O que não falta
por aí são cinebiografias chapa branca e fantasiosas, mas confesso que há
tempos não assistia uma como Bohemian Rhapsody, a biografia do Queen, focada em
Freddie Mercury.
A musica do
Queen é empolgante. A vida de Freddie é rica, os envolvidos tem um ótimo
currículo; Bryan Singer –- que assina o filme, apresar de ter sido demitido
antes do final -– tem ótimos trabalhos no currículo. O roteirista Anthony
McCarten vem de duas boas cinebiografias: Teoria
de Tudo e O Destino de Uma
Nação. E Rami Malek vem conseguindo cada vez mais destaque a cada filme
de que participa.
Tudo apontava
para algo, no mínimo razoável, mas o resultado é extremamente decepcionante, um
filme totalmente impreciso, superficial e ruim.
Claro que para
condensar a vida de alguém em pouco mais de duas horas, o recurso mais
utilizado é simplificar algumas coisas e criar alguns ganchos inexistentes para
manter a continuidade e para que a plateia possa acompanhar melhor a história.
Com isso se mantém um bom potencial de bilheteria -– algo importante num filme
sobre uma banda de tanto sucesso. E é a preocupação com a bilheteria que me
parece o principal causador dos problemas do filme. Fica claro que o foco
principal do filme são os fãs e, consequentemente, encher os cinemas.
O filme não
poderia ser mais chapa branca, Mercury é um poço de virtudes, todos os seus erros
são culpa da má influência de Paul Prenter, que não chega sequer a ser
apresentado como namorado -- é uma figura que está sempre próxima, tentando se
aproveitar da fama. Prenter seria responsável pelas famosas festas que Freddie
dava e também seria a influência por traz da gravação do seu disco solo, algo
que abalou a amizade dos integrantes. O pobre e virtuoso Freddie resiste o
quanto pode a gravar um disco solo, mas acaba fraquejando depois de muita
insistência do malvado Paul. Fica claro que forma como Prenter se comportou
depois do termino da relação, expondo a intimidade de Freddie, lhe garantiu o
papel de vilão, uma espécie de vingança.
Com a mesma
superficialidade são tratados os outros conflitos, a relação com a família e,
principalmente, a relação com a namorada da época do inicio do Queen, Mary
Austin. O filme consegue mostrar o carinho que Freddie tinha por Mary, mas o
conflito com a sua homossexualidade poderia ter sido muito melhor explorado, para
termos uma visão melhor do lado humano do personagem. O que vemos na tela é
somente o mito.
O filme constrói
um arco desde o inicio da banda até uma apresentação apoteótica no Live Aid,
evitando, assim, terminar com a morte do cantor. O problema, especialmente para
nós brasileiros, é que esse clímax é construído sobre uma suposta volta da
banda após uma separação para tocar no Live Aid em julho de 1985. Fica difícil
engolir todo o esforço de se preparar para um show depois da separação, sendo
que seis meses antes eles fizeram um show antológico no Rock In Rio – show que,
aliás, é mostrado no filme como tendo ocorrido antes de 1980.
Se a base do tal
clímax já não era solida, a execução ficou pior ainda, parece um final de
novela. A caminho do show, Freddie encontra o amor da sua vida, dá uma passada
na casa dos pais para “resolver” os conflitos e arrebata o publico com a sua
performance, sempre sob olhares carinhosos dos personagens secundários. Se
trocarmos as cenas do show por um casamento teríamos exatamente um final de
novela. A reprodução do show, que começa interessante, também acaba perdendo
todo o encanto, a combinação do enquadramento fechado no palco com takes da
plateia e, eventualmente, do palco com a plateia à frente, gerada por
computação gráfica, é repetida à exaustão e acaba revelando o truque.
O público adora
fofocas sobre as suas celebridades favoritas, mas, quando elas morrem, passam a
ser intocáveis. É nisso que filme aposta. E, ao que parece, foi uma aposta
certeira. As bilheterias foram ótimas. Ouvi muitos elogios ao filme. Ao que
parece, o senso crítico tem perdido feito para a memória afetiva...
BOHEMIAN RHAPSODY
(Bohemian Rhapsody, 2018, 134 min)
Direção
Bryan Singer
Roteiro
Andrew McCarten
Peter Morgan
Produção
Jim Beach
Dexter Fletcher
Brian May
Roger Taylor
Elenco
Rami Malek
Lucy Boynton
Gwylim Lee
Ben Hardy
Joseph Mazzello
Aidan Gillen
Allen Leech
Tom Hollander
Mike Myers
Cotação
em cartaz nas redes
Roxy, Cinemark e Espaço de Cinema
Fábio Campos convive com filmes e música
desde que nasceu, 52 anos atrás.
Seus textos sobre cinema passam ao largo
do vício da objetividade que norteia
a imensa maioria dos resenhistas.
Fábio é colaborador contumaz
de LEVA UM CASAQUINHO.
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