Esta história rolou numa grande agência de São Paulo, no princípio dos anos 70. Os anos dourados da nossa propaganda.
Para aumentar o faturamento, a diretoria começou a planejar uma nova estratégia de prospecção. Analisando o porfólio de clientes, viram que não tinham nenhuma conta no segmento de petróleo e derivados.
Resolveram partir com tudo para cima deste perfil de anunciante. Desejo ambicioso. Afinal, este é o tipo de conta que, literalmente, todas as agências querem. Foram à luta.
Dois meses depois estava marcada a reunião de apresentação da campanha. Haja pompa e circunstância. Só faltou a agência chamar o Itamaraty para fazer o meio de campo. A explicação é simples.
Do lado do cliente, o staff começava com o próprio presidente da multinacional petrolífera, no Brasil. Um gringo sanguíneo e antipático de mais de dois metros de altura. Só para dar uma idéia das proporções do texano, mais do que superlativas, a fera calçava sapatos número 50. Bico largo. Ou seja, o cara literalmente pisava no couro de uma vaca longhorn, em cada pé.
Mas, continuando, além do manda-chuva gigante, viriam 3 vice-presidentes, toda a diretoria de marketing, gerentes de produto, assistentes e o escambau de Madureira. Ou do Texas. O time de Tio Sam estava completo.
Diante de tal comitiva, a agência não poderia deixar por menos. Era preciso equilibrar as forças. Mas há limites, mesmo na louca hierarquia da propaganda. Resultado: dá-lhe inventar cargos. Era vice-presidente disso, vice-presidente daquilo, diretores a dar com pau, até que a formação pareceu ideal ao egocêntrico dono do estabelecimento.
O passo seguinte foi definir a logística de apresentação da campanha. Ou melhor, das campanhas, pois o planejamento definia ações para os próximos 100 anos do cliente. No mínimo. Quanta criatividade. E vontade de faturar. Em dólar, naturalmente.
Chegou o Dia D.
Até um cego veria que a taxa de adrenalina estava alta naquela casa. Da recepcionista ao diretor de criação, o menos tenso suava. Em bicas. Alta Ansiedade, o filme de Mel Brooks seria considerado um exemplo de equilíbrio. Estava todo mundo tremendo dentro da roupa. Todos, menos o presidente. Claro.
Refestelado em sua poltrona, o sovina já fazia as contas. Com mais esse cliente, sua agência iria subir 5 pontos no ranking. Sambado na vida, o cara sabia que tinha duas das melhores campanhas jamais criadas para o segmento. Era apresentar e correr pro abraço. Favas contadas. Dinheiro em caixa. Aliás, música para os ouvidos dele, que era um avaro de dar inveja ao próprio Ebenezer Scrooge, o clássico personagem de Charles Dickens.
O telefone tocou. Era a secretária. Com a voz embargada daquela falsa emoção, que vem de gerações e gerações de subserviência, ela anunciou:
- O cliente chegou!
O homem vestiu a jaqueta de couro de antílope, ajeitou a gravata colorida e marchou em direção à sala de reuniões, como se fosse decidir o destino do mundo. Assim caminha a humanidade. Ou seja: quem puder mais, chora menos.
Eram mais de 40 pessoas na sala, ampla. Um evento na ONU perderia feio. O publicitário chegou à cabeceira da mesa, quase tão grande como seu ego, e apertou a mão do americano, uma pata que mais parecia uma chave torques.
Enquanto se aproximava da outra ponta da sala, onde o time da agência aguardava em puro êxtase, espiou as muitas pastas repletas de layouts. Virou-se e encarou a platéia com indisfarçável vaidade.
Confiante, refletiu: “É agora! Mando uma frase de efeito para quebrar o gelo e acabou a miséria!”.
Ele só não poderia dizer uma frase comum. Nada disso. Tinha que caprichar na originalidade, no impacto. Afinal, precisava alimentar a sua fama de bad-boy, de ex-enfant-terrible da propaganda brasileira.
Assim, diante de 80 pares de olhos atentos, lascou a soberba:
- Bem, gente, estamos aqui para ensinar vocês a vender gasolina...”
O silêncio gritou. E com força tamanha que ecoou nas paredes da sala. Rubro, o gringo foi se levantando lentamente da cadeira (e ele não parava mais de se levantar!). Com juros de americano, devolveu:
- Senhorrrr non ensinarrrr nada... Ainda maiiissss venderrrrr gasolina!!!!
E saiu bufando, qual um gigantesco Buick 49, seguido por toda sua equipe. Assim, a conta da galáctica empresa petrolífera, que ainda nem havia entrado na agência, evaporou-se.
Carlão Bittencourt
é redator publicitário
e cronista.
É autor de
"Pela Sete - Breves Histórias do Pano Verde"
(2003, Editora Codex),
um mergulho no universo
dos salões de bilhar de São Paulo
e escreve todas as quartas
em LEVA UM CASAQUINHO.
é redator publicitário
e cronista.
É autor de
"Pela Sete - Breves Histórias do Pano Verde"
(2003, Editora Codex),
um mergulho no universo
dos salões de bilhar de São Paulo
e escreve todas as quartas
em LEVA UM CASAQUINHO.
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