Guillermo Cabrera Infante nasceu em Gibara, Cuba, em 1929. Jornalista, crítico de cinema e escritor, chegou a ser preso pelo governo de Fulgencio Batista. Depois da revolução de 1959, participou do Conselho Nacional de Cultura. Foi adido cultural de Cuba em Bruxelas entre 1962 e 1965, quando rompeu com o regime de Fidel Castro. Ganhador do prêmio Cervantes de 1997, é autor de romances, contos e ensaios. Naturalizado britânico, morreu em Londres em 2005. Entre suas obras de ficção destacam-se Três tristes tigres, Havana para um infante defunto e A ninfa inconstante. Esse grande autor em FUMAÇA PURA, livro que me despeço, passo para as mão do Professor Ronaldo conta que quando os navegantes espanhóis descobriram a América, uma imagem imediatamente os surpreendeu: a de indígenas aspirando, de uma forma que prenunciava o charuto e o cigarro, a folha de uma planta mais tarde batizada como tabaco. Ao longo desses 500 anos, cercado de controvérsias, foi alvo de execrações, restrições, proibições.( Aqui no Brasil uma das pautas do Bispo Sardinha era combater o vicio dos portugueses, mas os Caêtes liquidaram o Bispo ) Mas, ao mesmo tempo, de diversos modos e em escala crescente, foi usado como instrumento de prazer e sedução, como indicador de status e, em ocasiões cruciais, como símbolo de vontade e determinação: quem pode separar Churchill de seu charuto? É essa conturbada mas fascinante viagem do tabaco através dos séculos e dos continentes que nos conta Guillermo Cabrera Infante. O escritor capta a trajetória do tabaco, através de uma longa cadeia de episódios curiosos e interessantes, protagonizados por famosas personalidades do passado e do presente, com destaque para a gente da poesia, do romance, da música, das artes, do teatro, do cinema e da tevê. Tudo narrado com o conhecimento e a autenticidade de quem quase nasceu com um charuto entre os dedos, tornou-se um dos romancistas mais apreciados da atualidade e não se inibe em demonstrar, com a ajuda do seu grande senso de humor, que há boas e saborosas maneiras de transformar em pura fumaça as tensões e os transtornos da vida contemporânea. Não há como deixar de lembrar de Baudelaire.
de O Senhor Valery, de Gonçalo M. Tavares
- O senhor Valéry era perfeccionista. Só tocava nas coisas que estavam à sua esquerda com a mão esquerda, e nas coisas que estavam à sua direita com a mão direita.
Ele dizia:
-O Mundo tem 2 lados: o direito e o esquerdo, tal como o corpo; e o erro surge quando alguém toca o lado direito do Mundo com o lado esquerdo do corpo, ou vice-versa.
Seguindo escrupulosamente esta teoria, o senhor Valéry explicava:
-Eu dividi a minha casa em dois, com uma linha.
E desenhava:
- Defini um lado direito e um lado esquerdo, assim, para os objetos do lado direito reservo a minha mão direita, e vice-versa.
Nesse momento, perante uma dúvida colocada por um amigo, o senhor Valéry explicou:
-Aos objetos muito pesados coloco-os exatamente com o seu centro na linha.
E desenhou:
-Assim posso carregá-los utilizando a mão esquerda e a mão direita, desde que tenha o cuidado de os transportar com o seu centro exatamente sobre a linha divisória. Para os objetos leves não necessito de tantas preocupações: mudo-lhes a posição apenas com uma das mãos. A mão certa, claro.
- Mas como manter esse rigor em todas as situações? Quando o senhor Valéry está de costas, por exemplo, como sabe qual a parte direita e esquerda da casa?
O senhor Valéry mostrou-se quase ofendido com a questão, pois não gostava de ser posto em causa, e respondeu, bruscamente:
-Eu nunca viro as costas às coisas.
(Isto era o que o senhor Valéry dizia, mas na verdade, para nunca se enganar, havia pintado todo o lado direito da casa, incluindo os seus objetos, de vermelho, e todo o lado esquerdo de azul. Assim se percebia melhor a verdadeira razão de o senhor Valéry ter pintado a sua mão direita de vermelho e a esquerda de azul. Não tinha sido um ato estético, como ele dizia. Era bem mais do que isso.)
Italo Svevo nasceu na cidade (agora) italiana de Trieste nos anos sessenta do sec. XIX, o seu nome verdadeiro é Aron Ettore Schmitz, adotando mais tarde o pseudônimo de Italo Svevo pelo qual ficou conhecido. Infelizmente enquanto Svevo foi vivo, a sua obra não foi reconhecida, razão pela qual ele nos deixou tão poucos livros, apesar de tudo e como "há razões que a própria razão desconhece", Svevo teve a sorte de ter como seu professor/explicador de inglês James Joyce, que leu alguns dos seus textos e reconheceu logo o enorme talento que Svevo tinha. Joyce e Svevo traduziram esta obra para francês, para ser publicada em Paris onde conheceu algum sucesso mas apesar disso tudo, como disse a carreira literária de Svevo foi muito pequena porque ele se dedicava mais aos seus negócios do que à literatura. Felizmente deixou esta grande obra, de uma enorme qualidade mas ao mesmo tempo divertida e irônica. O livro traz a "biografia" de Zeno Cosini que na sua luta interminável para deixar de fumar procura a ajuda de um psicanalista e este sugere-lhe como forma de tratamento que ele escreva a história da sua vida e que com isso descubra a razão pela qual não consegue deixar de fumar. A partir dai e sempre com um relação de amor/ódio com o psicólogo Zeno vai descrever toda a sua vida, num tom semi cômico e irônico, relata então as peripécias que passou, desde o relacionamento com o seu pai, a escolha da sua esposa, a sua (não) queda para os negócios, as atribulações com as amantes e a sua velhice. O livro é absolutamente delicioso, com passagens extremamente divertidas. Lobo Antunes "A Consciência de Zeno é um livro magnífico, todo em contenção apesar dos abandonos aparentes. É muito curiosa a forma como o autor pega e larga no texto que começa pela vontade de um homem em deixar de fumar e que Svevo, frase a frase, transforma numa vida inteira, através de uma escrita personalíssima."
MAIS UMA PÉROLA NA ESTANTE DOS ESQUECIDOS. CAFÉ PARA ANIMAR O SÁBADO. BOM DIA.
Carlos Eduardo "Brizolinha" Motta
é poeta e proprietário
da banca de livros usados
mais charmosa da cidade de Santos,
situada na Rua Bahia sem número,
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