por Chico Marques
De todas as comédias de William Shakespeare adaptadas ao cinema, "Muito Barulho Por Nada", dirigido e interpretado por Kenneth Branagh, é disparado a melhor.
Branagh, hoje um especialista em filmes de ação para Hollywood, já nos brindou com cinco incursões sensacionais pela obra do grande dramaturgo inglês, sempre atuando brilhantemente como diretor e ator, e apresentando-se como um novo Laurence Olivier, ou coisa que o valha. Convencendo alguns e outros nem tanto. Mas jamais obtendo atitudes indiferentes como resposta a seu trabalho.
A primeira dessas incursões shakespearianas foi a premiadíssima "Henrique V", onde Branagh surpreendeu de forma estremamente positiva com o ritmo da ação que conseguiu imprimir ao filme, dando ao texto original -- que não é alterado em momento algum -- uma agilidade impressionante e um alto gabarito cinematográfico que só serviu para valorizar ainda mais a obra do grande dramaturgo.
Tivemos sete anos mais tarde sua espetacular adaptação de 'Hamlet" (1996), repleta de atores hollywoodianos fazendo pequenos papéis, que tinha como peculiaridade transferir a ação da peça da Dinamarca do Século 16 para o Século 19, novamente sem promover alterações no texto. Ao longo de 3 horas absolutamente envolventes, mergulhamos de cabeça no universo shakespeariano em mais uma experiência cinematográfica absolutamente única.
Entre uma tragéda e outra, Branagh rodou essa adaptação encantadora para "Muito Barulho Por Nada", e conseguiu mais uma bela proeza: fez da genial comédia shakespeariana um filme romântico de aventuras -- mais uma vez, sem alterar uma linha sequer do texto original do grande dramaturgo.
Beatrice(Emma Thompson) conta histórias para os amigos e parentes no campo, numa espécie de piquenique, quando um mensageiro (Alex Lowe) declara que o celébre e honrado Don Pedro de Aragão (Denzel Washington) e seus cavaleiros se aproximam da vila de Messina. Após uma ansiosa preparação por parte de homens e mulheres, com banho e vestimentas, os cavaleiros são recepcionados pelo governador de Messina, Senhor Leonato (Richard Briers), pai de Beatrice.
Paralelamente a isso, o jovem imberbe Conde Cláudio de Florença (Robert Sean Leonard) se apaixona imediatamente pela sobrinha de Leonato, Hero (Kate Beckinsale), e é prontamente correspondido por ela. Beatrice e Benedick (Kenneth Brannagh), por sua vez, disparam rixas verbais para tentar justificar para si próprios e para os outros que não se amam, mas pouco a pouco vão desistindo de se agredir mutuamente e se entregam ao amor. Ainda mais depois que Pedro, Cláudio e Leonato passam então a espalhar para todos que os dois são, na verdade, apaixonados um pelo outro. Hero e Ursula (Phyllida Law), primas de Beatrice, unem-se ao cor.
Durante um Baile de Máscaras, Dom Pedro toma a mão da jovem Hero em nome de Cláudio. O casamento é marcado. Porém o irmão de Pedro, Don John, o bastardo, invejoso da posição de prestígio cada vez maior de Cláudio junto ao irmão, tece uma infame armadilha, chamando Cláudio e Pedro para observarem Hero se entregar a um homem na sacada do seu quarto -- na verdade, tratam-se de Borachio (Gerard Horan) e da criada de Hero, Margaret (Imelda Staunton), muito semelhante com ela fisicamente.
Furioso e sentindo sua honra manchada, Cláudio faz de conta que não sabe de nada e deixa para fazer suas revelações no momento do casamento, quando joga Hero ao chão e a desmascara na frente de todos. Leonato se revolta contra a filha a princípio, mas é levado a acreditar na sua inocência por Beatrice e pelo Frei Francis (Jimmy Yuill), que realizaria a cerimônia. O frei aconselha-os a dizerem que Hero morreu, para que ela fique preservada enquanto a verdade não é esclarecida.
Então, Cláudio se dê conta da injustiça que cometeu. Boracchio, bebâdo, comenta com um amigo todo o plano de Don John, e é surpreendido pelos vigilantes que trabalham para Leonato. É entregue a seu chefe, Dogberry (Michael Keaton), que faz com que Boracchio testemunhe tudo. Revelada a farsa, Benedick surpreende Cláudio, que não ouvira a ira de Leonato e seu irmão Antonio (Brian Blessed), por achar que sua fúria fosse apenas uma reação insana por causa da morte da filha. Afirma que ele terá que ajustar contas com ele, se não se redimir perante a família de Hero. Escutando da própria voz de Boracchio toda a trama infame, e sabendo da fuga de Don John, Cláudio se desespera, e pergunta o que poderá fazer para retratar seu erro
Leonato lhe concede então uma segunda chance. Oferece a ele uma prima de Hero, muito semlhantes a ela, para que ele possa dirigir a ela todo amor que sentia por sua filha "morta". Cláudio presta um tributo a memória de Hero no cemitério. E então, no momento de encontrar a noiva, percebe ser, na verdade, Hero. Benedick e Beatrice aproveitam o momento para também se casarem. Quando todos os preparativos estão prontos, homens trazem o fugitivo Don John. Benedick afirma que ele será devidamente castigado, mas só depois da celebração do casamento. Que venha primeiro a alegria. Depois, a justiça.
Branagh toma como ponto de partida para seu filme um poema de Shakespeare, que diz:
Não suspirem mais damas,
Os homens sempre foram impostores
Um pé no mar e outro na praia
Nunca constantes em nada
Então não suspirem mais
E deixem-nos partir
E sintam-se felizes e bonitas
Transformando todos os seus lamentos
Num grito de alegria, alegria!
A partir dele, realizou uma adorável celebração á vida numa comédia de erros envolvente e extremamente ágil.
Teve gente que reclamou na época, alegando que o time de atores ingleses está soberbo e o time de atores americanos nem tanto. Implicaram também com a licença poética utilizada ao escalar o ator negro Denzel Washington como Dom Pedro. E implicaram ainda com Patrick Doyle, responsável pela trilha sonora, que faz o papel do cantor Balthazar.
Mas basta rever o filme hoje, quase 20 anos depois de ter sido realizado, para perceber que nada disso tem lá muita importância.
O importante aqui é a beleza dos momentos vividos pelos personagens. A seqüência inicial com os preparativos para a recepção dos cavaleiros, apresentando um festivo banho coletivo em que se destacam os agitados corpos nus de homens e mulheres, dão o tom da brincadeira proposta tanto por Shakespeare quanto por Branagh. É uma explosão de vida e sentimento absolutamente cativantes e irresistíveis, que ganha um toque todo especial graças ao tom farsesco, assumidamente teatral e nada naturalista da empreitada.
Duas cenas inesquecíveis: a chegada dos cavaleiros, filmada em planos curtos e ritmo próximo do videoclip, e a comemoração final, em que a dança e celebração se integram com os movimentos rápidos das câmeras e, através da canção ao fundo, ganha contornos nostálgicos, remetendo a um pessado talvez perdido. Mas jamais esquecido.
MUITO BARULHO POR NADA
(Much Ado About Nothing, 111 minutos, 1993)
Direção e Roteiro
Kenneth Branagh
baseado em peça de William Shakespeare
Fotografia
Roger Lanser
Música
Patrick Doyle
Montagem
Andrew Marcus
Elenco
Richard Briers
Kate Beckinsale
Imelda Staunton
Jimmy Yuill
Brian Blessed
Andy Hockley
Chris Barnes
Conrad Nelson
Phyllida Law
Emma Thompson
Alex Lowe
Denzel Washington
Keanu Reeves
Richard Clifford
Gerard Horan
Robert Sean Leonard
Kenneth Branagh
Patrick Doyle
Michael Keaton
Ben Elton
Edward Jewesbury
Quarta - 28 de Outubro - 19 horas
OFICINA CULTURAL PAGU
Rua Espírito Santo, 17
quase esquina com Av. Ana Costa
Campo Grande, Santos SP
Telefone: (13) 3219-2036
Ao final da exibição,
um breve debate com os curadores
do Cineclube Pagu:
Carlos Cirne e Marcelo Pestana
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