Tuesday, August 18, 2015

COMO ME TORNEI LIVREIRO E A DESEDUCAÇÃO VOCACIONAL (por José Luiz Tahan)



Isto se passou em 1990 e eu estava com 18 anos, sem dinheiro no bolso e com vontade de fazer uma faculdade. O plano era simples: arranjar um emprego que ajudasse nos custos do curso de Arquitetura. Para isso reuni as minhas referências, que eram uma pasta cheia de bicos de pena e alguma cara-de-pau. O resto era chute.

Visitei e preenchi fichas de emprego em lugares que me pareciam legais. Locadora de filmes, loja de departamentos (não é legal, mas era caminho), loja de foto (putz), agência de publicidade e até numa livraria chamada Iporanga. Em todos os lugares deixei um telefone de uma vizinha meio coroa, com alguma boa vontade, mas um tanto distraída, como já vou explicar.

O telefone depois de uns dias tocou e a vizinha deu um recado um tanto truncado - disse que o Zé Preto, ou será Zé Alfredo, Zé Pedrinho? Bah! Um tal Zé-não-sei-o-quê ligou para você e disse para que o procurasse. Aí eu disse: mas daonde é este homem? Ela: deixa de ser braço-curto menino, eu, na sua idade...

A fase seguinte foi a da aceitação - agradeci a minha querida vizinha e saí ao encontro do meu futuro emprego, caminhando sem muita pressa.
Em algumas lojas eu fazia mais drama, perguntava, esperava e necas de vaga. Em outras já perguntava negando, já praguejando com a vizinha, sabendo o que viria pela frente. Deixei por último aquela livraria, a Iporanga.


Aquela livraria era simpática, me salvou de uma surra pós matinée no cine Roxy, quando corri para o fundo da loja num ato estratégico, além de me nutrir de HQs do Flash Gordon. Estava no caixa um cara meio novo, de óculos e um jeito de boa praça. Cheguei e repeti o mantra dos desempregados. Expliquei o caso do recado em marciano, arrancando um muxoxo e uma risadinha. E não é que o Luigi me deu o emprego? Falou que não precisava exatamente de mais um funcionário, mas lembrou que tinha dito algo sobre gostar de ler, que sou filho de professora e era desenhista. Começa amanhã.

Comecei, e entrei para a faculdade que só durou 1 ano para mim. Virei sócio da Iporanga e me esqueci da história da vizinha.

Num botequim uns 5 anos depois conversávamos, eu e o Luigi - outro desligado - quando vem de volta o causo da minha chegada. O Luigi: mas que história a sua, hein Zé? Por quê? Pô, você não lembra como foi a coisa toda? Falei: lembro, eu retornei à livraria meio perdido depois de procurar por todos os lados um emprego prometido não sei por quem. Então - disse ele - na sua primeira visita estava comigo no caixa o Armandinho, que foi com a tua cara e me pediu o telefone. Eu: não me lembrava... nem podia eu não o conhecia.

Pois é, o Armandinho estava à procura de um garçom para o seu bar, o ZÉPPELIM!

Parece papo de bar, e até era, mas é tudo verdade.


José Luiz Tahan, 41, é livreiro e editor.
 Dono da Realejo Livros e Edições em Santos, SP,
 gosta de ser chamado de "livreiro",
 pois acha mais específico do que
 "empresário" ou "comerciante",
 ainda mais porque gosta de pensar o livro
 ao mesmo tempo como obra de arte e produto.
 Nas horas vagas, transforma-se
 no blues-shouter Big Joe Tahan.

(a ilustração acima é do Seri)



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