Gênio:
com tanta prodigalidade esse termo usado e tão raramente adequado a nomear um
artista como foi Ingmar Bergman. Um estilista, um mestre, alguém de quem
esperávamos um novo filme como aguardamos hoje um novo Woody Allen ou
Almodóvar.
Gênio
é o exagero de talento para estruturar uma expressão artística ao limite: no
cinema, arte suprema da modernidade poucos deram tanta grandeza aos seus meios
quanto o diretor de “Persona” e “O Ovo da Serpente”.
Bergman
foi um realizador que usava a técnica a serviço da reflexão profunda, - era um
diretor que filosofava, um arqueólogo da alma humana, um pensador tal Kierkegaard
com planos, tomadas e perspectivas dum Rembrandt.
Se
tivesse que escolher um filme supremo para representar nossa existência e sua
precariedade sem pestanejar escolheria “O Sétimo Selo”, verdadeiro documento
filmográfico altura dum “Hamlet” ou antes de “A Divina Comédia”. Ando a reler
Strindberg e pretendo nesse espaço em julho comentar seu impacto em minha
geração, na nossa poesia, todos seus reflexos.
Uma
obra que falasse tanto quanto Freud e toda psicanálise?
Em
“Morangos Silvestres” inegavelmente temos outro monumento filosófico e psicanalítico
sobre a passagem do tempo marcada em nosso espírito, reinventada pela memória.
É
impossível fazer ou procurar entender cinema sem passar por um curso intensivo
de Bergman.
Assistir
suas fitas como guia prático e manual aplicado sobre a sétima arte. O primeiro
Bergman a gente nunca esquece.
Onde
e com quem, em que época iniciados nesse oficio de fé através dum saber
misterioso e revelador?
“Fanny
e Alexander”, uma catedral, “A fonte da donzela”, uma capela gótica. Bergman
elaborou filmes como arquiteto dum universo refletido desse nosso planeta entre
som, fúria e desaparecimento.
Cada
um de nós artistas ou tão somente cinéfilos temos essa relação particularíssima
com Bergman como assim preferência por determinado vinho ou paisagem
sentimental de nossa memória.
Por
impacto, afeição ou encantamento ninguém sai impunemente duma sessão de
Bergman.
Nos
comove pela imagem poderosa e os diálogos antológicos tanto quanto os romances
de Herman Hesse na juventude ou os contos de Borges na maturidade.
O
absurdo, a solidão intransponível, a dificuldade de comunicação entre gerações
e no casamento, as contradições religiosas, o bloqueio da Incomunicabilidade e
a condenação de nossa sozinhez.
Bergman
é uma enciclopédia filmada de nossos descaminhos, nossos entusiasmos fugazes e
abismos. Nesse centenário recordo da Cinemateca de Santos onde descobri seu
mundo, de Miro Antunes que o retratava lindamente e do dia que liguei a
Gilberto Mendes fissurado pelo diretor falando da sua partida. O maestro
desligou aos prantos mal sabendo que a tarde do mesmo dia morria Antonioni. Eram
nossos ídolos, nossos íntimos, com quem convivemos eternamente. Tomei de novo
seu volume de memórias denominado “Lanterna Mágica” e quanto saber desprendido
e destinação a arte ele expressa:
Bergman tinha sensibilidade quase patológica para a existência e essa
argúcia que nos passa para esmiuçar o que aqui fazemos...
Poeta, contista e crítico literário,
Flávio Viegas Amoreira é das mais inventivas
vozes da Nova Literatura Brasileira
surgidas na virada do século: a ‘’Geração 00’’.
Utiliza forte experimentação formal
e inovação de conteúdos, alternando
gêneros diversos em sintaxe fragmentada.
Vem sendo estudado como uma das vozes
da pós-modernidade literária brasileira
em universidades americanas e européias.
Participante de movimentos culturais
e de fomento à leitura, é autor de livros como
Maralto (2002), A Biblioteca Submergida (2003),
Contogramas (2004) e Escorbuto, Cantos da Costa (2005).
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