Aqui nos meus armarinhos, revezo os trabalhos de livreiro, produtor de eventos, editor e o que vier pela proa. Um dos trabalhos mais legais é o de produzir encontros com escritores. Gosto tanto que criamos um festival a tarrafa literária. E foi em um desses eventos que conheci Lourenço Mutarelli. O nosso santo “bateu”, como diz o ditado.
Figura de enorme talento, do mesmo tamanho de sua sensibilidade, o homem acumula os rótulos de desenhista e ator. É dele “O Cheiro do Ralo”, romance escrito em incríveis cinco dias. Depois adaptado para o cinema, motivado por um de seus leitores, o ator Selton Mello.
Nesses dias de festa, passo o máximo de tempo com o convidado. A ideia é conhecê-lo de perto e, a partir daí, ter mais elementos e intimidade para a palestra noturna, na qual enfrento a plateia como mediador do autor.
Fomos almoçar num misto de boteco e restaurante português, o Último Gole, que fica numa quase esquina, perto da praia do Gonzaga. Estava um pouco apreensivo. Havia estudado a carreira e lido sobre a vida de Mutarelli uma longa e reveladora entrevista concedida a Rolling Stone. Sabia que tinha passado por maus bocados e lutava contra seus próprios fantasmas. Mas, como disse a pouco, o santo bateu e levamos um bom papo sobre HQs, cinema e literatura, além de falarmos sobre o meio literário, amigos autores e alguns desafetos de lado a lado.
Quando terminávamos o bacalhau, para em frente à nossa mesa, na calçada ao ar livre, um vendedor de rua. Com pinta de um Keith Richards sem guitarra, nosso misterioso ambulante oferece uma latinha redonda vermelha do tamanho de uma tampa de refrigerante. Promete que, no interior dela, se esconde um aliado para a vida sexual dos homens. A pomada Wild Tiger nos foi ofertada pelo Mr. Richardscover. Na mesma hora, Mutarelli piscou para mim e pediu um elixir. E claro que fiz o mesmo.
À noite, recebemos um bom público para a palestra. No início, quando nos sentamos no palco, tiramos de nossos bolsos nossas latinhas vermelhas e, sem mais explicações, as colocamos em cima da mesa. O bate-papo foi inesquecível. Mutarelli é de uma sinceridade desconcertante. Falamos sobre sua vida, sobre as dores vividas e assuntos da minha própria vida, nunca antes expostos assim, em público.
Contaminei-me com a transparência e crueza do relato de Lourenço, e foi muito bom.
Lembro dessas passagens e estou recebendo em Santos, novamente, este bom amigo. Atendi uma ligação de sua esposa, Lucimara, propondo uma visita, pois queria conhecer melhor a cidade e a livraria, descrita por Lourenço como parente da lendária Shakespeare & Company. Esses meus amigos...
Ah! Até hoje não usei meu Wild Tiger. Vou perguntar pro Mutarelli.
José Luiz Tahan, 41, é livreiro e editor.
Dono da Realejo Livros e Edições em Santos, SP,
gosta de ser chamado de "livreiro",
pois acha mais específico do que
"empresário" ou "comerciante",
ainda mais porque gosta de pensar o livro
ao mesmo tempo como obra de arte e produto.
Nas horas vagas, é um pai de família exemplar.
Já nas horas vagas de pai de família exemplar,
assume sua identidade (não muito) secreta
como o blues-shouter Big Joe Tahan.
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