Dona Lídia, minha mãe, não era uma mulher culta. Pelo contrário, completou apenas o curso primário, deu alguns passos no ginasial e depois teve que cuidar da vida. Mas, vamos deixar claro, não era mulher de se omitir e o que lhe faltava de educação formal (tão necessária!), sobrava de sabedoria. Sim, ela era uma mulher sábia, durona; uma educadora de dar exemplo. Ao longo de toda minha formação educacional ouvi uma velho ditado recitado quase como um mantra: "em mulher não se bate nem com uma flor". O respeito era imposto, ás vezes, com cascudos e puxões de orelha, o método psicológico/pedagógico da época na política educacional de minha mãe. Aprendi que tias, avós, amigas, primas, mulheres de todas as matizes devem ser respeitadas a qualquer custo. Os anos passaram, minha mãe chegou ao limite da idade e partiu aos quase 90 anos, eu fiquei por aqui e não tenho qualquer problema com ela. Nunca precisei deitar num divã de psicanalista. Sinto sua falta, suas broncas e uma frase que escutei até seus últimos dias: você já escovou os dentes hoje?"
Talvez tenha tido uma educação diferente, mas não consigo entender como um homem queira transar com uma mulher pela força. Ou a mulher que constrange um homem para a transa. Considero algo tão impensável, tão anacrônico que imagino doença mental ou algo do gênero. Homens e mulheres foram criados semelhantes exatamente para se completarem. Não existiriam os seres humanos sem que ambos, homens e mulheres, decidissem. Um relacionamento baseado na brutalidade física ou mental, seja de homens para mulheres ou vice versa, não tem o menor sentido. A beleza do filho é exatamente a garantia do amor, uma espécie de selo de cartório, comprovando que duas pessoas geraram um ser para confirmar uma união. E caso a opção do casal é a de não ter filhos, um relacionamento carnal, da mesma maneira, vem comprovar o amor mútuo. Num relacionamento normal, hematomas não existem...
A discussão criada com o eloquente discurso de Oprah Winfrey na entrega do Globo de Ouro, ativou o movimento "MeToo", e as denúncias contra diretores, produtores e atores que, de uma forma ou de outra, usaram seu poderio social, mundano ou apenas físico para abusar de jovens atrizes, ou jovens atores, inundou as redes sociais e alguns, mais afoitos, já pensam na mais famosa apresentadora como candidata à Presidência da República em 2020, pelo partido Democrata. A transformação de um movimento sério, correto e que visa única e exclusivamente proteger as mulheres que sofrem abusos, corre sério risco quando é confundido com um movimento político. Oprah pode ser inteligente, uma grande apresentadora, a mais influente mulher americana, mas ser presidente de um país da importância dos Estados Unidos, já é outra conversa. Com a intransigência atingindo padrões insuportáveis, artistas desconhecidas e inconsequentes, saíram de suas tocas e começaram a acusar atores premiados -- James Franco foi um deles -- com o claro propósito da popularidade.
Com uma imprensa que anda louca atrás de uma carniça, esses atores foram atacados sem o menor direito de defesa. A única saída encontrada por eles foi o desaparecimento, o auto recolhimento caseiro. James Franco, por exemplo, trocou até seu número de telefone e só permite que poucos amigos -os mais íntimos- frequentem sua casa. Até que ponto essa acusações são verdadeiras? Até que ponto acusações de fatos ocorridos 20 anos atrás são para denunciar mesmo ou para simplesmente sair do anonimato ou ganhar algum dinheiro? Todo e qualquer extremismo leva à imponderabilidade da justiça. Faltou bom senso.
Todos conhecemos a cultura norte-americana e sabemos que a tal "moral Vitoriana" é de arrepiar os cabelos. Não concordo com esse puritanismo hipócrita e sujo, tão usado e pregado nas Igrejas do interior americano. Seus pastores são como verdadeiros inquisidores e chegaram a influenciar escritores como Faulkner, por exemplo. Mulheres não são bonequinhas de porcelana que precisam ser protegidas. Elas precisam, isso sim, serem respeitadas, terem seus direitos reconhecidos integralmente e são as únicas e verdadeiras parceiras e companheiras dos homens. Entre os dois gêneros não existem diferenças, quanto mais privilégios...
Todo e qualquer abuso precisa ser reprimido exemplarmente. Não se está aqui defendendo o direito do estrupo, mas é preciso que as pessoas deixem de lado a intransigência para discutir o assunto com clareza. Mulheres francesas, entre elas a maravilhosa Catherine Deneuve, que tem outra visão do relacionamento entre homens e mulheres, publicaram um documento com 100 assinaturas condenando o estrupo, a violência, o abuso, mas alertam para a condenação do incrível, delicioso e insubstituível jogo do amor. Elas condenam duramente o produtor Weinstein; aplaudem o movimento "denunciem seu porco" , mas recusam-se a serem tratadas "como pequenas coisas fracas que precisam ser protegidas".
Elas querem ter o direito de escolher, aceitar ou não os avanços e até gestos, entendendo que os mais bruscos, estúpidos, vulgares e falocráticos é que devem ser proibidos. Com isso, deixam claro que suas carreiras não podem sofrer interrupções ou atrasos por conta da posição social de um imbecil qualquer que exija favores mais imbecis ainda. Defendem o direito de desejar, fazer avanços, abrir caminhos, enviar sinais, claro, muito mais educados e sutis do que os homens. Enfim, usaram o bom senso, enfiaram no saco a intransigência e não abriram mão das punições duras àqueles que passem da linha limítrofe da civilidade.
Acredito que a temperatura ainda vá aumentar um pouco. Vivemos tempos tensos, mas aposto que, no final, sobreviverá o bom senso, onde homens e mulheres conviverão sem esses tipos de problemas; tempos onde a igualdade seja o tema comum, nunca a intransigência, como nos dias de hoje...inté.
Álvaro Carvalho Jr. é jornalista aposentado
e trabalhou para vários jornais e revistas
ao longo de 40 anos de carreira.
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pois, como dissemos acima,
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