Friday, October 9, 2015

O ÓTIMO "LULU NUA E CRUA" CHEGA COM DOIS ANOS DE ATRASO AOS CINEMAS BRASILEIROS


por Chico Marques


Em 1978, quando rodou 'Uma Mulher Descasada", Paul Mazursky tentou encontrar um meio termo entre Ingmar Bergman e as novelas de TV para contar a história de uma mulher que, abandonada pelo marido (Michael Murphy), segue um longo caminho até finalmente comprender que, apesar de ter sido criada para seguir a vida inteira ao lado de um homem, possui luz própria e é dona de seu próprio destino.

"Lulu Nua e Crua", filme de Sólveig Anspach, funciona, de certa forma, como uma variação em torno do mesmo tema, só que um pouco mais radical, e trabalha num tom semelhante ao do filme de Mazursky. É uma adaptação da graphic novel de muito sucesso de Étienne Davodeau. 


Karin Viard interpreta Lulu, que sai profundamente decepcionada de uma entrevista de emprego com um recrutador sexista e fica horrorizada com o futuro sombrio que aguarda todas as mulheres que, um belo dia, decidiram deixar de trabalhar para se dedicar à família, e agora tentam voltar, sem sucesso. 

Ela é mãe de três filhos e casada com um sujeito bem desagradável. Sua vida é muito triste. Suas perspectivas, sombrias ao extremo. 

Daí, ela toma uma decisão: não vai voltar mais para casa. Como naquele velho sambinha, ela veste uma camisa listrada e sai por aí, deixando filhos e marido para trás. Ou seja: dá um "foda-se" amplo, geral e irrestrito. E então, um belo dia, conhece Charles (Bouli Lanners), com quem irá se encantar, e de quem se tornará amante.


Lulu não é feliz, nem forte, e nem particularmente corajosa. Mas é determinada o suficiente para seguir em frente, com a cara e a coragem, enfrentando tudo e todos, tentando chegar a algum lugar. 

Toda essa ambiguidade existencial é explorada de forma muito intensa tanto pela atriz Karin Viard quanto pela diretora e roteirista Sólveig Anspach, e acaba sendo o grande diferencal e o grande trunfo desse filme, que misteriosamente chega aos cinemas brasileiros com dois anos de atraso.


A bela cena em que Lulu nada nua no mar, no frio, em uma praia de Saint-Gilles-Croix-de-Vie, no Oeste francês, enquanto é observada por seu amante, simboliza todo esse seu esforço existencial com uma poesia visual muito intensa. 

Fica no ar a pergunta: faz sentido Lulu conseguir ser feliz fugindo, ao invés de enfrentar seus problemas cara a cara?


"Lulu Nua e Crua" não opina, nem faz julgamentos. Deixa sua personagem seguir seu caminho, e o espectador que tire suas conclusões, e a julgue como quiser. 

É um belo filme, repleto de tons de cinza e azul, que combinam com a jornada de Lulu. Delicado, incomum, e muito intenso voltado para mulheres esclarecidas -- ou para mulheres em busca de esclarecimento.


LULU NUA E CRUA
(Lulu Femme Nue, 2013, 87 minutos)

Direção
Sólveig Anspach

Roteiro
Sólveig Anspach
Jean-Luc Gaget

Fotografia
Isabelle Ravazet

Elenco
Karin Viard
Bouli Lanners
Claude Gensac
Pascal Demolon


em cartaz no Cinespaço Miramar Shopping


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