por
Ricardo Vieira Lisboa
(de
Lisboa) para
“Un
Beau Soleil Interieur” (Deixe A Luz do Sol Entrar, 2017) é, logo a começar pelo
título, uma estranha paródia. Donde poderá vir tal expressão? Sol
interior?Belo? De algum livro de auto-ajuda? Nem mais. Na sequência que tudo
clarifica e tudo literaliza, a cena final, a protagonista Isabelle (Juliette
Binoche a fingir que é Isabelle Huppert) encontra-se com um vidente/coacher
emocional (Gérard Depardieu) que na vagueza das suas palavras desencanta a
expressão que intitula o filme. Uma conversa que tudo diz para quem nela quer
ouvir o que deseja – e que se prolonga infinitamente, ainda que nada de
interesse se oiça (não por acaso correm os créditos sobre essas palavras).
Denis parece querer fazer com “Deixe A Luz do Sol Entrar” uma espécie de
comédia romântica como mandam as regras da fórmula, mas sendo Claire Denis
falha redondamente. E é nessa falha, nesse intervalo estreito entre o
formulaico do rom-com e o cinema de autor do controlo sóbrio, que surge um
filme estranhíssimo. Um melodrama que nunca chega a sê-lo, uma comédia que
nunca dá exatamente para rir, uma paródia que se leva a sério, uma astúcia
inconsciente, enfim, um desfile de personagens que sofrem de uma infantilidade
emocional exasperante. E que por causa disso se magoam, mutuamente, em batalhas
campais de sentimentos nefastos. Coisa diabólica na inconsequência da dor que
causa – e só faz rir porque chorar é demasiado cliché.
Um
filme que retrata esse desespero que corre no vazio, o desamor sem fundo, as
expectativas construídas no ar. Mas donde vem tudo isso, todo esse desalento
emotivo? Das comédias românticas, lá está. Lato sensu… Das efabulações poéticas
do amor. E se o filme adapta livremente os Fragmentos de um Discurso Amoroso de
Roland Barthes, apetece dizer que na verdade Denis é mais crente no Lacan, “o
amor está já desde há algum tempo separado da beleza”. Daí a acidez irónica do
título. Porque segundo Denis (e Lacan e demais carpideiras das possibilidades
transfiguradoras do amor, da alegria e da felicidade) “o amor ter-se-á
transformado numa banalidade sórdida, num lamentável fiasco entre corpos”. “Deixe
A Luz do Sol Entrar” será portanto a afirmação triste (e até nostálgica) disso
mesmo: de que as projecções imaginárias
no amante conduzem a um confronto violento com a dura realidade. Confronto
esse que é tanto mais doloroso quando se esperaria que a meia-idade dos vários
personagens, a classe, os conhecimentos e as sensibilidades (artísticas)
trariam consigo uma maturidade qualquer. Longe disso. A adolescência vigora, ad
aeternum, como espécie de condenação perversa dos românticos.
DEIXE A LUZ DO SOL ENTRAR
(Un Beau Soleil Intérieur, 2017, minutos)
Roteiro e Direção
Claire Denis
Elenco
Juliette Binoche
Gérard Depardieu
Nicolas Duvauchelle
Xavier Beauvois
Cotação
Em Cartaz no Roxy Pátio Iporanga
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