Tuesday, October 20, 2015

PAULO AUTRAN, O MAIOR ATOR BRASILEIRO DE TODOS OS TEMPOS, NUMA BELA ENTREVISTA


Paulo Autran saiu de cena há exatos oito anos, no dia 12 de Outubro de 2007. Segundo a atriz Karin Rodrigues, com quem foi casado nos últimos anos de vida, "era um homem inteligente, alegre, irônico, culto, com vocação, com talento... um homem que tinha tudo". Tido por muitos como o maior ator brasileiro de todos os tempos, Paulo deixou um legado espetacular tanto do cinema quanto na TV, mas principalmente na história do teatro brasileiro. Nessa entrevista concedida em 2003 para a Revista ISTOÉ, Paulo Autran, aos 80 anos de vida, fala sobre sua vida... e que vida espetacular ele teve!



O senhor está sempre elegante. É vaidoso?

Não, só sou objetivo, até no que visto. Sabe quantos anos tem essa camisa? Comprei em 1991, na Alemanha, numa cidadezinha de banhos. Quando eu acho que estou precisando, olho, gosto e compro. Sou a pessoa mais rápida no comprar roupa.

No que o senhor é lento?

Em geral eu sou bem preguiçoso. Nunca fiz exercícios. Quando era moço me matriculei três vezes na ACM (Associação Cristã de Moços). Só fui uma vez. Mas tinha um corpaço quando moço. Agora é que eu estou com corpo de velho. Natural.

Alguma vez sentiu uma dificuldade de se movimentar pela falta de ginástica?

Não, nunca. Agora, com a idade, você normalmente anda mais devagar. Mas no palco consigo andar com muita rapidez. Porque aí eu estou concentrado naquilo. No momento em que o personagem tem que ir rapidamente até o ponto X ou Y do palco eu consigo me mover mais rápido.

Já se desconcentrou em cena?

Me desconcentrei totalmente em cena quando fazia o "Édipo Rei", de Sófocles, em 1967. Era o dono da companhia e o administrador veio me falar sobre os refletores do palco, antes de eu entrar em cena. Na hora que entrei, inadvertidamente olhei para o lado dos refletores e pensei: “Meu Deus, qual é o momento da peça em que eu estou?”. Fiz uma pausa enorme e me sopraram lá de baixo as três primeiras palavras do texto. Foi angústia total! Uma sensação horrível. Minhas mãos não suam, não comecei a tremer (risos). Nada disso! Eu fico é angustiado por dentro.

Não fica nervoso nem fora dos palcos?

Sou muito controlado. Sofri um acidente quando estava fazendo o musical "My Fair Lady", com Bibi Ferreira. Havia comprado meu primeiro carro, um fusquinha. Tinha 40 anos e precisei ficar dez meses no hospital, totalmente imobilizado. Aí um amigo disse ao médico: “Sorte que o Paulo é uma pessoa calma, não é?”. O médico falou: “Calmo? Conta uma notícia ruim para ele e toma o pulso dele! Ele é na verdade controlado.” Eu controlo meu nervosismo nas horas em que preciso (risos). E olha que quebrei o fêmur, clavícula, ombro, todas as costelas de um lado, tudo! (risos)

Quando o senhor aprendeu a controlar suas emoções?

Aprendi a me controlar aos 6 anos, quando minha mãe morreu. Durante muitos anos senti muito a falta dela (voz embargada). Via todo mundo sofrendo tanto, eu chorei muito. No dia do enterro, a cozinheira e o chofer começaram a brincar comigo. Pensei: “Que dois idiotas, o que eles estão querendo? Dizer coisinhas nesse momento? Que bobagem!”. Eles estavam amavelmente querendo distrair um garoto de seis anos, mas o garoto estranhou (pausa). Sofri muito (pausa). Vamos falar de outra coisa.

E seu pai?

Me relacionava pouco com meu pai até que ele foi internado no hospital. Eu tinha 37 anos. Fui passar seis noites com ele porque ele não dormia de tantas dores. Nessas seis noites eu realmente conheci meu pai e fiquei amigo dele, até ele morrer. Até então ele era só um homem que quando começava a contar uma história eu pensava: “Ai, tomara que chegue logo no fim!” (risos). A partir dali comecei a gostar muito dele.

O senhor já teve medo de morrer?

Não me passou pela cabeça. Quando fui operado do coração e saí do quarto para ir à sala cirúrgica estavam a Karin, minha mulher, e a Tônia Carrero. Disse a elas: “Fiquem calmas. Eu vou e volto já!”. Quer dizer, eu estava mais calmo do que elas! Aí vem a questão: eu não sei se estava calmo ou se eu estava controlado. (risos)

Esse controle quer dizer um pouco de frieza então?

Não digo que é frieza. Sou uma pessoa emotiva. Em cinema eu choro com facilidade. Assistindo a teatro eu choro. Eu gosto de me emocionar.

Qual momento de grande emoção lhe vem à cabeça?

Rubens Corrêa na peça "O Arquiteto e o Imperador da Assíria". Havia um momento em que ele contava uma história sobre a mãe dele. Ele pegava um chapéu de mulher, colocava, e de repente, durante alguns segundos, a figura dele ficou absolutamente feminina. Um trabalho de ator excepcional. A perfeição da interpretação do Rubens era de tal nível e profundidade que me emocionou.

Lembra de algum momento seu em cena em que a platéia estava muito envolvida?

Felizmente foram muitos. "Liberdade, Liberdade", o primeiro espetáculo em que corri o Brasil todo, era uma peça de protesto contra o golpe de 1964. Foi estimulante ver como a platéia aderia ao espetáculo, aprovava, se entusiasmava e aplaudia cada pedacinho do texto. Outro aplauso que não esqueço foi em Buenos Aires, com Tônia Carrero, Adolfo Celi e eu. Fizemos a peça em português, contra a minha vontade, achei que ninguém fosse entender, mas foi um êxito, houve treze minutos de aplauso. Em teatro isso é raríssimo!

Alguma cena que tenha feito e se arrependido?

"Brasil e Cia" foi uma peça que não funcionou e por erro meu. Flávio Rangel dirigia e convidou pessoas para fazer uma leitura. Depois cada um veio me dizer que faltava uma coisa diferente. Ou que deveríamos mudar alguma coisa. E eu, ao invés de perceber que a opinião geral não foi favorável, fui em frente. Fiz questão, foi um erro. A reação da platéia foi morna durante toda a temporada.

O senhor é teimoso?

A Karin diz que eu sou (risos). Ela diz que eu só faço o que eu quero, embora concorde com os outros. Problemas de teatro eu adoro discutir. Agora, quando é uma decisão que eu tenho de tomar, se eu já tomei, prefiro não discutir. Porque não adianta ninguém dizer “não faça”. Eu faço. Sou até muito cordato para escolher restaurantes. Mas se quero viajar para algum lugar, ninguém tira da minha cabeça.

Qual foi a viagem que mais gostou de fazer?

A viagem extraordinária que fiz foi para o Quênia, na África, num safári onde era proibido matar animais, no fim dos anos 80. Foi uma coisa deliciosa! Uma semana fantástica vendo bichos numa região tão bonita. Vi elefante, zebra, gnu, girafas em quantidade, cachorro selvagem, hienas, guepardos, hipopótamos, rinocerontes, meu Deus, vi tudo! Não fiz fotos porque não gosto de tirar fotos nem de ser fotografado.

O senhor apontou novos talentos e acabou acertando, como por exemplo, Rodrigo Santoro. Talento é palpável?

É, dá para perceber. Trabalhei com o Rodrigo em "Hilda Furacão". Desde a primeira cena eu reparei que ele chegava no estúdio e sabia todo o papel de cor, não tinha nenhuma hesitação, tinha estudado em casa, sabia o que a cena significava. Em televisão isso é raro, principalmente com rapaz bonito. Eles geralmente chegam e na hora vão saber mais ou menos o que é. Não estão muito interessados em fazer bem a cena. E o Rodrigo estava interessado em fazer bem um papel muito difícil. É sério e disciplinado.

A apresentadora Adriane Galisteu foi convidada pelo senhor para fazer uma peça. Viu talento nela?

Chamei a Adriane porque fui ver "Deus lhe Pague", da Bibi Ferreira, e o que eu mais gostei foi daquela menina nova que eu nem sabia quem era, porque não vejo televisão. Vi uma estreante que sabia andar bem, se mexia bem. Fazia uma mulher rica e parecia que a vida inteira ela tinha estado no palco. Aí, quando precisei de uma atriz bonita e elegante chamei a Adriane. Nunca imaginei que quilo fosse ser o escândalo que foi! Ela foi capa de todas as revistas na ocasião!

Por que o senhor não gosta de televisão?

(pausa) Ah... os anúncios, né? E eu quando vejo televisão não consigo tirar os olhos. Fico vendo todos os anúncios, tudo o que acontece. É muito chato. Estou cansado de ficar olhando fixamente para aquele aparelho. Estando numa sala com tevê ligada eu não consigo conversar, eu fico olhando para a televisão o tempo todo (risos). Há oito anos não vejo tevê.

O senhor teve muitos relacionamentos ao longo da vida?

Graças a Deus! (risos) Em geral eu não falo dos meus casos. Me lembro uma vez que vi um grã-fino do Rio de Janeiro dando uma entrevista em que ele contava todas as mulheres que teve. Achei aquilo um cafajestismo tão grande!

Na juventude, como era o seu comportamento sexual?

Sou uma pessoa liberada. Mas fazer suruba eu nunca fiz! (risos) Acho que sexo é bom, mas infinitamente melhor quando há amor. Então para que estragar uma coisa que pode ser tão extraordinária, banalizando? Prefiro não banalizar.

Nunca pensou em ter filhos?

Quando era garotinho pensava que um homem para ser homem tinha que ter um filho, escrever um livro e plantar uma árvore. Plantei muitas árvores, mas em benefício da literatura nunca escrevi um livro. E nunca tive filhos. Aí concordo com Machado de Assis: “Para que legar aos outros a miséria da condição humana?”.

O senhor acha que tem cumprido sua missão nesta vida?

Não sei qual é a minha missão. O que me dá maior prazer é fazer o bem. Mas não faço para ganhar os céus, porque acho que acabamos quando morremos. Sou totalmente ateu, materialista e não tenho nada de místico. A vida é uma só. Mas temos uma imaginação tão deslumbrante que podemos imaginar o que quisermos.









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