Friday, November 20, 2015

LOBO ANTUNES VOLTA MELHOR DO QUE NUNCA EM "NÃO É MEIA NOITE QUEM QUER"


É incorreto dizer que António Lobo Antunes é o melhor escritor português da atualidade.

Antônio Lobo Antunes é, com toda a certeza, o melhor escritor vivo de língua portuguesa. Melhor que Rubem Fonseca. Melhor que João Gilberto Noll. Melhor que Rubens Fugueiredo. Melhor que Flávio Carneiro. Melhor que Ignácio de Loyola Brandão.

"Não É Meia Noite Quem Quer", seu 28º romance, que acaba de chegar às livrarias brasileiras pela Editora Alfaguara, foi publicado em Portugal em Outubro de 2012, e recebido com grande euforia tanto da parte da crítica quanto do público na ocasião. É considerado pelo autor como seu trabalho mais pessoal e mais autobiográfico. Diz ele que escreveu o romance às lágrimas. Não porque a história o comovesse, mas porque as palavras fluiam e a linguagem era perfeita. Segundo ele próprio: "o livro me era ditado e a esferográfica não tinha a mesma velocidade da voz que dizia as sentenças em meus ouvidos."

Não é um romance de ruptura na carreira de Lobo Antunes. Pelo contrário, vem na mesma linha narrativa dos seus últimos trabalhos. Desde "O Arquipélago da Insônia" (2008), vem fragmentndo seu discurso narrativo em busca de uma maneira diferenciada de trabalhar o conceito do "fluxo de pensamento" -- claro que evitando cacoetes joyceanos e divagações proustianas. "Não É Meia Noite Quem Quer" não é leitura fácil para os não iniciados no universo literário de Lôbo Antunes. Mas para os iniciados é um deleite literário e tanto.

O enredo do livro se passa durante três dias. Mais precisamente em um fim de semana, no qual uma mulher de cinquenta anos, sem nome definido, se hospeda na casa de férias da família, numa praia não identificada. A casa, modesta, acaba de ser vendida, e ela quer se despedir dela. Nessa despedida, relembra momentos marcantes de sua vida que se passaram naquele lugar: sua infância com os pais e os irmãos, o suicídio do irmão mais velho, o irmão surdo-mudo, o complexo e dramático relacionamento dos pais, a menina da casa em frente, sua amiga nos períodos de férias, e muito mais.

Essa mulher tem um casamento infeliz, não tem filhos, é professora numa escola sem projeção, vive uma relação frustrante e pouco entusiasmada com uma colega de trabalho bem mais velha do que ela, e está, de certa forma, tentando achar uma razão para prosseguir vivendo. Decide que se esta razão não surgir neste final de semana, então este final de semana será o último de sua vida.


Tudo em "Não É Meia Noite Quem Quer" é propositadamente confuso e desmedidamente intenso. Os pensamentos da personagem se sobrepõem às suas recordações. Suas palavras se confundem com suas intenções. E por mais desconectadas que essas coisas pareçam ser à primeira vista, pouco a pouco elas vão se interligando de uma maneira assustadora. O sofrimento está por toda parte no romance. E o desespero aguarda a personagem em cada canto de sua memória.

Diz Lobo Antunes que "Não É Meia Noite Quem Quer" é estranhamente autobiográfico, e que, através de sua personagem, ele falou de si próprio do começo ao fim, como nunca tinha feito anteriormente. "Ao final, fiquei com a sensação de que me conheço melhor. Os livros dizem muito a respeito de nós mesmos. Com o tempo, aprendi que os livros maus falam, os bons ouvem."


António Lobo Antunes nasceu em Lisboa em 1942. Licenciou-se em Medicina pela Universidade de Lisboa em 1969, e trabalhou muitos anos como psiquiatra. Combateu em Angola de 1971 a 1973. Escreveu seu primeiro romance somente aos 37 anos de idade. Desde então, vem publicando quase que um novo volume a cada ano, sempre buscando ou se renovar ou então se aprofundar ainda mais no que foi abordado em seu trabalho anterior. É o escritor português vivo mais lido, traduzido e premiado no mundo inteiro. Recebu em 2007 o Prêmio Camões.

Deliciosamente desbocado e avesso aos mimos da crítica em seu país, Lobo Antunes diz que pouco se importa com o que pensam a respeito dele e afirma que não se sente confortável em meio à imensa maioria dos escritores europeus de hoje, que considera "frouxos". Prefere a literatura da América Latina. Tem um vínculo estreito com o Brasil, já que seu avô era brasileiro. É admirador de Carlos Drummond, João Cabral, Jorge de Lima e Mário Quintana. Lamenta que as crônicas de Paulo Mendes Campos sejam tão subestimadas. Gosta de afirmar que sua literatura não é para ser degustada, e sim devorada.
"Não É Meia Noite Quem Quer" pode não ser a melhor maneira de um leitor leigo começar a conhecer a obra de Lobo Antunes. Mas é um grande romance. Talvez o melhor de todos os que ele escreveu. Mais uma demonstração clara do quão fascinante é o legado artístico desse escritor enorme.
NÃO É MEIA NOITE QUEM QUER

Autor
António Lobo Antunes

Editora
Alfaguara

480 páginas

Preço
R$ 59,90


Conheçam um pouco mais a respeito 
de Lobo Antunes na entrevista abaixo, 
feita por Javier Martín do EL PAÍS 
e reproduzida aqui.


ANTÓNIO LOBO ANTUNES 
"OS MEUS LIVROS NASCEM DO LIXO" 
(por Javier Martín para EL PAÍS - 19/09/2015)




Obrigado por receber-nos em sua casa aqui em Lisboa, a cidade de Pessoa.

Não sou admirador de Pessoa.

Como assim!?!? O Livro do Desassossego... !

O livro do não sei o quê que me aborrece de morte. A poesia do heterónimo Álvaro de Campos é uma cópia de Walt Witman; a de Ricardo Reis, de Vergílio. Questiono-me se um homem que nunca fodeu pode ser um bom escritor.


Não há nada novo em Portugal?

Não se trata de um problema de Portugal ou de Espanha. O problema é que hoje não existem grandes escritores na Europa - na Irlanda, talvez -, mas não em Inglaterra ou em França, que no século passado tinha dois génios, Proust e Céline. No século XIX havia 20 ou 30 génios na Europa...


Nem sequer na América?

Na América latina, sim; nos Estados Unidos, não; ainda que goste de Cormac McCarthy. É um problema geral, basta ver os que ganharam os últimos Prêmios Nobel.


O senhor não.

Não, nunca o ganharei, ainda que me veja sempre no meio das apostas, como os cavalos. Ganhei quase todos os prémios, mas o que me interessa neles é o dinheiro.


Certo, como quando lhe comunicaram que tinha ganho o Juan Rulfo, respondeu: "Quanto é?"

Fui terrível. Anunciaram-me por vídeo conferência em directo [numa conferência de imprensa local]; e os jornalistas mexicanos partiram-se a rir. Foram cem mil euros.


E o prestígio do prémio não lhe interessa?

O prestígio são os escritores que dão ao prémio, não ao contrário.


Sendo psiquiatra, foi escritor tardio; até aos 37 anos, quando saiu "Memória de Elefante" (1979), nunca tinha publicado.

Ninguém me queria; nem em Portugal nem em parte alguma; mas um editor americano, que não leu o livro, publicou-o. Fez primeira página no The New York Times, no Los Angeles Times e no Washington Post e quando se tem estes jormais, tem-se o mundo. O primeiro que me chamou em Espanha foi Jacobo [Martínez de Irujo], da Siruela, com quem comecei a publicar. Passei semanas a escrever na sua casa do Ampurdán.


Aquele livro baseava-se nas suas experiências enquanto psiquiatra, "Comissão das Lágrimas" bebe do seu passado militar em Angola.

Não me interessa escrever romances de guerra por respeito aos mortos. Interessam-me as pessoas em circunstâncias extremas. Pensei em desertar quando lá estive, mas o meu capitão disse-me: "Não vás que a revolução se faz por dentro, não nos cafés de Paris".


E teve razão.

Sim, não há nada mais duro que uma guerra. Aos 18 anos decretei que viria a ser um gênio, mas chegas à guerra e isso desaparece imediatamente; és apenas um entre muitos. Há duas coisas magníficas do espectáculo da guerra: a beleza da coragem física e, o mais horrível, a covardia. Após sessenta anos continuas a ter pesadelos por causa das coisas horrível em que participaste. O que me espanta é a ausência de culpabilidade, por que é tão fácil matar e morrer.


A crítica disse que "Comissão das Lágrimas" trata das torturas feitas a Virinha, a capitã do Movimento de Libertação de Angola.

Não se entendeu bem, na realidade é sobre a morte de Jonas Savimbi num atentado cometido pelos serviços de inteligência portuguesa, israelita e norte-americano que o localizaram pelo telefone móvel.


Era uma vida sempre em alerta.

Quase sempre. Quando jogava o Benfica, escutávamos os jogos na rádio e orientávamos os altifalantes do quartel para o exterior. Durante 90 minutos não faziam nem um tiro. Os guerrilheiros eram do Benfica, como nós.


É do Benfica?

E do Atlético de Madrid, duas equipas do povo. Estou muito contente de tenha voltado El Niño. Já não é o que era, mas demonstrou ser um homem de palavra, que é coisa rara entre os homens.


Compromisso, coragem, covardia... Fixa-se muito nos valores básicos das pessoas.

E a honestidade. O escritor tem que ser honesto. Mario Vargas Llosa, por exemplo, é um escritor honesto e um prémio Nobel merecido. Dizia Frank Sinatra: "Posso ser um canalha, posso ser mafioso, mas quando canto sou completamente honesto".


Gosta muito de música?

Gosto muito, mas já não ouço os agudos, não ouço os violinos.


Diga-me que gosta do fado.

Não me interessa muito. Depois de ouvir dois torna-se monótono.


E o flamengo?

Ah!, isso sim, muitíssimo. Aquela sensualidade, aquela beleza; Jacobo [Martínez de Irujo] costumava chamar-me quando descobria um novo cantor para que fôssemos ouvi-lo juntos. Aprendi mais com alguns saxofonistas de jazz como John Coltrane ou Charlie Parker do que com escritores.


Aprendeu o quê?

O frasear, a musicalidade do frasear. Ao fim e ao cabo sou um ladrão, um homem que procura coisas no lixo. Os meus livros nascem do lixo.


E não encontrou um livro que lhe tenha mudado a vida?

Sim, quando jovem, não sei como, caiu-me nas mãos "Nueve Novísimos Poetas Españoles" (José María Castellet, 1970). Li-o e percebi que não podia continuar a escrever a merda que escrevia. Cada um dos nove era melhor que eu. Como poderia comparar-me a "Oda a la Venecia ante el Mar de los Teatros" de Pere Gimferrer?


E hoje, que livro salvaria da sua obra?

Nunca falo dos livros que acabei. Não leio as provas nem o que é publicado. Quando os entrego, esqueço-os. Acabou-se. Não pense mal de mim, mas orgulho-me da minha obra.


Não lê as críticas?

Eu sei o que escrevo. Não preciso de lê-las. Nem as de Harold Bloom, ainda que nesse sentido acho mais importante George Steiner, o maior gênio que existe. Sabe que em casa tem o piano de Darwin? É frequente confundir os nossos gostos com as nossas paixões. Borges é bom, mas não gosto; Roberto Bolaño é bom, mas não compreendo o fenomeno, talvez seja porque morreu jovem, talvez não goste porque o conheci. É esse o problema da crítica. Se coincide com os teus gostos, é bom; se não, é mau.


Escreveu trinta livros em trinta e sete anos. Não vai parar?

Que posso fazer? Quando não escrevo não me sinto bem, sinto uma angústia; uma coisa física difícil de explicar. Tenho a impressão que fui feito para escrever.







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