“Sonhar, não
custa nada”, ... “Relembrar é viver”... há um monte de frases espalhadas mundo
afora que ilustram bem certos vínculos afetivos com tudo aquilo já visto,
vivido, testemunhado.
Memórias são
coisas intensas para o bem e para o mal: capazes de estampar sobre o rosto
do(a) querido(a) freguês(a) o mais lindo sorriso, bem como trazer à baila os
mais aterrorizantes traumas.
Tentamos quase
sempre transformar nossa vida num néctar, num mel uniformemente acolhedor. Nem
sempre isso acontece: ela própria vem e nos leva a lugares nunca d’ante
imaginados, no melhor chavão popular de que, igual à cana: “... é doce, ... mas
‘num’ é mole, não!”.
Esse merceeiro,
para quem ainda não sabe, é um tanto cobrado por conhecidos e estimados colegas
da confecção de um romance cujos cenário e personagens datam do final dos anos
1990, início dos 2000: mais precisamente, o 9º andar do número 62 da Praça da
República, centro de nossa querida ‘Fuga de Nova York’.
O Nono Andar!
Uma comissária de despachos no 91, a Agesbec no 92, outra comissária no 93, a
Schenker no 96 e mais um montão de ‘malucos do bem’ que garantiam cada
presepada que, se for para o papel, vão dizer que é ficção.
Uma cidade que
acabou, sumiu! Deu lugar a algo que até hoje não conseguimos nominar: tempos
modernos caprichados na mais fina arte do impessoal, o que, nessa sobressaltada
Mercearia, damos o nome de ‘coisas-fófis’.
O mundo pede
‘coisas-fófis’! Já se é impensável, por exemplo, elevadores com ascensoristas
como naquela época. Mas vejam bem: não eram simples ‘ascensoristas’! Eram
pessoas que entregariam a Chico Anysio, de bandeja, novos tipos para sua
costumeira constelação de personagens.
E nada desse
lance do “politicamente correto”, uma espécie de ‘modos finos para a canalha’
que se exaspera em ser ‘mudérna’ e nada mais produz do que tepidez e
esterilidade: toooodo mundo entrava na porrada! Era a ode à choça, o apogeu da
zoeira, e não sobrava ninguém: gordos, gays, pretos, sapatões, orientais,
ajudantes de despachantes aduaneiros, office-boys/girls, magros, carecas,
cabeludos, aleijados, brancos, católicos, nordestinos, ricos, pobres,
protestantes, macumbeiros... enfim... bastasse respirar que havia uma zoada
especialmente pronta para você.
Um dos mais formidáveis
ascensoristas do prédio era o Maneco. Pensem num personagem do Chico Anysio
(citado há pouco): era ele! Figuraça! Era entrar no elevador que lá vinha a
célebre pergunta: “E, aí, chefe?! Muito trabalho, pouco dinheiro?!”.
Isso valia para
boa parte dos que trabalhavam nessa região da cidade. Pensamos que ninguém
escapava...
... nem mesmo os
fiscais da Receita.
Na correria do
dia-a-dia, eram comuns os erros com a documentação, o que atrasava sobremaneira
o rito processual das importações e exportações, além de despesas adicionais
por conta da firma. O cumprimento dos prazos ia ‘pro’ espaço.
No desespero, os
despachantes e ajudantes procuravam apresentar alguma desculpa para o erro
cometido, mas um troço jamais assumido: “Pô... (fulano!)... quebra essa, aí! A
menina do escritório preencheu errado...”.
“A menina do
escritório digitou o número errado... a gente já pediu correção. Quebra essa,
aí, (sicrano)!”.
Como quem mente
faz isso pela primeira vez e de forma exclusiva, quem recebe a mentira fica
boladaço(a) quando se depara com a mesma desculpa lá pela 15ª vez, isso só no
período da manhã. Não tem Cristo que aguente ‘a menina do escritório’ errar
tanto! Haja...
Um fiscal, cujo
nome não recordo, ao ver todo mundo dando aquela ‘tirada de corpo fora’, não
pestanejou:
“Fica sossegado,
companheiro! Já mandei uma petição para a Câmara dos Vereadores, falei
pessoalmente com o prefeito, que na próxima reforma aqui na Praça da República é
‘pra’ tirar a estátua do Brás Cubas e erguer um monumento ‘pra’ “Menina do
Escritório”...!
A gente sabe que
mentira tem pernas curtas. Só não sabíamos que desculpas esfarrapadas podem até
ganhar estátua.
Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 48 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
a nossa cidade, despachada, morreu, nem as meninas do escritório sobreviveram...nem nada...
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