“(...) A psicanálise só tem um defeito, o de reconduzir as aventuras da psicose a uma ladainha, o eterno papai-mamãe, ora representado por personagens psicológicos, ora elevado a funções simbólicas. (...) De um lado, o saber não se opõe à vida, pois mesmo quando toma por objeto a fórmula química mais morta da matéria inanimada os átomos dessa forma são ainda os que entram na composição da vida, e o que é a vida senão sua aventura? E, do outro lado, a vida não se opõe ao saber, pois mesmo as maiores dores dão um estranho saber aos que as experimentam, e o que é o saber senão a aventura da vida dolorosa no cérebro dos grandes homens (que, aliás, parece um irrigador dobrado)? Nós nos impomos pequenas dores para nos persuadirmos de qua a vida é suportável e mesmo justificável. (...) Todas essas palavras contam uma história de amor, uma história de vida e de saber, mas esta história não está designada ou significada pelas palavras, nem traduzida de uma palavra a outra. Essa história é antes o que há de “impossível” na linguagem e que, por conseguinte, lhe pertence tanto mais estreitamente: seu ‘fora’. Só um procedimento a torna possível, que remete à loucura. Por isso a psicose é inseparável de um procedimento linguístico que não se confunde com nenhuma das categorias conhecidas da psicanálise, pois tem uma outra destinação. (...) Por isso, Wolfson faz questão de dizer, paradoxalmente, que às vezes é mais difícil ficar prostrado, parado, do que se levantar para ir mais longe... (...)”.
[DELEUZE, Giles. “2. Louis Wolfson, ou o Procedimento”; in: “Crítica e Clínica”. Tradução: Peter Pál Pelbart. São Paulo: Editora 34, 1997, p. 27-30. (Coleção Trans)]
Giles Deleuze (Paris, 18 de Janeiro de 1925 — Paris, 4 de Novembro de 1995) é um daqueles nomes que, por conta de uma produção filosófica contemporânea, acaba caindo numa certa desconfiança devido a esse nosso mundo pródigo em andar para trás.
Um certo ceticismo: afinal, estudou-se tanto, falou-se tanto, e isso aqui anda passando de cavalo para burro em doses amazônicas.
As pessoas (e críticos mais especificamente) se valem da máxima que foi “... muito ‘gri-gri’ para dizer ‘Gregório’...”. O que é compreensível. Ou a frase do saudoso João Saldanha que dizia “... se macumba ganhasse jogo, campeonato baiano terminava empatado”. ‘Id est’, se a falação toda servisse, de fato, para algo, não tínhamos chegado onde chegamos.
Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. A boa e (verdadeira!) crítica apreende o que está diante de nós, promove a negação (não no sentido de negar-lhe o direito à respiração, mas em direção a apontar suas fronteiras) e promove um êxito não horizontal (para a direita ou esquerda, para frente ou para trás), mas vertical (para baixo (o rebaixamento) ou para cima) a fim de superar quaisquer divisas.
Se a vida é um conjunto de organismos onde cada componente se encontra à alguma distância, o saber é esse ‘plasma’, essa membrana que a mantém dentro de uma harmoniosa elaboração e que indubitavelmente possui a capacidade de recuperá-la de tempos em tempos.
Apesar de suas constituições distintas (por vezes, amórficas), uma não elimina a outra. O perdimento recairia, por um estranhíssimo viés, na empáfia humana de impor ao(à) outro(a) muito mais do que uma simples “adesão à causa”, mas uma pueril incorporação de algo que não se é.
Imposição de algo que nos é alheio até mesmo para a nossa natureza individual é o “início da picada”, mas quem há de negar que o início desse retumbante século XXI está cheinho disso?!
Uma possível adesão não significa que incorporaríamos métodos e modos de vida porque isso seria estrangular à morte o que talvez nos tornaria mais ricos, a saber, a diversidade.
A riqueza da diversidade, quem saberia dizer, talvez repousasse na não-incorporação de elementos que eventualmente pertencem, em sua chave mais basilar, a um determinado grupo que passa a vida inteirinha na busca de enfiar goela abaixo de qualquer um modelos tremendamente questionáveis.
A saída para essa enrascada estaria no colóquio, em sua força e potência, mas, aí, esbarraríamos em algo que não dá para fugir muito ao longo da vida: a cabeça, em algum instante, baterá no teto.
As respostas sempre ausentes para, em geral, perguntas mal feitas em torno da linguagem (entendendo-se linguagem, aqui, como alicerce do colóquio) precipitam-se aos borbotões diante de uma arrogância muito comum na espécie humana de sentir que tem explicações para quase tudo.
Cadafalso maior que esse, está para nascer...
É muito óbvio que se a vida possui fronteiras, divisas, limitações, um dia de inauguração e um dia de encerramento. Assim, ela possui naturais regulações, “gramáticas” muito especiais que nos possibilitam avistar os precisos momentos em que a ‘cabeça bate no teto’. Afinal, a vida é “ágrafa”, não pode ser registrada nos tecidos verbais (por mais finos que sejam) e, via de regra, são sempre pertencentes ao intuitivo.
A impossibilidade do colóquio existe na proporção daquilo que é ‘inconfessável’, o ‘fato, o ‘Real’, aquilo que expõe à crítica uma ideologia ou tentativas intermináveis de uma persuasão a uma adesão muito pouco provável. O pior: a tentativa ‘barra-pesada’ de se cagar uma regra incabível na eterna intenção de fazer o(a) outro(a) se entupir com uma incorporação de algo que não transmite o menor sentido.
A explicação de tudo não está na linguagem, mas no entendimento de sua limitação constante nas “gramáticas” da arte e da vida. Quem envereda em pura (ou mera!) observação da linguagem corre o seríssimo risco de ‘deixar a vida de lado’. A linguagem possui uma “gramática” que deve ser seguida à exaustão, não como limitação da criatividade, mas como perseguição à Liberdade como (ou por intermédio da) produção: quanto maior o respeito a certas regras (e, logo, menor transgressão), maior e mais vasto o campo de criação e produção na direção da Liberdade.
A linguagem ‘grafa’ aspectos da vida, não ela mesma em todas as suas sutilezas e explicações sobre ocorrências, porque é sabido de que tal investimento nos aproxima de um ‘estado clínico’. A linguagem jamais anula tudo o que sempre nos pertencerá às instâncias do intuitivo.
Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 48 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
Maravilhoso!!! Me encontrei, ali, no meio de suas palavras, diante do caos do momento que vivo. Gratidão.
ReplyDeleteMaravilhoso!!! Me encontrei, ali, no meio de suas palavras, diante do caos do momento que vivo. Gratidão.
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