para CINEMA NA REDE
Ganhador do prêmio SACD na seleção deste ano da Quinzena dos Realizadores em Cannes, Três Lembranças da Minha Juventude é o capítulo inicial da trajetória do personagem Paul Dédalus, sucedido por Comment je me suis disputé... (ma vie sexuelle), de 1996. O personagem também aparece em Um Conto de Natal, de 2008.
De regresso a Paris, Paul Dédalus (Mathieu Amalric) é envolto em lembranças. De sua infância e das crises de loucura da mãe; da viagem à URSS, já na adolescência, onde acabou cedendo seus documentos a um jovem russo; das festas com os irmãos e amigos; de seus estudos em Paris e da descoberta da vocação para a antropologia. E, acima de tudo, Paul se lembra de Esther (Lou Roy-Lecollinet), o grande e turbulento amor do fim de sua adolescência.
Um pequeno Paul Dédalus inflamado e de faca em punho impede a mãe, histérica, de subir as escadas até o quarto das crianças. A cena resume o primeiro dos três capítulos do filme, o que retrata a infância do protagonista, marcada por uma mãe ao estilo daquela da obra de Hervé Bazin –Vipère au poing, um dos mais conhecidos romances infanto juvenis da literatura francesa, que originou o filme De víbora em punho (Philippe de Broca).
Alter ego fictício do cineasta Arnaud Desplechin e uma espécie de Antoine Doinel (aliás, o personagem de Truffaut tampouco guarda belas memórias da mãe), o já adolescente Paul Dédalus é marcado por outro acontecimento, então no segundo capítulo do longa. Em visita à URSS, ele acaba entregando seu passaporte a um jovem judeu, que se torna um segundo Paul Dédalus, possibilitando seu refúgio em Israel. Fato que, mais tarde, será o botão que acionará as lembranças do protagonista.
Passeando por gêneros diferentes, chegamos ao terceiro e último capítulo do filme, o mais longo e belo dos três, intitulado “Esther”. É aqui que conhecemos um Paul Dédalus já no final da adolescência, presenciamos seu encontro – e obsessão – com a bela e orgulhosa Esther e testemunhamos o amor visceral entre os dois. Amor doce, carnal, repleto de lágrimas, feridas, enganos e distâncias.
Esther é o centro das lembranças de Paul. A garota disputada por inúmeros pretendentes e que mais adiante revela uma melancolia profunda, mantém fixo o olhar do espectador, atraído sem perceber pelos inúmeros planos fechados no rosto da moça. Frágil, Esther é fonte de alegria e infelicidade para Dédalus; seu rosto, fadado a morar eternamente na memória do protagonista.
Quase ausente de adultos, a juventude retratada por Desplechin traz lirismo, volúpia e, em vários momentos, adquire característica epistolar – Paul e Esther mantêm um amor à distância por um bom tempo e as trocas de cartas são uma lufada de ar ante a possibilidade de sufocamento. Os jovens em torno do casal adolescente compreendem a vida a partir da própria vivência; pano de fundo, a queda do Muro de Berlim é também a constatação do rompimento para sempre daquilo que um dia fora a infância.
Seja pelos novatos Quentin Dolmaire e Lou Roy-Lecollinet – na pele de Paul Dédalus jovem e Esther, talentos a serem seguidos de perto –;seja pelo caráter íntimo e romanesco do filme; seja pela sensação de estarmos assistindo a um romance de formação. Ou por tudo isso junto. Três Lembranças da Minha Juventude, obrigatório para os apreciadores do cinema de Depleschin, é um filme para ser admirado em todos os seus aspectos.
(Trois Souvenirs De Ma Jeunesse, 2015, 120 minutos)
Direção
Arnaud Desplechin
Elenco
Quentin Dolmaire
Mathieu Amalric
Lou Roy Lecollinet
em cartaz no Cinespaço Miramar Shopping
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