por Chico Marques
“Spectre” é um filme de 007 para nenhum bondmaníaco botar defeito.
Desde que Daniel Craig assumiu o papel, desviando o personagem do tom galante e impetuoso das quatro aventuras protagonizadas por Pierce Brosnan, Mr. Bond parece estar finalmente de volta a sua rota de cruzeiro, depois daqueles mergulhos inusitados em sua história pessoal, em sua mente complexa e em sua natureza conturbada que conhecemos três anos atrás em "Skyfall".
Pois “Spectre” começa exatamente onde "Skyfall" largou. Nessa nova aventura, Mr. Bond é convocado por seu novo chefe, M (Ralph Fiennes), para realizar uma missão não planejada, decorrente de uma mensagem deixada pela M anterior (Judy Dench), que lhe é entregue pouco após seu funeral. Por uma série de motivos, agravados pela impetuosidade e pela autosuficiência de Mr. Bond, tudo acaba muito mal. Então, ele é colocado sob licença por não seguir a cartilha do MI-6.
Mr. Bond dá o azar de pegar pela frente um momento político difícil. Tanto o MI-6 quanto a Seção 00 estão sob ameaça de serem desativadas por ordem de C (Andrew Scott), que está insatifeito com os resultados obtidos em missões recentes.
Mas Mr. Bond não engole essa história direito, até porque soube durante sua malfadada missão que estava diante não de um adversário inusitado, mas de um misterioso grupo organizado e extremamente poderoso, simbolizado por um polvo: a Spectre, que dá título ao filme.
Mesmo afastado e sob constante vigilância do MI-6, Mr. Bond decide ir atrás das pistas que levantou durante sua missão não autorizada, e conforme vai se enfronhando na organização personagens do seu passado ressurgem para ajudá-lo, para confrontá-lo, ou para tentar tirá-lo de cena em definitivo.
Tudo o que vemos em "Spectre" é bem diferente do que vimos nos três filmes anteriores de Mr. Bond, e é, ao mesmo trempo, extremamente familiar.
Com esse filme, Mr. Bond é devidamente reposicionado na rota clássica dos filmes com Sean Connery e Pierce Brosnan, com quem o personagem viveu seus melhores e mais gloriosos momentos.
Com esse filme, Mr. Bond é devidamente reposicionado na rota clássica dos filmes com Sean Connery e Pierce Brosnan, com quem o personagem viveu seus melhores e mais gloriosos momentos.
"Casino Royale” (2006), o primeiro filme dessa etapa com Daniel Craig, promoveu de forma brilhante o reboot da série 007. Numa trama densa e complicada, trazia Mr. Bond em início de carreira no MI-5, extremamente frio e brutal em suas investidas. De quebra, nos brindou com a ambígua Vesper Lund, uma femme fatale consumada, cheia de nuances, interpretada pela linda e voluptuosa (e excelente atriz) Eva Green, que lembra um pouco Jeanne Moreau quando jovem. Vesper, num golpe de azar, acaba se tornando a primeira baixa afetiva na vida de Bond, além de servir como alavanca para sua tradicionalíssima misoginia. Teve gente que torceu o nariz para o filme na ocasião do lançamento. Mas o público feminino não resistiu e se encantou com essa versão rude e truculenta de Mr. Bond forjada por daniel Craig. Desnecessário dizer que "Casino Royale" virou rapidamente sucesso de crítica e público.
“Quantum of Solace” (2008), o segundo filme, já foi um fiasco. Culpa dos produtores, que tentaram fazer dele um filme de ação contínua, com uma trama mínima que servia apenas para interligar uma cena de ação a outra. Ou seja: o oposto de "Casino Royale". A intenção dos produtores era cooptar o público jovem dos filmes de ação para o universo bondiano. Não colou. Não agradou nem crítica, nem público, e para piorar agravou ainda mais a crise que a MGM vivia. Por pouco a série não acabou alí. Já perceberam que "Casino Royale" é frequentemente reprisado nos canais por assinatura, e "Quantum of Solace" raramente o é? Acreditem: existe um motivo para isso. Este não é um filme que agregue valor à continuidade da série. Se bem que, revisto hoje, "Quantum Of Solace" não parece tão ruim quanto parecia ser na ocasião de seu lançamento.
Depois de um longo período de indefinições, por conta das dificuldades financeiras da MGM, James Bond ressugiu plenamente em "Skyfall" (2012), sem dúvida o melhor filme da série até agora. Nesse projeto capitaneado pelo excelente diretor Sam Mendes, Mr. Bond acaba envolvido numa trama eletrizante regida por um ex-agente do MI-6 que transforma-se num terrorista perigosíssimo, que o acaba levando à Escócia, onde surgem revelações impressionantes sobre seu passado, que, de certa forma, acabam servindo para humanizá-lo como nunca ninguém jamais ousou fazer antes. Pela primeira vez em 50 anos nas telas de cinema, Mr. Bond ganhou um perfil psicológico realmente consistente. Já não era sem tempo.
Quem guarda na memória afetiva os primeiros filmes da série com Sean Connery, lembra bem da Spectre e daquela logomarca do polvo.
A Spectre é o berço de vilões clássicos da série 007, como o Dr. Julius No, Red Grant, Rosa Klebb e Emilio Largo, e tinha como líder o temível Ernst Stavro Blofeld.
A versão Século 21 da Spectre é bem diferente da antiga, e definitivamente não caberia em sátiras como "Agente 86" e "Austin Powers". É muito mais real, letal e convincente. Está por toda parte, vendo e ouvindo tudo o que se passa em todo o Planeta Terra -- algo que faz mais sentido nos dias de hoje, com todas as comunicações interconectadas pela web, do que nos Anos 60 e 70.
De todos os filmes da série 007, “Spectre” é disparado o mais caro: custou a bagatela de 300 milhões de dólares.
Mas, por outro lado, é um daqueles filmes em que as platéias conseguem ver o orçamento estampado na tela de cinema.
A sequência inicial, que se passa durante o festival do Dia dos Mortos no México, é extremamente luxuosa e de uma beleza incomparável, e deve ter custado uma pequena fortuna para a produção do filme.
O mesmo pode-se dizer da perseguição pelas ruas de Roma, que revela todo o encanto das ruas estreitas e milenares da Cidade Eterna, e tem um desfecho surpreendente, patrocinado pela Aston-Martin.
E não é só isso: "Spectre" tem ainda locações na Austria e em Marrocos, e é o filme da série com o cronograma de filmagem mais complexo e mais demorado até agora.
Ninguém mediu dinheiro ou esforços para tentar fazer de "Spectre" um sucessor à altura de "Skyfall"
Ninguém mediu dinheiro ou esforços para tentar fazer de "Spectre" um sucessor à altura de "Skyfall"
O diretor Sam Mendes, todos sabem, tem um carinho todo especial pelo imaginário bondiano.
Apesar de não assinar como co-roteirista em "Spectre", insistiu em inserir no roteiro de "Spectre" uma série de associações visuais com momentos clássicos da série de cinema.
Fez isso de forma tão discreta e tão bem colocada que só os bondmaníacos mais atentos irão perceber referências a "Moscou Contra 007", "A Serviço Secreto de Sua Magestade" e "Viva e Deixe Morrer".
Descubram se forem capazes, pois eu não vou cometer nenhum spoiler aqui.
Apesar de não assinar como co-roteirista em "Spectre", insistiu em inserir no roteiro de "Spectre" uma série de associações visuais com momentos clássicos da série de cinema.
Fez isso de forma tão discreta e tão bem colocada que só os bondmaníacos mais atentos irão perceber referências a "Moscou Contra 007", "A Serviço Secreto de Sua Magestade" e "Viva e Deixe Morrer".
Descubram se forem capazes, pois eu não vou cometer nenhum spoiler aqui.
Dizer o que mais de "Spectre"?
Que Léa Seydoux está linda?
Que Monica Bellucci está exuberante?
Que Christoph Waltz personificou um vilão sensacional, na medida exata do que era esperado dele?
Que a música de Thomas Newman -- filho de Randy Newman -- é perfeitamente adequada ao formato original esboçado 53 anos atrás por John Barry?
Que Daniel Craig conseguiu conduzir o personagem por um caminho surpreendente ao longo dos últimos dez anos?
Sim. Sim. Sim. Sim. E sim. Até porque é tudo verdade.
"Spectre" é um acerto tão grande quanto "Skyfall". Como disse lá no início, é um filme de James Bond para nenhum bondmaníaco botar defeito. Nem a canção tema, interpretada pelo modorrento Sam Smith, consegue irritar para valer. Ela é a melhor coisa que Sam Smith já gravou.
Infelizmente, "Spectre" põe um ponto final no envolvimento de Sam Mendes com a série.
E também marca a despedida de Daniel Craig do personagem.
Mas não se preocupem: se Damien Lewis -- astro da série "Homeland", e tão bom ator quanto Daniel Craig --, assumir o papel -- e ele parece propenso a isso, as negociações estão em andamento --, nós, bondmaníacos, certamente não ficaremos desvalidos.
Para todos os efeitos, continua valendo o velho lembrete que sempre aparece ao final de cada filme da série:
"James Bond Will Return"
007 CONTRA SPECTRE
(Spectre, 2015, 150 minutos)
Direção
Sam Mendes
Roteiro
John Logan
Neal Purvis
Robert Wade
Jez Butterworth
Música
Thomas Newman
Elenco
Daniel Craig
Christoph Waltz
Léa Seydoux
Monica Bellucci
Naomi Harris
Ralph Finnes
Andrew Scott
em cartaz nas Redes Roxy, Cinemark e Cinespaço
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