Friday, September 4, 2015

COMO DE TUDO E COMO EM QUALQUER LUGAR, MAS NA MASSENARIA NÃO COMO NUNCA MAIS



Eu odeio cozinhar desde pequenina. 

Minha mãe me obrigou a aprender a preparar o básico do dia a dia lá na cozinha de nossa fazenda em Muzambinho, e eu tive que aprender. 

Não havia escapatória: todas as mulheres da família tinham a obrigação de saber cozinhar. Família mineira, sabe como é... 

Daí, eu aprendi. 

Mas, como nunca treinei, e o tempo passou, eu esqueci tudo.



Mas não pense que sou do tipo de pessoa que adora frequentar restaurantes. Não me sinto à vontade na maioria deles. Gosto apenas de dois ou três, que conseguem fazer com que eu me sinta em casa. 

Ma mesma medida em que não gosto de ser mal-atendida, também não curto ser paparicada, ainda mais por garçons sorridentes capazes de qualquer coisa por uma gorjeta. 

Daí, eu evito para não me aborrecer. Só frequento mesmo só se for por obrigação de trabalho ou família. 

E sempre que gosto muito da comida de um deles, já pergunto se tem serviço de delivery. Nada como comer comida de restaurante no aconchego do lar. 

Sendo assim, confesso que não entendi quando me propuseram fazer essa coluna semanal COMENDO PELAS BORDAS. Não sou gourmet, nem gourmand. Gosto de gomida saborosa, ponto. Comida de travessa, do tipo que serve bem uma família inteira. Até gosto de um prato bem montado. Mas tem que ser farto. O que a maioria desses chefs de cozinha faz por aí beira o ridículo. Um dia desses vi um deles na TV preparando cordeiro com molho à base de mango chutney. Devia estar delicioso. Mas o prato era tão ridiculamente pequeno que só posso presumir que quem almoçou aquilo deva ter parado no primeiro boteco de esquina e devorado uns dois ou três torreminhos fritos para "completar o tanque".

Enfim, propus ao editor de LEVA UM CASAQUINHO que não gostaria de ficar restrita aos restaurantes novos e arrumadinhos, e que adoraria poder enveredar por espeluncas e restaurantes duvidosos em cantos meio inóspitos de Santos e adjacências. 

Ele aceitou, sem ressalvas. 

Propus também que pudesse fazer do meu comentário uma espécie de crônica, onde, paralelo à análise do restaurante e dos pratos em questão, relataria minhas aventuras amorosas recentes, já que sempre que saio para comer levo comigo alguma "tipa" com quem esbarrei por aí, em alguma quebrada. 

Meu editor aceitou também. 

Só fez uma pequena ressalva: pediu que eu evitasse ser tão hardcore em descrições de atos sexuais, pois alguns leitores ficaram um pouco chocados quando relatei minhas experiências com "fisting" numa crônica mais "saidinha" alguns meses atrás. 

Aceitei o argumento. 

Aquilo realmente foi um exagero de minha parte. 

Vou tentar me ater mais à mesa e menos à alcova -- mesmo sabendo que uma coisa quase sempre leva à outra.



Pois bem: tenho trabalhado menos nesses últimos dois meses, pois estou ensaiando para me aposentar no ano que vem, quando completar 70 anos de idade. 

Pretendo continuar trabalhando como jornalista, mas sem deadlines muito rígidos, e se possível distante de cargos administrativos. 

Quero ser apenas cronista e, talvez, me dedicar a algum projeto pessoal, como um romance ou uma autobiografia romanceada. Histórias para contar não irão faltar, com certeza. 

No último final de semana, por exemplo, rolou uma história bem interessante. Recebi na última quinta feira um telefonema de uma mulata encantadora que conheci tempos atrás na Greve dos Caminhoneiros, e que não via há meses.


Seu nome é Janine. Um mulherão. Nunca rolou nada entre nós, apesar de eu ter insistido um bocado meses atrás. E quando parecia que algo ia rolar, ela saiu de mansinho e me apresentou para sua irmã Jacyrene, sapa assumidíssima, com quem acabei vivendo um tórrido final de semana. 

Mas, por melhor que tenha sido minha troca de fluídos com Jacyrene, não era ela quem eu queria. Eu queria Janine. Fiquei encantada com aquela rainha do ébano com aquele sorriso gigantesco. Que mulata espetacular. A seu favor, seu corpaço, seus quase 1.90 de altura, seu jeito brejeiro. Contra ela, apenas o fato de ser fã incondicional da Alcione.



Ficamos conversando e colocando a conversa em dia, até que, depois de meia hora, propus a ela nos encontrarmos no fim de semana -- e ela respondeu que topava, pois estava morrendo de saudades e tinha um assunto mal resolvido comigo. 

Convidei-a para jantar comigo no sábado à noite. Ela disse que sábado não seria possível, pois estava pensando em comprar ingresso para o show do Fábio Jr. 

Perguntei a ela se iria ao show sozinha ou acompanhada. "Acompanhada... por você, claro", ela disse. 

Me prontifiquei a providenciar ingressos para o show, e caprichei: consegui dois ingressos bem nas fileiras da frente. 

A idéia de devorar aquela mulata king-size, ou ser devorada por ela, ou -- melhor ainda -- as duas coisas juntas, começou a me enlouquecer, mas tratei de me controlar. 

Combinei de passar na casa de Janine por volta de 21 horas de sábado, e fui pontualíssima. 

Ela me recebeu na porta de casa sorrindo, usando uma roupa colada no corpo que alternava imitação de couro com imitação de pele de onça pintada. 

Fui ao delírio só de contemplar aquele corpo já não mais escultural, mas ainda extremamente vistoso, com tudo em cima aos quarenta e tantos anos, e presumi que ela iria roubar a cena com aquela roupa de passista de Escola de Samba. 

Ledo engano, tinha um monte de mulheres vestidas de forma semelhante naquela noite no Mendes Convention Center.



(pequena pausa para tentar descrever o Mendes Covention Center: um lugar assustador, repleto de estátuas de péssimo gosto que brotam das paredes de mármore, um verdadeiro pesadelo arquitetônico, extremamente mal projetado, mas, infelizmente, o único lugar em Santos amplo o suficiente para receber com conforto a legião de fãs de Fábio Jr)



Pois bem: o show só foi começar por volta de meia-noite, mas bastou Fábio Jr subir ao palco para a mulherada ir ao delírio. 

Aos gritos de "gostoso", "tesão", "fofinho" e "casa comigo", Fábio desfilou seus grandes sucessos em dois sets de cerca de 10 músicas cada. 

Janine amou o show, balançava os braços erguidos ora para a direita, ora para a esquerda, a cada música que ele cantava -- e, claro, chorava copiosamente toda vez que ele começava a cantar um número mais lento. 

Enfim... a mulata king-size se esbaldou e saiu de alma lavada, me abraçou e me beijou sei lá quantas vezes durante o show, gargalhando ao dizer: "Obrigaduuu por me trazer aqui". 


Quando saímos de lá, pouco antes das duas da manhã, Janine estava faminta. Antes mesmo que eu propusesse irmos até o Almeida -- um restaurante tradicional de Santos de que gosto muito, não exatamente pela comida, que não é nada demais, mas por conta de um garçon húngaro extremamente desbocado e divertido que sempre faz festa quando chego por lá --, ela apontou para o outro lado da Avenida onde fica o Mendes Convention Center e disse: "Que tal comermos uma pizza?"



Eu confesso que tremi quando vi o nome da Pizzaria para onde ela apontou: Massenaria. Um trocadilho absolutamente horrendo e imperdoável. Parecia uma daquelas casas tipo Grupo Sérgio que existiam em cada esquina duas décadas atrás e depois, felizmente, desapareceram. 

Pois essa aqui sobreviveu, sabe-se lá como. Comida ruim. Ambiente ruim. Atendimento ruim. Tudo ruim. Janine, no entanto, ainda estava sob o encanto do repertório de Fábio Jr e não estava nem aí para esses detalhes. Assim que olhou para o cardápio e viu por lá um troço chamado "Pizza de Lasanha", não teve dúvidas. Disse ao garçon: "Eu quero essa aqui."

Eu, assustada, pedi uma pizza de calabreza com cebola. Pedi também uma cerveja. "Só tem Devassa", disse o garçon. Pensei comigo mesma: "Isso pode ser um bom sinal."

Mas a cerveja não estava gelada. E quando as pizzas chegaram, tomei um susto: a minha parecia nem ter ido ao forno, pois a calabreza e a cebola nem suadas estavam. Presumi que tivessem sido adicionadas depois que o disco de massa saiu do forno. Ou que o forno já estivesse meio apagado.



Janine se esbaldou devorando sua Pizza de Lasanha, uma gororoba indescritível que combinava pedaços de queijo, presunto, carne moída e (acho que) uns pedaços de massa de macarrão. 

Pensei pedir a Janine um pedaço pequeno para experimentar -- curiosidade profissional, poderia não ser tão horrenda quanto aparentava ser --, mas achei melhor não. Poderia estragar a noite. E tínhamos uma noite e tanto ainda pela frente.



Quando paguei a conta, seguimos para o carro, que ainda estava no Estacionamento do Mendes Convention Center. 

Ao entrarmos, ela me perguntou: "E então... você vai me levar para onde?" 

Respondi que poderíamos escolher entre 3 opções diferentes. 

A primeira, minha cobertura de frente ao mar no Canal 1 -- que está uma bagunça, pois estou de mudança na próxima semana para um apartamento menor e mais adequado ao padrão de vida que pretendo levar a partir do momento em que me aposentar. 

A segunda, meu novo apartamento num condomínio no Ilha Porchat, que ainda ainda está sem mobília alguma -- mas está limpinho, podemos rolar à vontade pelo chão. 

E a terceira opção seria um hotel qualquer, onde nos instalaríamos confortavelmente e tomaríamos café juntas no domingo pela manhã.



Foi quando ela sorriu e propôs uma quarta opção: sua casinha na Cidade Náutica. E lá fomos nós para São Vicente. 

No caminho, ela me contou que pensou muito antes de me procurar pois estava com medo de experimentar sexo com uma mulher. 

Contou também que morreu de inveja de sua irmã Jacyrene quando, apavorada com minhas investidas, a convocou para me entreter, para assim poder fugir da raia sem fazer desfeita da última vez que nos vimos.

Quando Jacyrene contou a ela tudo o que rolou no nosso fim de semana juntas, ela caiu na real e se tocou que perdeu uma excelente oportunidade de se divertir um bocado e expulsar as teias de aranha do meio de suas pernas.  

Então, chegamos à casa de Janine. A sala de estar era bem simples e bem limpinha. A cozinha, pequena e pouco aparelhada. O lavabo, limpinho e minúsculo. E num dos dois quartos funcionava um escritório, onde ela gerenciava seu trabalho com o caminhão.

Seu quarto de dormir, no entanto, destoava de todo o resto. Era enorme. Parecia uma suite de motel. O quarto e o banheiro eram divididos no meio por um vidro blindex. Tinha uma jacuzzi grande, uma cama king-size com colchão d'água, espelho no teto, espelhos nas laterais, uma TV enorme, luzes de várias cores e até uma maquininha de fazer fumaça, que ele tinha acabado de comprar num site chinês, para, segundo ela própria, dar um clima de sonho à sua estréia na "Velcrolândia". 

Ou seja: eu havia sido convocada como uma meio termo entre mestre de cerimônias e guia turística para sua entrée nesse admirável mundo novo.



Fiz questão de introduzí-la gentilmente em todas as modalidades de sexo lésbico que não tivessem uma pegada mais punk hardcore, para não assustá-la. 

E então, na manhã de domingo, Janine era uma nova mulher.

 Almoçamos no Gaudio, perto da Biquinha, em São Vicente, um restaurante sempre cheio de turistas e casais gay. Futuramente, volto a falar dele. É um restaurante bom, generoso e pitoresco, do qual gosto muito e que merece uma crônica só para ele. 

Na tarde de domingo, de volta para o quarto de motel de Janine, embarcamos num rala e rola frenético enquanto rolava um DVD com o desfile das escolas de samba do Rio deste ano. Foi uma farra e tanto! 

E, então, no início da noite, assistimos ao filme "The Kids Are Alright" com a Annette Benning, Julianne Moore e Mark Ruffalo, que, por um acaso, estava no pen-drive em minha bolsa.



 Quando o filme terminou, Janine me sorriu para mim e perguntou: "Puxa, você confia mesmo no seu taco, não?". Respondi com um sorriso, e novamente mergulhei nas carnes da minha "dream mulata". Só parei para "palitar os dentes" na segunda de manhã. 

Verdade seja dita: Janine é, sem dúvida, uma mulher para mais de 20 talheres. Há muito tempo não pegava uma dessas pela frente.


  
Nos falamos algumas vezes de segunda para cá, mas não nos vimos mais desde então -- até porque minha mudança de apartamento acabou se revelando bem mais complicada do que imaginei que seria. 

Mas assim que estiver tudo funcionando, e a máquininha de fazer fumaça que acabo de comprar for entregue pelo correio, convido Janine para um "test-drive carnal" no meu novo cafofo com vista privilegiadíssima para o Oceano Atlântico.

E vamos em frente, comendo pelas bordas, que é o que nos resta.





JUREMA CARTWRIGHT 
escreve sobre lesbianismo 
e baixa gastronomia 
toda sexta-feira em 
LEVA UM CASAQUINHO

Diante da ruindade absoluta 
da MASSENARIA,
COMENDO PELAS BORDAS 
se nega veementemente 
a indicar seu endereço 
a seus leitores e leitoras 



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