Wednesday, December 6, 2017

THOMAS PYNCHON ESTÁ DE VOLTA COM MAIS UM DE SEUS CALHAMAÇOS CALEIDOSCÓPICOS.

por Chico Marques


Não é de hoje que aquele conceito clássico do romance com mais de 500 páginas -- que por anos e anos foi regra entre os editores americanos -- deu lugar a volumes menores, mais ou menos com a metade deste tamanho.

Num mundo em que as pessoas escrevem de forma cada vez mais sintética, e qualquer romance, por mais interessante e apelativo que seja, precisa brigar para conseguir permanecer no foco do leitor mais interessado, ficam as perguntas:

Que futuro pode ter hoje no mercado editorial uma romance do tipo "saga familiar" feito aqueles que por muitos e muitos anos dominaram as listas de best-sellers?

Que leitor adulto nos dias de hoje ainda tem paciência e tempo sobrando para poder mergulhar numa aventura assim?



Claro que estão excluídos deste questionamento aquelas intermináveis trilogias e tetralogias de livros juvenis que mesclam elementos de romance com terror (para as meninas) e de sci-fi com aventura (para os meninos).

Claro que nada disso que eu disse serve para os leitores habituais de Thomas Pynchon, grande escritor americano pós-modernista autor de calhamaços sempre enigmáticos e irremediavelmente envolventes. Sua legião de admiradores sempre estranha quando algum de seus romances possuí menos de 600 páginas, menos de cem personagens e menos de duas dezenas de histórias paralelas rolando ao mesmo tempo. 


Cruzamos logo de cara em "O Último Grito", seu mais novo romance, com pelo menos duas figuras muito curiosas. Um deles é Otto Kugelblitz, um pioneiro da psicanálise que foi expulso do círculo mais íntimo de Freud, emigrou para o Upper West Side de Manhattan e encheu a burra cuidando da psique de ricaços. O outro é Nicholas Windust, agente da CIA que atuou em ditaduras latino-americanas, e, segundo Sérgio Augusto, é um avatar de Dan Mitrione, o torturador justiçado pelos tupamaros que Yves Montand interpretou no filme "Z", de Constantin Costa-Gavras.


A CIA está sempre no cerne de todo romance de Pynchon. Ele adora o universo da Guerra Fria, e adora fazer um belo rocambole com a infinidade de fraudes, conspirações e golpes que sempre envolvem a Agência. Diz ele que "a paranoia é o alho na cozinha da vida”. De onde se concluí que para gostar de Pynchon, é preciso ter um paladar aguçado para cultura pop e fôlego intelectual para suportar tramas complexas e caleidoscópicas.




"O Último Grito" foca na vida americana do final do segundo governo Bill Clinton até o início da era George W Bush, culminando com o apocalipse de 11 de Setembro. O eixo principal da trama é Maxine Tarnow, mais uma da extensa galeria de "femme fatales" dos romances de Pynchon. Pilantra como ela só, ela está envolvida em inúmeros escândalos que levaram ao estouro da bolha da indústria ponto-com na virada do século. Até o golpe financeiro de Bernie Madoff entra na dança. Sem contar que todos os indicativos dos rumos que o mundo tomaria de lá para cá -- o neo-obscurantismo, o avanço da violência e as contra-Refroamas comportamentais -- estão espalhados por suas páginas, formando um "big picture" espetacular.


É um romance que vai tomar pelo menos uma semana da sua vida, mas vale a pena. A narrativa de Pynchon é deliciosa e desperta em seus leitores uma compulsão curiosa para tentar descobrir quais são as referências em que ele se baseou para criar seus personagens. Esse quebra-cabeças sempre foi estimulado pelo próprio autor desde seu primeiro romance, "V" (1963), mas principalmente a partir de "O Arco Íris da Gravidade" (1972), que é para muitos sua obra máxima.

Muitos tentaram imitá-lo nesses últimos 50 anos. Nunca conseguiram. Pynchon é, novamente segundo Sérgio Augusto, "o mais recluso escritor americano à esquerda de Salinger e o mais conspiratório à direita de Don DeLillo. Sua ficção não é para a hermenêutica de um Carpeaux ou de um George Steiner, por exemplo, mas para a erudição pop de um John Leonard, de um Ivan Lessa, e de quem mais tenha acesso ao chaveiro de suas paródias e de seus pastichos. E os possa ler no real mccoy, ou seja, no original." Claro que quem não tiver condições de ler no original em inglês, a tradução encomendada pela Cia das Letras para Paulo Henriques Brito dá conta do recado, e muito bem.

Não tenha medo. Embarque no universo deste octogenário novaiorquino delirante e sempre arrebatador. Thomas Pynchon merece uma semana de sua vida. Pelo menos.



O ÚLTIMO GRITO
Autor: Thomas Pynchon
Tradução: Paulo Henriques Britto
Editora: Companhia das Letras
(584 páginas, R$ 79,90)


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