um guarda-sol (ou guarda-chuva) gigantesco...
... sob sua sombra (ou sua proteção), centenas e centenas de outras modalidades cuja catalogação é de enlouquecer qualquer um.
Na prosa de não-ficção, ‘o trem’ é de deixar maluco(a) qualquer estudioso(a) da área: são nomes e mais nomes que partem dos diários (como os de viagem, por exemplo), chegando ao livro de memórias (um que esse modesto merceeiro recorda, o “Verdade Tropical”, de Caetano Veloso), sem contar com demais modalidades como as biografias, romances biográficos, livros-reportagem, e por aí vai...
Nessa semana, os holofotes apontam para “Confesso que Perdi”, um livro de memórias do jornalista Juca Kfouri. Em torno de suas 240 páginas, o relato de uma mente tão consciente que confessa sua geração ora canalha, ora ingênua por achar que suas ações resultariam “... num mundo melhor...”.
A coragem, acima de tudo! A coragem de saber identificar que a quantidade de derrotas vem sendo quase que infinitamente maior do que a de vitórias.
Juca Kfouri só nasceu corintiano por conta da família, pelo que pareceu. É o corintiano mais santista que se tem notícia na história do Universo. Se bobear, ele deve saber mais do Santos do que o querido Guilherme Gauche, do departamento de história e estatística do renomado clube.
Livros de memórias, assim como os documentários (no cinema), são ‘um recorte’. A história contada por um dos pontos de visão em torno dos objetos a serem contemplados. Em seu livro, Juca une os pontos que melhor retratam a conjuntura atual: um país perdido na corriqueira inabilidade de enxergar (e identificar!) suas pontencialidades.
Um país perdido no câncer do patrimonalismo que habita as raízes de cada brasileiro(a), independente de sua condição ou classe social, e que muito alimentam os eternos, gigantescos, esquemas de corrupção que assolam este sofrido lugar.
Só por isso, é desnecessário dizer que a obra valerá sempre sua (re)leitura.
Além de uma política rastaquera que diminui a grandeza do país onde habitamos, Juca também conta em quais pontos a miséria da vaidade pode fazer qualquer bom trabalho ou intenção jamais sair do lugar. Ora pela ingenuidade, ora por caráteres deformados, o jornalista ilustra bem como um “projeto de nação” ou qualquer outro “... projeto de qualquer coisa...” pode marcar passo ‘ad eternum’.
Permeado de histórias saborosíssimas, “Confesso que Perdi” traz à baila um assunto que, em breve, deverá chegar em nossas rodas-de-conversa: fizemos certo?! Estamos fazendo certo?! Em que ponto há severos ‘desvios de função’ que colocam tudo a perder? Lutamos muito, mas qual tipo de luta, quais substanciais vitórias realmente conseguimos?
A cada dia que passa, reparamos bem (e muito!) que os(as) mesmos(as) atores, por exemplo, que atuaram ao longo de 21 anos de ditadura militar são os(as) mesmos(as) que operam a política em nosso país hoje em dia. A transição careceu de ruptura? Deveríamos praticar essa ruptura em 1985? Quais seriam as implicações se resolvessemos praticar essa ruptura agora?
A ditadura militar realmente acabou? Ou o cenário de hoje nada mais é do que sua segunda-terceira fase, posto que a tal “transição” foi branda, e sempre sob a batuta dos(as) ‘ditadores(as)’ de plantão?
Caminhou-se muito, mas não se andou quase nada. A história de um fracasso, de uma derrota. A riqueza de “Confesso que Perdi” vem disso: histórias que bem retratam que os biltres vencem ‘de braçada’. A mesma canalha de ontem opera a vida nacional hoje. Uma reflexão de que deveríamos começar a flertar com uma ruptura por conta do seguinte cenário.
Vários jovens, doze a quinze anos mais novos do que esse carcomido merceeiro, entregam-se ao niilismo sem maiores resistências. Pudera! A ausência de alternativas para os mais novos nada mais é do que o fracasso da geração anterior. Nada muito novo em termos de história da humanidade (o que chamamos de “gap” geracional): desde que o mundo é mundo, há o famoso conflito de gerações. Contudo, deixá-los (os mais jovens) com opções podres e tóxicas soa como uma tremenda sacanagem sem o menor sinal de indenização.
No caso dos mais jovens começar a atacar os mais antigos, é compreensível...
... a herança deixada parece ser a mais nefasta possível.
O que os mais velhos fazem?! Não admitem a derrota! Não admitem que erraram (feio!) em seus intentos. Não admitem que, por ingenuidade ou vaidade, transformaram tudo para bem pior, delegando muito sofrimento para as gerações vindouras.
Juca Kfouri é Juca Kfouri: o primeiro a iniciar uma fase tremendamente saudável da vida brasileira em que as gerações anteriores precisariam, para ontem, tornar público o “... desculpem nossa falha...”.
A aceitação da derrota é saudável. É o primeiro passo para estancar a sangria. O primeiro passo para uma definitiva transformação para melhor.
“Confesso que Perdi”
(Memórias)
de Juca Kfouri
247 páginas
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2017
Capa: Rodrigo Maroja
Revisão: Jane Pessoa e Márcia Moura
Preço médio: R$ 40,00



Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 48 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É avesso a hermetismos
e herméticos em geral,
e escreve semanalmente em
LEVA UM CASAQUINHO

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