por
Érico Borgo
para
OMELETE
A "Alta Fantasia", subgênero mais épico e imaginativo dentro da Fantasia, de luminares como O Senhor dos Anéis, não tem muitos representantes modernos tão populares quanto Warcraft. A poderosa franquia da desenvolvedora Blizzard, criada nos games e ampliada em livros e quadrinhos, é extensa em um nível digno de Tolkien. São mais de 20 anos desde o primeiro jogo - Orcs vs Humans -, que renderam um detalhamento enciclopédico e colaborativo de cada era, locação, mito, religião e personagem no período.
Não se trata, portanto, do típico "filme de game" que estamos acostumados, esse execrado tipo de produção cinematográfica criado para fazer uns trocados inventando uma história onde até então só existia a jogabilidade. Warcraft é um universo riquíssimo e digno de uma superprodução do tipo que muda o panorama da indústria.
Warcraft - O Primeiro Encontro de Dois Mundos, dirigido pelo gamer convicto Duncan Jones (Lunar), é o fruto dessa certeza, a de que os games podem render bom cinema. Pelo menos se criados por alguém que entende a propriedade - e nisso Jones é mestre.
Em um nível, o do gamer, Warcraft é um trunfo. Diferente do convencional narrativo, o dos lados antagônicos - o bem é belo, o mal é feio -, o longa respeita a essência de seu universo. Nele, os jogadores optam por se juntar ao lado da Horda ou Aliança. Não há bem ou mal. Há heróis e vilões em ambas as facções. Dessa maneira, Warcraft divide sua trama entre orcs e humanos irmanamente. É um Cartas de Iwo Jima/A Conquista da Honra de fantasia, de certa maneira.
Do lado orc temos Durotan (Toby Kebbell), um chefe de clã constituindo família contra a opressão de um mago opressor. Do lado humano, o general Lothar (Travis Fimmel) enfrentando uma invasão. Ambos defendem seu povo - e o filme tenta equilibrar razões, para manter jogadores satisfeitos. A trama acompanha eventos do primeiro jogo, de 1994, mostrando como começou a animosidade entre as duas raças e a Primeira Guerra que travaram.
Alguns fãs devem torcer o nariz para certas adaptações na história, que não segue à risca o cânone, mas faz algumas boas concessões narrativas pra simplificar a trama (o entrega em essência, o que era esperado). Mas a grande maioria deve mesmo sentir-se em casa. Jones, afinal, foi ao cúmulo de replicar o horizonte retalhado do game (ao longe você vê vários tipos de terreno), para adaptar a sensação de trilhar o mundo de Azeroth que se tem no jogo. Além disso, encomendou da Industrial Light and Magic toda uma nova tecnologia de captura de performance, visando dar aos orcs a mesma empatia que um ator daria aos seus personagens humanos. Até os poros dos modelos em computação gráfica dos orcs são capturados da pele de seus intérpretes. Nesse ponto, Warcraft é bastante impressionante.
A grande questão é a que tange os não-jogadores. Diferente de outras franquias, como a Marvel, que amplia seu universo ao incluir famílias inteiras como público-alvo, Warcraft é hermético demais. O filme começa em combate e parte instantaneamente para os problemas: a diáspora orc saindo de Draenor e a invasão a Azeroth. A apresentação corre apressada e, com ela, perde-se a chance de estabelecimento desses mundos e personagens. Simplesmente não há ligação emocional. Sem ela, perde-se a urgência. Se a sua mãe entende hoje o que é um Reator de Arco tranquilamente, não acredite que ela abraçará o conceito do Fel tão cedo. Pelo menos não como o filme o introduz. Não há uma escala crescente de informação em Warcraft, cuja trama salta de cenário em cenário apresentando personagens para um público que sequer absorveu a novidade anterior ainda. E considere aí que a própria tecnologia, o visual colorido e limpo - em contraponto ao sujo e gasto de O Senhor dos Anéis - e os orcs enquanto heróis e vítimas também são novidades aos olhos dos forasteiros aos jogos.
Os jogadores e fãs, claro, representadíssimos e valorizados, não devem ter problemas em abraçar o filme. Mas para que o universo de Warcraft floresça fora dos games, é necessário pensar nessa abrangência. Ao menos, passado o atropelado primeiro ato, as coisas vão se encaixando e levando em direção a um clímax interessante. Os fãs devem ir ao delírio. Mas o público normal... esse não deve voltar a Azeroth tão cedo.
NÃO FOI DESSA VEZ QUE OS GAMES BRILHARAM NAS TELONAS
NÃO FOI DESSA VEZ QUE OS GAMES BRILHARAM NAS TELONAS
por
Wilker Medeiros
para
CinePop
Parece existir uma espécie de maldição quando se trata de adaptar para o cinema qualquer título dos videogames. E essa lógica se encaixa em todos os estilos: Street Fighter – A Batalha Final (1995), Double Dragon (1994), Super Mario Bros (1993), Mortal Kombat: A Aniquilação (1997), Alone In The Dark: O Despertar do Mal (2005), House of the Dead (2003), King of Fighters: A Batalha Final (2010) e mais uma infinidade destas produções são exemplos diversos que seguiram o caminho do fracasso e da mediocridade. Nem mesmo Resident Evil, que se tornou a franquia mais rentável nesse meio justamente por se distanciar do material original, conseguiu escapar de críticas duras.
Ou seja, quando se fala que vem por aí mais uma dessas empreitadas, os próprios gamers já não creem na possibilidade de dar certo, imagine então os cinéfilos.
No entanto, nos últimos anos, quando foi anunciado que a maior franquia da Blizzard Entertainment ganharia um filme de grande orçamento, os fãs deram uma atenção especial e viram até potencial para um novo filão. Um dos principais atrativos foi a contratação do diretor Duncan Jones, fã declarado do jogo e um dos cineastas mais elogiados atualmente dentro do gênero da ficção cientifica – por ter feito os ótimos Lunar (2009) e Contra o Tempo (2011).
A desenvolvedora em questão sempre foi conhecida por fazer cinematics impressionantes em seus games, principalmente em Warcraft, onde expandiu o universo com livros e histórias em quadrinhos.
Por sinal, além dos jogos, este Warcraft: O Primeiro Encontro de Dois Mundos tem como base os livros The Last Guardian (2002) e Rise of the Horde (2006), e se passa exatamente em Azeroth, um lugar pacato governado pelo rei Llane Wrynn (Dominic Cooper), que tem ao seu lado o guerreiro Anduin Lothar (Travis Fimmel) e o poderoso guardião Medivh (Ben Foster). A paz é quebrada com a abertura de um portal, quando Orcs começam a atacar impiedosamente pelas ordens do mago Gul’dan (Daniel Wu) em busca de dominar o lugar e escravizar os humanos para absorver as almas, e assim aumentar seu poder. Dentre esses seres existe uma antiga ordem chefiada por Durotan (Toby Kebbell), que discorda dos métodos de Gul’dan e tenta seguir por outro caminho.
Como se pode notar, a trama por si é bem batida e de certa forma já foi vista em várias outras produções do estilo, principalmente por sua estrutura basicamente seguir o esquema de guerreiros humanos do bem enfrentando guerreiros monstros do mal. Contudo este é o menor dos problemas, para a infelicidade dos que ansiavam por uma luz em meio a tantas coisas obscuras já citadas aqui. O filme carece de um elemento fundamental em obras do estilo: emoção. Com um primeiro ato focado em explorar o mundo que aborda e apresentar os personagens, o ritmo começa desacelerado e deve deixar alguns espectadores impacientes, mais ainda por este artificio não funcionar, pois ao fim da projeção mal sabemos o nome do protagonista. Isso se deve ao fato dos realizadores trabalharem com arquétipos, o que de certa forma anula qualquer destaque no elenco, já que seguem estereótipos funcionais.
E finalmente quando é chegada a hora dos embates, que são realizados de maneira competente pelo fato do diretor ter uma boa noção geográfica de cena, estes soam quase sem impacto. É inegável que os efeitos visuais utilizados possuam qualidades, mas quando contrapostos a figuras humanas notasse totalmente a artificialidade, não só das figuras, como de alguns adereços do cenário. Já que não é criado o processo de identificação inicialmente e jamais embarquemos na ideia de que os Orcs são seres táteis, a credibilidade e o receio sobre o que pode acontecer aos personagens são praticamente nulos, diminuindo dessa maneira a emoção e envolvimento do público em cenas importantes ou mesmo no clímax. O filme parece uma longa cutscene genérica saída diretamente dos games.
A direção de arte é sem duvidas o aspecto mais admirável do longa, que resgata perfeitamente artes conceituais já vista nos jogos e potencializa a qualidade do produto. O figuro, aliás, é um show à parte e vai fazer alguns fãs vibrarem por ver seus heróis duelando na tela grande – muito mais pelo apelo nostálgico que cinematográfico. E como foi mencionado, os efeitos são de alto nível, o caso é que não funciona bem dentro da proposta empreendida e pode soar estranho em vários andamentos.
Já a trilha sonora de Ramin Djawadi aposta em um tema aparentemente pegajoso e trabalha com este durante toda exibição. E no que se refere à montagem de Paul Hirsch, é curioso notar que mesmo prolixo e inchado, Hirsch consegue ligar os pontos corretamente.
Não é dessa vez então que uma franquia original dos games agradará gregos e troianos. Mesmo que tenha se mostrado empenhado durante o que foi divulgado nos materiais de bastidores, assim como toda equipe, Duncan Jones entrega um filme sem força e sem alma. É genérico em todos os sentidos e pouco acrescenta para o que seria o começo da futura vertente temática. Obviamente se distancia das patéticas produções do estilo, até mesmo por tudo que envolve o material, mas ainda está muito aquém do que se espera, imagine então ser o percursor de um novo filão.
WARCRAFT - O PRIMEIRO ENCONTRO DE DOIS MUNDOS
(Warcraft, 2016, 123 minutos)
Direção
Duncan Jones
Roteiro
Charles Leavitt
Chris Metsen
DuncanJones
Elenco
Travis Fimmel
Paula Patton
Toby Kebbell
Robert Kazinski
Dominic Cooper
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