Lá vai o primeiro causo protagonizado por Correa, o taxista da Realejo, a minha livraria e editora.
Não é raro acontecer de dormirmos no ponto e comermos bola, perdermos um bom livro e uma boa venda.
Isso se deu comigo num dos maiores sucessos da nossa história editorial.
Quando Laurentino Gomes começou a se tornar um fenômeno eu não fazia a menor idéia de quem ele era.
Acho que foi no Jô uma das primeiras entrevistas do jornalista, digo acho porque é acho mesmo, estava boiando, como diz o outro.
Estava no meu balcão quando pela primeira vez ouvi o pedido.
Já recebeu o 1808?
Qual livro?
1808, não assistiu o Jô? Passou na semana passada.
Pedi uns dois exemplares. Vi a capa e torci o nariz.
Achei espalhafatoso aquele mega subtítulo “Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil”, coloquei na vitrine e pronto, vendemos os dois em minutos.
Tentei desesperadamente repor, mas o 1808 estava esgotado, o meu faro passava por uma coriza, que entupiu as minhas narinas. Meus avós libaneses se reviraram no túmulo... vai perder vendas lá longe!
Quando depois de umas duas semanas resolvi o estoque com uns 50 exemplares, tive outra percepção do livro. Li com mais calma a apresentação, o subtítulo e o perfil do autor. Comecei a admirar o projeto.
Quando li o livro saquei a pegada do autor. Contar a história com uma investigação jornalística dos fatos era como ler uma reportagem de 200 anos, mas com sabor de descoberta.
Virei defensor do livro.
Entrei em contato com a Planeta e pedi uma data para a vinda do Laurentino à Santos.
Fui atendido e fizemos uma bela noite com os fãs do livro, num teatro do SESC às escuras, num blecaute de mais de uma hora que nos fez falar sem microfone, sentados com as pernas balançando à beira do palco.
Quando a luz voltou, continuamos o papo, ovacionados pelo público que aplaudia o nosso esforço.
Mais adiante o já amigo Laurentino fechou conosco o primeiro lançamento do seu inédito 1822.
Foi em Santos, no edifício do Museu do Café, a estréia das campanhas do seu segundo livro.
Mas por volta de um ano e meio antes deste segundo sucesso chegar ao mercado houve um episódio pitoresco.
Li na coluna da Mônica Bergamo que a então editora do Laurentino, a Planeta, havia soltado no mercado vários exemplares do 1808 com um problema grave, um caderno intruso no interior do livro.
Houve um desgaste entre autor a editora, o primeiro se sentindo prejudicado pela lentidão em resolver e assumir de uma maneira mais contundente o deslize editorial.
Pode se imaginar o rebuliço no mercado no dia da publicação da colunista. Editores se ofereciam ao autor que poderia mudar de casa editorial em função do tal desgaste. Até este pequeno e destemido editor arriscou uma ligação pro homem de centenas de milhares de vendas.
Laurentino é mesmo um gentleman, sua agente também. Os dois toparam receber uma proposta editorial vinda do litoral paulistano.
Quando a Carmen (sua dedicada agente e esposa) agendou a data da reunião eu gelei. Mesmo sabendo ser um azarão fiquei com medo real de ter a resposta positiva.
Como faria com logística, tiragens de 100 mil exemplares por semana, e outras grandes notícias que deveriam se suceder, uma em cima da outra?
Quando me acalmei comecei a organizar o time. Convidei um advogado que por sua vez convidou um investidor, dono de uma importante gráfica, para participar do empreendimento.
Da minha parte contribuí com a proximidade do autor (e a faísca da idéia), o conhecimento das etapas de produção de um título e o motorista, que nos levou (eu, Laurentino e Carmen) ao local do encontro, a gráfica.
Na véspera liguei pro Correa, o taxista e disse:”Correa, amanhã dia de gala! Vamos subir a serra pra fechar um negocião!
Mas preciso combinar contigo uma coisa, ou melhor duas. Arruma um carrão filmado e põe gravata. Amanhã vamos impressionar, depois te explico melhor.
Também combinei para que ele ficasse quase mudo, abrir a porta para entrar e sair, tipo motorista particular.
Deixa comigo Zé Luiz, falou o Correa, já se divertindo com a cena toda.
O Correa foi perfeito, eu tentei fazer a minha parte e o Laurentino fechou com a grande Ediouro (mas a amizade continua até hoje).
Espero que ele entenda os arroubos de um sonhador que queria impressionar os seus avós.
Obrigado pelas oportunidades, Laurentino!
PS: Hoje, o Correa tem um carro bonitão, filmado, a Realejo já soma mais de 50 títulos com traduções e finais do Jabuti. Se tiver outra chance não vou gelar. Vovós, estamos aí!
José Luiz Tahan, 41, é livreiro e editor.
Dono da Realejo Livros e Edições em Santos, SP,
gosta de ser chamado de "livreiro",
pois acha mais específico do que
"empresário" ou "comerciante",
ainda mais porque gosta de pensar o livro
ao mesmo tempo como obra de arte e produto.
Nas horas vagas, transforma-se
no blues-shouter Big Joe Tahan.
(a ilustração acima é do Seri)
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