Friday, January 19, 2018

PERDEU-SE! (por Marcelo Rayel Correggiari)




Você já olhou para alguém e perdeu o ar?!
Se isso ainda acontece com você, você é um felizardo(a)!
Bem-vindo(a) ao mundo dos humanos.
Nesse ponto, discordo do Harari. O menino é um gênio! Vale cada centavo, cada linha! E isso porque esse (des)apaixonado merceeiro está apenas no primeiro ‘tijolinho’ do ‘trem’, o “Sapiens...”. Tem o “Homo Deus” ainda para enfrentar. Só que ele se perde na técnica (absoluta, aliás!) e deixa de lado certas ‘sutilezas’ que não entram no homem “caçador-coletor”, “revoluções agrícolas” e os escambau...!
O (Yuval Noah) Harari deixa de lado algo primordial numa ciência humana: os, às vezes, tortuosos (mas saborosíssimos!) caminhos da emoção e do afeto. Esse bicho inexplicável que foge à toda lógica, linhas de raciocínio, padrões de pensamento, teorias, teses e, como diria meu amigo Ian (Sansom), “... blá, blá, blá, blá...”.
Se bem que vamos dar a mão à palmatória para o historiador israelense: ele explica direitinho certa mania do ser humano em mediar qualquer traço da existência ou ações humanas por certas partes específicas do corpo, o que esse (des)assistido merceeiro costuma chamar de ‘genitalização’.
No caso, Harari apela para os bonobos: um paralelismo perigosíssimo, mas com algum traço de realismo. Contudo, formas biológicas ainda não explicaram como é que você ‘perde o ar’, o batimento cardíaco aumenta, o corpo arrepia, as pernas bambeiam, quando você olha para uma pessoa.
Uma simples foto... e a emoção aflora.
Lamento, caro Harari: ‘cê’ perdeu, ‘ladrão’! Casa caiu ‘pr’ocê’, playboy!
Você já olhou para alguém e perdeu o ar?!
É óbvio que torcemos para a plenitude. Não há nada melhor do que esse ‘sumiço de ar’ acontecer para ambos os lados. Muito nos entristecemos quando apenas um dos lados se vê quase sem respiração e não há uma correspondência.
Nem sempre isso é possível... por inúmeras razões. Gostar (ou amar) não é uma regra exata, fechada, “... porque eu gosto de você, logo, você gostará de mim...”. Isso não existe. A coisa beira quase ao ilógico. Além disso, há tantas outras coisas no meio do caminho e nem sempre esse “perder o ar” acaba sendo correspondido.
‘Amar a si próprio(a)’ para ser amado(a), “... saber deixar alguém te amar...”, medos oriundos de traumas quase intransponíveis,... até mesmo questões energéticas (da energia vital da pessoa) entram na questão e a correspondência não acontece. É triste, sabemos! Dói muito, dói de sair sangue quando dessa ausência. Porém, há de se ter certo entendimento que, por mais que queiramos, talvez essa correspondência jamais ocorra.
Muita coisa se perdeu: perdeu-se a atenção ao afeto, combustível-mestre de qualquer tentativa de vida amorosa. A boa-vontade, o interesse, a paciência do entendimento. Perdeu-se o ‘sumiço do ar’ quando se olha para a pessoa, uma forte emoção que uma simples presença pode proporcionar.
Perdeu-se a emoção do toque.
O simples toque. Não qualquer um: aquele que vem de alguém que acabou de perder o ar ao te ver.
Percebam que tudo isso traz certo peso: é um troço que engorda. Há de se ter uma firmeza de compromisso consigo próprio(a) para a manutenção de tal chama. Com medo de sentir dor outra vez, o que faz o ‘bicho-homem’?!
Genitaliza-se a intimidade, e que todas as demais emoções, percepções das emoções do(a) ente amado(a), vão às favas.
Na intimidade, as genitais estão chegando primeiro. Questões como afinidade, sinergia, harmonia, carinho, acolhimento, amparo, confiança, interação, admiração, entre tantas, foram quase todas para a lata do lixo.
As genitais chegam primeiro...
... acabamos escravos de muito orgasmo, orgasmo, orgasmo... ejaculação, ejaculação, ejaculação, e se perde o momento de se sentir, literalmente, o sabor da pessoa, o cheiro da pessoa, a eletricidade naquela pele colada à sua...
... se bobear, não rolam nem ‘as preliminares’.
Vira uma prospecção de petróleo: bomba-se, bomba-se, bomba-se sonda adentro e, quem sabe, com alguma sorte, termina-se a operação com um barril pronto para a comercialização.
Nem sabemos, ao certo, se dá para chamar isso de sexo.
De fato, transamos com as genitais, sim. Mas não somente com elas...
... perdoem informar, mas transamos é com o corpo inteiro.
Até a alma entra na jogada.
As genitais são a expressão física de um encontro com alguém que, ao olharmos para ele(a), “... perdemos o ar...”.
Alguém que nos motiva, nos faz bem, nos emociona, nos move (e vejam que, talvez, nem estejamos falando de amor!): alguém que desperta em nós uma profusão tranquila de todos os afetos possíveis.
Acima de tudo, alguém de nosso genuíno interesse: alguém que faz brotar dentro de nós um inenarrável prazer de estar ombro-a-ombro, lado-a-lado.
Inexplicável! Simplesmente, inexplicável... a coisa mais ilógica do mundo.
Mediar carinho, admiração, prazer e afeto “... s-o-m-e-n-t-e...” com as genitais é a sofrida e dura realidade de nosso tempo. Soa como “... o início da picada...”.
Os contornos, o peso, a textura da pele, a temperatura, a respiração, o toque nos fios de cabelo, o som da voz, a eletricidade, o sabor e o cheiro: somente com essa mediação (a das genitais), tudo isso se perde.
Ainda que chamem esse combalido merceeiro de ‘romântico’, ‘ingênuo’, ou o nome que queiram atribuir: não faço muita questão de perder cada vibração que a pessoa que me faz ‘perder o ar’ pode me proporcionar.


Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 48 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É avesso a hermetismos
e herméticos em geral,
e escreve semanalmente em
LEVA UM CASAQUINHO

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