Fiquei bastante triste ao descobrir hoje, por acaso, enquanto passeava por algumas edições eletrônicas não lidas de O GLOBO das últimas semanas, que o romancista piauiense radicado carioca Esdras do Nascimento morreu no Hospital Copa D' Or quinze dias atrás de um edema pulmonar. Tinha 81 anos de idade.
Pouco conhecido entre os leitores do Estado de São Paulo, por razões difíceis de explicar, Esdras ganhou notoriedade logo no primeiro romance, "Solidão em Família", editado pela Civilização Brasileira em 1963. Em seus romances seguintes, no entanto, Esdras evitou repetir a fórmula que garantiu seu sucesso de público inicial e partiu para aventuras formais em seus romances, estimulado pelo espírito aventuresco de seu amigo Osman Lins, seu colega de trabalho no Banco do Brasil. Daí, testou diversos formatos bem distintos em romances sofisticadíssimos como "Tiro na Memória" e "A Engenharia do Casamento", e em outros não tão expressivos como "Paixão Bem Temperada" e "Convite Ao Desespero"
Entre 1970 e 1978, Esdras não publicou absolutamente nada. Repensou por completo suas pretensões literárias, foi fazer carreira no Banco do Brasil em Agências pelo Exterior e, à distância, decidiu se aventurar numa tese de mestrado em Teoria da Literatura na UFRJ, sob a orientação do grande Afrânio Coutinho. Sua intenção era criar um romance baseado nas jogadas das partidas de xadrez entre Bobby Fischer e Boris Spasky e apresentá-lo como um romance. Afrânio o desaconselhou a fazer isso, mas mesmo assim Esdras foi em frente e quase enlouqueceu a banca examinadora da UFRJ na ocasião, pois praticamente toda a bibliografia de sua tese era composta por livros sobre xadrez. Mas Afrânio o apoiou integralmente e sua tese acabou aprovada. Meses depois, saía o resultado da tese: o arrojadíssimo romance "Variante Gotemburgo" (1979)
Desde então, Esdras parece ter sossegado um pouco com seus experimentalismos. Seus romances passaram a soar mais como desafios filosóficos e pessoais do que propriamente desafios formais -- caso de "O Ventre da Baleia" e "Jogos da Paixão", ambos passados em Brasília, cidade onde morou no início dos Anos 70 e de onde estava afastado há mais de 15 anos.
Ao se aposentar do Banco do Brasil, Esdras, que trabalhava em Nova York, voltou com sua família para o Rio e passou a se dedicar a escrever uma espécie de Comédia Humana de Copacabana, com histórias sempre passadas no bairro -- retomando, de certa forma, a proposta inicial de sua carreira literária em "Solidão em Família", só que devidamente amadurecida, e sempre brincando com temáticas complexas e múltiplos pontos de vista.
Nesses últimos 20 anos, Esdras atuou como professor em oficinas literárias no Rio e várias outras cidades, e sempre defendeu que seus alunos mergulhassem fundo na leitura de grandes romances e contos da literatura brasileira e universal para dominar a técnica e assim poderem desenvolver plenamente suas próprias vozes literárias.
Confesso que comprei mas não cheguei a ler "Lição da Noite", lançado em 1998 pela Editora Record e premiado como romance do ano pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). Sei que é um panorama da classe média carioca, com uma narrativa que se alterna entre o ponto de vista de quatro mulheres e três homens. Está lá na estante. Pretendo lê-lo agora.
Poucos dias antes de morrer, Esdras entregou a seu editor seu romance derradeiro, "Rerom Novarum - Opus 18". Já estava com a saúde bem debilitada e sabia que seria sua última investida no gênero. Daí, que ninguém se espante se for o tão protelado romance autobriográfico que Esdras sempre prometeu a seus leitores e nunca entregou vier finalmente agora.
Esdras do Nascimento deixa um legado de 20 livros de ficção, entre romances e coletâneas de contos, e mais alguns dois volumes de ensaios e quatro livros infantis. Era um grande sujeito e um grande papo. Mas era também um escritor subestimado, tido por alguns como sofisticado e inacessível demais. Que agora -- quem sabe -- talvez seja devidamente reavaliado e revalorizado.
Esdras do Nascimento deixa a mulher Dalva e três filhos: Daniel, Esdras e Andrea.
ROMANCES
Solidão em Família (1963)
Convite ao Desespero (1964)
Tiro na Memória (1965)
Engenharia do Casamento (1968)
Paixão Bem Temperada (1970)
Variante Gotemburgo (1978)
O Ventre da Baleia (1980)
Jogos da Madrugada (1983)
As Surpresas da Paixão (1986)
A Dança dos Olhares (1993)
Minha Morte será Manchete (1994)
Lição da Noite (1998 Melhor Romance do Ano APCA)
A Dança dos Desejos, Opus 13 (2006)
A Rainha do Calçadão, Opus 14 (2011)
A Dança das Paixões, Opus 15 (2013)
Lábios Africanos, Opus 17 (2014)
CONTOS E NOVELAS
Vinte Histórias Curtas (1960)
Quatro Num Fusca (1974)
Aventuras do Capitão Simplício (1982)
O Barba Azul de Ipanema (1988)
ENSAIOS
O Mundo de Henry Miller (1969)
Teoria da Comunicação e Literatura (1975)
PLANEJAMENTO E COORDENAÇÃO
Coletânea-1 (1963)
Antologia do Novo Conto Brasileiro (1964)
Histórias de Amor Infeliz (1985)
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