Thursday, October 13, 2016

LIBRA POR LIBRA (uma crônica de Marcelo Rayel Correggiari)



Libra por libra Ora, ora, ora... convenhamos! Não é todo dia que se apagam 43 velinhas na celebração de um feito honrado ou que, décadas depois, se mostra relevante como ‘labor’ artístico.

Pois é! Hoje é dia de lembrarmos o aniversário de lançamento de um dos discos que, nesse ponto de cá da história, se revelou uma ‘marca’ geracional, um momento do mundo.

Essa crepuscular Mercearia, hoje, ajuda o(a) querido(a) freguês(a) a lembrar do lançamento de “Selling England by the Pound”, do conjunto inglês Genesis, ocorrido, sim, nessa data, mas em 1973.

Ainda que o editor do presente ‘blog’ tenha fortíssimas inclinações para “Foxtrot”, também do renomado grupo, “Selling England by the Pound”, ao longo de seus 53 minutos e 38 segundos de ‘bolachão’ (lado A e lado B), é uma daquelas felizes experiências de misturar certo ar ‘lisérgico’ comum a uma época de dolorosa e efervescente ebulição das ‘cabeças’ com uma pequisa de resgate sonoro, no caso do Reino Unido, das raízes medievais e celtas onde o menestrel era ‘o tal’.


Tempos difíceis em que Portugal e Inglaterra eram o palco da ‘guerra-fria’: perdiam colônias na África e em outros lugares do mundo ‘às pencas’, viviam uma penúria estilo ‘Brasil 2016’, com a gestação da “Revolução do Cravos” no lado lusitano, e o IRA, Sinn Feïn e as intermináveis greves dos carvoeiros, que deixavam, inclusive, o país sem energia elétrica para o essencial, no lado britânico insular.

Perigoso, no lado inglês, citar os nomes da música ‘pop’ da época, alguns que encerraram as atividades antes, outros que continuavam a sentar o pé no acelerador, como o caso de The Beatles, Rolling Stones, The Who, Blind Faith, Led Zepellin, Black Sabbath, Cream (com o virtuoso e problemático menino da guitarra, Eric Clampton), The Queen, Pink Floyd e mais uma centena de garotos e garotas geniais que, em meio às drogas e uma ‘porra-louquice’ de contestar os rumos excludentes da humanidade, eram uma fábrica explosiva de excelentes ideias.

Perigoso, sim, pois que essa saudosa Mercearia certamente deixou tantos outros nomes de fora...

Tempinhos para lá de espinhosos, aqueles: administração de Edward Heath, com o desafio de melhorar aquele ‘paraguai melhorado’ que era a Bretanha insular. País pobre, numa crise sem precedentes: jovens sem alternativas de trabalho, intermináveis greves dos carvoeiros e as consequentes crises de abastecimento de energia elétrica que mexiam com o dia-a-dia tanto de escolas quanto de hospitais.

Somem isso com o enfrentamento dos meninos do Gerry Adams, a partir da Irlanda do Norte, explodindo tudo o que viam pela frente: de loja de departamentos em Londres à caixa de correio reinos afora. Uma belezura!

Foi nesse ‘caldo-quente-de-cultura’ que surgiram as letras das canções que formam o disco homenageado hoje: uma vontade de uma Inglaterra mais humana, mais poética, mais sanguínea (emocional) e menos sanguinária. Vontade do gozo e da placidez do amor, do melhor aproveitamento de uma juventude tremendamente fértil que trazia no coração propostas mais inclusivas de comportamento e pensamento.


Na época, já sem sua formação-fundadora, o Genesis entrou em campo com Peter Gabriel, Mike Rutherford, Tony Banks e os recém-recrutados Steve Hackett (com a banda até 1977) e Phil Collins (no lugar de John Mayhew) para “Selling England by the Pound”. Entende-se, aqui, a ‘inclinação’ do editor desse ‘blog’ por “Foxtrot” porque foi nesse disco em que o Genesis cresceu em reputação, fora do convencional (especialmente para rádios), com uma faixa desse LP com 23 minutos (impensável como ‘música-de-trabalho’), a não menos famosa “Supper’s Ready”.

Mundo que buscava respostas para questionamentos novos sobre qual o rumo das coisas. Em qualquer lugar do mundo: em 1970, na cidade de Recife, surgiu o Quinteto Armorial, que visivelmente vislumbrava nas ‘raízes anteriores’ do Brasil um alento para tantos ‘ais’. A primeira faixa de “Selling England by the Pound”, “Dancing with the Moonlit Knight”, já diz para o que vieram os ingleses: sob forte influência do blues visceral do Led Zeppellin, o disco ‘indica’ rumos inusitados para o que posteriormente ganhou o nome comercial de ‘Rock Progressivo’.

As experiências encontradas em “Selling England...” não estavam restritas a resultados lisérgicos como em “Atom Heart Mother” (02 de outubro de 1970, data de lançamento), do Pink Floyd, onde a intencional fuga da consciência é latente nesse ‘disco de conceito’, outro tipo de busca com um belíssimo ‘foda-se’ à abordagem comercial dos relacionamentos e às ansiedades que se tem em horas acordadas.

Esse início de outono (mês de outubro), pelo jeito, é deveras significativo para os súditos da Rainha. Nós, a ‘plateia’, não temos palavras para agradecer...

As escolhas (tanto as intencionais quanto as inconscientes) em “Selling England by the Pound” possuem as tessituras e resgates da tradição musical de um país que já não seria mais o mesmo. É uma mistura de tudo o que já estava rolando na Bretanha Insular, entre 1967 e 1972, principalmente em termos dessa ‘inquietação quanto ao êxito’ sob pesado céu plúmbeo. Cada qual dando o seu ‘grito de agonia’ em relação a coisas que, de tempos em tempos, duvidamos que apareçam saídas ao longo de um tempo cronológico, mais adiante.

O disco apresenta o ‘resgate’ num dos pratos da balança enquanto, no outro, aponta suas flechas para o que seria, como a justaposição do ‘menestrel’ com um belíssimo solo de piano clássico de Tony Banks na abertura de “Firth of Fifth”. Uma revisitação ao rock, nascido nos EUA, porém passível de carregar dentro de si o que trouxe uma nação até então em termos de cancioneiro. A possibilidade da oxigenação do rock com algo local sem jamais esquecermos que o ‘local’ sempre pode ser ‘universal’.

As mudanças de tom e andamento, encontradas nos trabalhos anteriores a “Selling England by the Pound” continuam como norte desse trabalho, mas cedendo lugar às melodias como cerne da intenção. Óbvio, há grandes letras nesse disco, performances inequívocas da colaboração de cada para um grande resultado, mas sempre tendo como ‘centro’ a melodia como força unificadora estrutural das canções. Em “Selling England...”, a linha melódica é conduzida habil e harmonicamente por trechos razoavelmente extensos de composição instrumental onde até se é permitida a alternância de andamento ou o campo harmônico proposto para a canção inteira.

Nessa desgastada Mercearia, sempre é tempo de se celebrar um trabalho de qualidade, que certamente entra (ou entraria) nas ‘10 mais’ de qualquer amante de música. Já se vão 43 anos do lançamento dessa obra, hoje. Quem bom que o mundo da música está sempre em renovação, quase sempre para melhor (sorte, a nossa!).

O futuro possui uma fortuna: a de se saber o que sobreviveu ao teste do tempo e continua vivinho como se tivesse nascido agora. Saber o que o futuro nos reserva (grande fonte dessa ansiedade maldita) ou aguardar pacientemente a resposta que ele trará? Futuro, futuro, futuro... sem ele, pouco se saberia o que tínhamos de tão bom lá atrás.

(colaborou com esse ‘post’ a diretora e cineasta Madeleine Alves).


Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 47 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É avesso a hermetismos
e herméticos em geral,
e escreve semanalmente em
LEVA UM CASAQUINHO




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