Thursday, September 3, 2015

MERYL STREEP E JONATHAN DEMME BRILHAM NUM DELICIOSO DRAMA FAMILIAR ROQUEIRO

por Chico Marques
para BLACK AND WHITE IN COLOUR


Para atrizes como Meryl Streep, não existe papel ruim. 

O que existe é roteiro ruim ou diretor inexpressivo. 

Por conta disso, ela -- que é conhecida por não medir esforços para compor seus personagens -- nunca embarca num projeto sem antes saber qum vai estar à frente dele. 

Verdade seja dita: Meryl é uma das pouquíssimas atrizes de sua geração capaz de protagonizar filmes atualmente, pois possui carisma e apelo de público fortes o suficiente para atrair multidões para as salas de cinema com a simples menção de seu nome no elenco. Ninguém tem peito de chegar para ela e dizer: "Desculpe, Meryl, mas esse papel não serve para você, você é uma mulher de 66 anos de idade". Se ela acha que pode fazer, vai e faz. Tem bom senso para saber onde se mete.

Todo esse cuidado é para não cair em roubadas, e também para manter sua carreira fora da mira de fogo dos detratores profissionais da "imprensa especializada" -- sim, eles mesmos, aquelas criaturinhas rastejantes que vivem à margem da Industria Cinematográfica e que todo ano elegem um ator ou uma atriz que tenha protagonizado algum eventual fiasco de bilheteria como "bola da vez", para logo a seguir promover um verdadeiro trabalho de demolição em sua carreira.

Como Meryl sempre soube impor respeito de uma maneira bem peculiar, nunca foi alvo de campanhas difamatórias desse tipo. Daí, segue tranquilamente com sua carreira se dedicando apenas ao cinema e ao teatro, enquanto praticamente todas as suas colegas de geração mudaram de mala e cuia para as séries de TV.


Meryl Streep e o diretor Jonathan Demme se conhecem há muitos anos. Um sempre foi admirador incondicional do trabalho do outro. Mas por impossibilidade nas agendas ou por restrições de orçamento em suas produções, Jonathan nunca pode contar com a presença de Meryl encabeçando o elenco de seus filmes. Até agora.

"Ricki And The Flash", o novíssimo filme de Jonathan Demme, traz Meryl Streep no papel de Ricki, uma mãe de classe média que, para se dedicar ao seu sonho de ser cantora de rock, deixou seus filhos com seu ex-marido Pete, interpretado por Kevin Kline, para se dedicar integralmente a sua carreira como vocalista do grupo The Flash. 

Os anos passam e, de repente, ela é obrigada a voltar para casa e retomar seu papel de mãe quando fica sabendo que sua filha mais nova, Julie (Mamie Gummer), foi vítima de um colapso nervoso durante o processo de separação de seu marido, e está precisando desesperadamente de apoio familiar.

Para Ricki, roqueira habituada com a vida na estrada, essa volta para casa e para suas antigas rotinas é desesperadora. Mas não há outra saída, o jeito é se readaptar à vida em família da maneira que for possível. E eis que nos vemos mais uma vez diante de uma deliciosa família disfuncional americana moderna, tão surpreendente, cativante e turbulenta quanto a de "O Casamento de Rachel", penúltimo filme de Demme, de 1998, escrito pela talentosa roterista Jenny Lumet (filha do saudoso diretor Sidney Lumet).


Quem assina o roteiro de "Ricki And The Flash" é a premiada Diablo Cody -- de "Juno" (2008) e "Paradise" (2013). Ela deita e rola criando personagens que escapam do óbvio o tempo todo, e que não cansam de disparar diálogos ácidos e inteligentes a torto e a direito. 

Tanto Diablo Cody quanto Jonathan Demme parecem partilhar do mesmo entusiasmo por esses novos formatos familiares americanos que possuem uma dinâmica de relações muito peculiar e nada tradicionalista, e que é sob medida para investidas dramatúrgicas novas e diferenciadas. 

Aqui, mais uma vez, Meryl tem o imenso prazer de contracenar com sua filha, a talentosa e promissora Mamie Gummer, que, aos 32 anos de idade, já possui bagagem de carreira suficiente para desenvolver uma carreira longe da sombra da mãe. Sua performance como Julie é, no mínimo, brilhante. O contraponto entre a despachada mãe hard-rocker e a filha absolutamente fragilizada é algo jamais visto antes no imaginário cinematográfico de Hollywood. E o resultado é simplesmente notável.



 Aos 71 anos de idade, Jonathan Demme continua um renovador do cinema americano. 

Sua zona de conforto reside na instabilidade, no incerto, e ele não cansa de seguir em frente se reinventando de tempos em tempos. 

Tem sido uma longa estrada desde os road-movies que Demme rodava dos anos 70, como "Melvin & Howard", até as comédias selvagens "Totalmente Selvagem" e "Casada Com A Máfia", para enfim chegar ao drama sempre apostando em abordagens inusitadas, como em "O Silêncio dos Inocentes", "Philadelphia" e "O Casamento de Rachel".

Quando aos atores, Kevin Kline está magnífico como Pete, o ex-marido amargurado e rabugento. Rick Springfield, ex-teen idol, hoje sessentão, está surpreendente como o namorado de Ricki, guitarrista e parceiro em sua banda The Flash. E Meryl está um arraso como a mãe roqueira com roupas de couro e uma atitude cotidiana que lembra qualquer coisa, menos uma "all-american mom".



Enfim, temos aqui um drama familiar rock and roll, recheado com vários números musicais muito bons, onde Meryl, mais uma vez, mostra que leva jeito para a música também. Além de cantar muito bem, consta que, para dar maior credibilidade ao seu personagem, ela dispensou dublês de mãos e passou algumas semanas tendo aulas para aprender a dedilhar guitarras e assim compor melhor sua adorável personagem Ricki. 

Eu não duvido. Meryl nunca mediu esforços para criar personagens absolutamente verossímeis. Não ia ser agora, quando ela finalmente conseguiu acertar sua agenda com a de Jonathan Demme, que isso seria diferente. 

Um filme delicioso. Para não perder de forma alguma.



RICKI E THE FLASH
RICKI & THE FLASH
(2015 - 102 minutos)

Direção
Jonathan Demme

Roteiro
Diablo Cody

Elenco
Meryl Streep
Kevin Kline
Rick Springfield
Mamie Gummer
Sebastian Stan
Rick Rosas
Bernie Worrell



em cartaz no Roxy Iporanga 4
e no Cinemark Praiamar Shopping





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