por Carlos Cirne
para Colunas & Notas
A ideia geral que parece rondar Meu Rei é posse. O que é meu pode ser usado como eu bem entender. Ou, pelo menos, essa é a impressão que passa a personagem do incrível Vincent Cassel, Georgio, com relação a praticamente todos que o rondam. A começar pela desafortunada Tony (Emmanuelle Bercot, de Polissia, 2011), que seduz (ou é seduzida?) Georgio, se apaixona, casa, tem um filho, e quase enlouquece com os desmandos do egocêntrico marido.
Na realidade, egocentrismo não traduz exatamente Georgio. Em sua amoralidade não há nenhum impedimento a que ele, apesar de casado e com a esposa grávida, mantenha um caso permanente – e muito pouco discreto – com uma ex-namorada, Agnes (a top model francesa Chrystèle Saint Louis Augustin), que, aliás, é outra vítima de sua conduta errática.
A direção da prolífica Maïwenn (também roteirista do filme) contrapõe dois processos concomitantes para Tony: sua conturbada vida com Georgio, vista em retrospectiva, e seu processo de recuperação de um grave acidente de esqui, que a faz se submeter a meses de intensa fisioterapia, literalmente reaprendendo a andar. E este “reaprender” a andar serve como óbvia metáfora à vida pessoal de Tony também, na medida em que ela precisa reaprender a viver sem Georgio, por mais que ele tente a reaproximação.
O processo de Tony, apesar de muito claro para os circundantes, não parece tanto assim para ela. E não adianta a intervenção do irmão, Solal (Louis Garrel, fora do tipo habitual, mas carismático como sempre) que, mesmo muito presente, não consegue fazer com que ela se liberte da ascendência que o marido exerce. Esta é uma atitude que eventualmente será tomada apenas por decisão própria, e esta é sempre a mais difícil.
Como destaque o bom elenco masculino, encabeçado por Cassel e Garrel, mas principalmente a exuberante performance de Emmanuelle Bercot (Melhor Atriz em Cannes 2015), que se despe de qualquer vaidade para evidenciar o processo de submissão e retomada de Tony.
Um filme para interessados em discussões sobre os intrincados relacionamentos humanos, que certamente se beneficiaria de uns 20 minutos a menos em sua metragem original. Confira.
UM FILME SOBRE RELACIONAMENTOS ABUSIVOS
E O MAL QUE ELES PODEM PROVOCAR
por Davi Gonçalves
para CCine10
Tony e Georgio se conhecem casualmente e logo se apaixonam. Ela, mulher independente, é uma advogada bem-sucedida; ele, por sua vez um sedutor convicto, é dono de um restaurante e figura frequente nos eventos mais “moderninhos” da cidade. O relacionamento dos dois se intensifica, mas logo perde forças à medida que as diferenças entre eles ficam mais perceptíveis e cada um passa a conhecer o melhor e o pior do outro. Tempos depois, Tony, que está internada em uma clínica de reabilitação para se recuperar de um grave acidente de esqui, tem a oportunidade de olhar para trás e avaliar a turbulenta relação com o ex-marido.
O roteiro muito bem amarrado de Meu Rei intercala as sequências de terapia de Tony com os flashbacks que a levaram até aquela situação. A transição entre os dois núcleos, no entanto, é bastante sutil, quase imperceptível (o que pode até confundir o espectador menos atento), mesmo que haja diferenças entre eles: enquanto o presente é pontuado por muita luz natural (transmitindo a ideia de tranquilidade, paz, alívio de nossa protagonista), o passado é retratado através de uma montagem mais rápida e enérgica, reforçando toda tribulação daquele período.
Com personagens bem construídos, Emmanuelle Bercot e Vincent Cassel se sobressaem com suas performances poderosas. Enquanto a primeira nos faz sentir de perto sua dor, parecendo uma pessoa como qualquer um de nós (não à toa, Bercot levou o prêmio de melhor atriz em Cannes), Cassel é o maior acerto do filme. Ainda que a história seja de Tony, o ator francês encarna com perfeição o tipo “cafajeste” irresistível: aquele que você ama e quer por perto, mesmo conhecendo todos os seus defeitos. Arriscaria dizer que Meu Rei apresenta as melhores atuações da carreira da dupla. Outro destaque positivo fica por conta de Louis Garrel, muito à vontade como o antagonista Solal e com um timing cômico perfeito (aliás, sua personagem é o único “comic relief” da narrativa).
Dirigido por Maïwenn, Meu Rei se equilibra na linha tênue entre o melodrama e o antirromântico. Ficamos sem entender se estamos diante de um filme romântico ou se a proposta é mais realista. Com um ritmo agradável, Meu Rei nos propõe refletir sobre relacionamentos abusivos e o quanto eles podem nos machucar e causar feridas ao longo da vida. Quando o amor acaba e a relação se desgasta, vale a pena insistir nela? É um questionamento que, em determinado momento de nossa existência, todos nós nos fazemos, como se fosse uma situação vivida por nós ou por alguém que conhecemos – o que torna Meu Rei uma obra com a qual o público vai facilmente se identificar.
UM FILME SOBRE RELACIONAMENTOS ABUSIVOS
E O MAL QUE ELES PODEM PROVOCAR
por Davi Gonçalves
para CCine10
Tony e Georgio se conhecem casualmente e logo se apaixonam. Ela, mulher independente, é uma advogada bem-sucedida; ele, por sua vez um sedutor convicto, é dono de um restaurante e figura frequente nos eventos mais “moderninhos” da cidade. O relacionamento dos dois se intensifica, mas logo perde forças à medida que as diferenças entre eles ficam mais perceptíveis e cada um passa a conhecer o melhor e o pior do outro. Tempos depois, Tony, que está internada em uma clínica de reabilitação para se recuperar de um grave acidente de esqui, tem a oportunidade de olhar para trás e avaliar a turbulenta relação com o ex-marido.
O roteiro muito bem amarrado de Meu Rei intercala as sequências de terapia de Tony com os flashbacks que a levaram até aquela situação. A transição entre os dois núcleos, no entanto, é bastante sutil, quase imperceptível (o que pode até confundir o espectador menos atento), mesmo que haja diferenças entre eles: enquanto o presente é pontuado por muita luz natural (transmitindo a ideia de tranquilidade, paz, alívio de nossa protagonista), o passado é retratado através de uma montagem mais rápida e enérgica, reforçando toda tribulação daquele período.
Com personagens bem construídos, Emmanuelle Bercot e Vincent Cassel se sobressaem com suas performances poderosas. Enquanto a primeira nos faz sentir de perto sua dor, parecendo uma pessoa como qualquer um de nós (não à toa, Bercot levou o prêmio de melhor atriz em Cannes), Cassel é o maior acerto do filme. Ainda que a história seja de Tony, o ator francês encarna com perfeição o tipo “cafajeste” irresistível: aquele que você ama e quer por perto, mesmo conhecendo todos os seus defeitos. Arriscaria dizer que Meu Rei apresenta as melhores atuações da carreira da dupla. Outro destaque positivo fica por conta de Louis Garrel, muito à vontade como o antagonista Solal e com um timing cômico perfeito (aliás, sua personagem é o único “comic relief” da narrativa).
Dirigido por Maïwenn, Meu Rei se equilibra na linha tênue entre o melodrama e o antirromântico. Ficamos sem entender se estamos diante de um filme romântico ou se a proposta é mais realista. Com um ritmo agradável, Meu Rei nos propõe refletir sobre relacionamentos abusivos e o quanto eles podem nos machucar e causar feridas ao longo da vida. Quando o amor acaba e a relação se desgasta, vale a pena insistir nela? É um questionamento que, em determinado momento de nossa existência, todos nós nos fazemos, como se fosse uma situação vivida por nós ou por alguém que conhecemos – o que torna Meu Rei uma obra com a qual o público vai facilmente se identificar.
MEU REI
(Mon Roi – 2015 – 124 minutos)
Roteiro e Direção
Maïwenn
Elenco
Vincent Cassel
Emmanuelle Bercot
Louis Garrel
Isild Le Besco
Chrystèle Saint Louis Augustin
Patrick Raynal
em cartaz no Cinespaço Miramar Shopping
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