Tem um camarada com quem me identifico muito, somos farinha do mesmo saco. A livraria que ele toca é de rua, pequena e charmosa, e os títulos são rigorosamente escolhidos e assim classificados: história, futebol, música e -- o que mais me diverte -- temas cariocas.
Estou me referindo à Livraria Folha Seca, do meu chapa Rodrigo Ferrari. Quando foi batizada de uma batelada só se abraçou dois dos ganchos principais no nome da casa. O chute cheio de efeito do Didi e a música do Nelson Cavaquinho, entrelaçados, se uniram para dar a identidade à Folha Seca.
Quatro anos atrás, quando estive pelo Rio lançando o Jeitinho americano, de Matthew Shirts, fizemos o lançamento lá com o Rodrigo. Cheguei bem cedo, antes do almoço e fiquei pela livraria o dia inteiro. Como o calor no Rio é coisa séria, achei por bem me abrigar no valente ar-condicionado oferecido na casa. A experiência de observar a rotina numa livraria é muito rica para um livreiro, ainda mais quando a livraria não é sua.
Muitas vezes fico azedo no meu balcão e digo antes do cidadão terminar a pergunta, “não, não tenho Xerox, somos uma livraria!” Naquele dia a grande pergunta era: “Você sabe onde tem uma lan-house?” Na Rua do Ouvidor, centro histórico do Rio, reduto de Machado de Assis, não tem por perto uma lan-house. Um dos visitantes, mais ousado: “Será que dá para você imprimir aí o que eu preciso?” Esticando o olho para dentro do escritório do livreiro, pensei comigo, “só muda o endereço.”
Logo depois chegou uma figura, tinha marcado hora, com uma idéia de negócio para oferecer. O ilustrador estava com uma pasta na qual se empilhavam figuras ligadas ao patrimônio carioca que é o Flamengo. Ele marcava cerrado do lado de cá do balcão dizendo que aquilo era a cara da livraria e tal e coisa, nem reparou quando espichei o olho para examinar os trabalhos, que eram bons, mas nem tanto. Ainda não estavam no ponto profissa, acho eu.
O paciente livreiro (Flamenguista roxo) mostrou a falta de paredes para exposição e o volume de dedicação que teria de empregar a um artigo muito periférico, e o homem fixo nele, como um volante da escola do Chicão. No final da defesa ele arremata: “Entendi, mas não vou desistir, logo falamos novamente, essas camisas são a cara da livraria, eu volto!”
Também vi e gostei muito de notar como dá certo ter um perfil. Foram vendidos CDs de MPB, livros de história e urbanismo e assisti de camarote o compadre contar passagens da história do Rio em alguns mapas que retratavam a região no século XVII.
A sessão de autógrafos foi muito simpática, leitores que acompanham o Matthew nas redes sociais se apresentaram pessoalmente, além de colegas jornalistas e clientes da livraria.
Convidei amigos também do Rio. Lá estavam a querida Estela dos Santos Abreu, tradutora do francês e minha orientadora, a Valéria Martins, agente literária, e a Camila Cabete, craque nos e-books.
O papo seguiu animado, vendi até um livro para o Matthew, o "Fup", de Jim Dodge (José Olympio), e logo em seguida se encerrou o expediente, pelo menos na livraria. Seguimos para os debates e resoluções do mundo no botequim do Santos, um português casado com uma mulata carioca, para o balanço do dia. Havia um bloco de carnaval na esquina do restaurante, fazia ainda uns 30º, e os chopes se somavam aos argumentos.
Terminamos a jornada discutindo aos berros que o nosso futuro era incerto, que iríamos morrer na praia, que os e-books vão acabar com as nossas livrarias. Eu tendo a não acreditar nisso. Farejo um bom futuro para livreiros com conteúdo, creio nos bytes gerando mais oportunidades para quem tem opiniões e livrarias temáticas. Mas vou respeitar o Rodrigo. Afinal, certeza, certeza, nós não temos.
José Luiz Tahan é livreiro e editor,
e proprietário da Realejo Livros e Edições,
a livraria e publishing house
mais charmosa de Santos
e de todo o Litoral Paulista.
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