Sunday, November 18, 2018

NA SEGUNDA TEMPORADA DA SÉRIE "THE DEUCE", MAIS UM PASSEIO NOTURNO PELO BAS-FOND NOVAIORQUINO DOS ANOS 70 (por Fábio Campos)



Tive o primeiro contato com uma produção do David Simon em Treme, a série que iniciou em 2010 e retratava a tentativa de volta à normalidade dos habitantes de Nova Orleans depois da passagem do furacão Katrina, em 2005. Logo depois assisti à excelente mini serie baseada num caso real Show Me A Hero, de 2015. Nas duas produções é nítida a preocupação em retratar ao máximo a realidade com toda a sua complexidade de forma quase documental, cobrindo a realidade de uma grande variedade de personagens sempre com foco seus respectivos ambientes. Com isso, além da esfera pessoal, são retratados em detalhes ambientes como a policia, os políticos, os músicos, os empreiteiros e vários outros, que vão formando um mosaico cada vez mais interligado e complexo. O que eu não sabia é que a sua obra prima tinha sido lançada em 2002 e durou até 2008 -- a série The Wire, que usa os mesmos elementos com maestria.

Ano passado, Simon se voltou ao ambiente da prostituição na Nova York dos anos 70 com a serie The Deuce, que encerrou agora a sua segunda temporada, mantendo-se fiel ao seu estilo. A serie recria a podridão que era a cidade na época, se concentra especialmente na região do The Deuce, que dá nome à serie. O foco da primeira temporada é na prostituição e nos cafetões, mas, fiel ao seu estilo, Simon envolve a Polícia, a Máfia, a Especulação Imobiliária (que deseja valorizar a área degradada), os políticos, a vida noturna, a cena gay e -- particularmente na segunda temporada -- uma indústria pornô que passa por um boom. Parece complexo -- e é --, mas uma série e com várias temporadas possibilita isso.



Normalmente, as séries de Simon não contam com atores famosos. Alguns acabam famosos depois de passar por elas, como Idris Elba e Dominic West em The Wire. Outros passam de uma série para outra, como Wendell Pierce e Chis Bauer. Sempre há a preferência por tipos comuns, confirmando assim o maior foco possível na realidade. Mas dessa vez ele despertou o interesse de Maggie Gyllenhaal e James Franco, que também assinam como produtores. Os personagens dos dois, no entanto, não tem nenhum glamour. Maggie está excelente -– ganhou o Globo de Ouro -– no papel da prostituta de rua que começa a se interessar por filmes pornô até chegar à direção. E Franco não compromete interpretando dois irmãos gêmeos que se envolvem com as atividades controladas pela Máfia.

Tudo é muito verossímil, os sonhos e ambições das meninas -- a maioria recém-chegada à cidade grande --, a relação de amor-ódio das prostitutas com os cafetões, os clientes -- a maioria perdedores e fracassados, alguns violentos --, a Polícia (quase sempre) corrupta e os bastidores da Indústria Pornô, desde as cabines onde os filmes eram exibidos até os cinemas especializados. O boom doméstico do lançamento do VHS ficou para terceira e última temporada da série.

Como é focada em vários personagens e ambientes, a série começa devagar, apresentando os personagens com calma e deixando o espectador se envolver no contexto e na conexão entre as atividades. Com o tempo, tudo fica interligado, sem simplificações. Todos os personagens, por mais repugnantes que possam parecer, são humanos e tem que conviver com as suas escolhas e suas culpas. Aliás, como todos nós. Não há mocinhos e bandidos, e isso é, entre muitos trunfos, um grande diferencial da série.

The Deuce tem muita nudez e sexo, como pede o tema. Mas tudo é cru, nada é romantizado, e nada é gratuito. Serve de antídoto a esse neo-puritanismo que está tomando conta das pessoas nos dias de hoje.

Se você é daqueles que não aderiram à onda neo-puritana, eu recomendo The Deuce fortemente, assim como Treme, Show Me A Hero, The Wire e qualquer outro projeto que venha a receber a assinatura de David Simon.



Fábio Campos convive com filmes e música
desde que nasceu, 52 anos atrás.
Seus textos sobre cinema passam ao largo
do vício da objetividade que norteia
a imensa maioria dos resenhistas.
Fábio é colaborador contumaz
de LEVA UM CASAQUINHO.








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