Wednesday, June 12, 2019

A MISANDRIA VEM AÍ! (por Marcelo Rayel Correggiari)



Pense num sujeito de voz grossa, daquelas bem graves, conforme os(as) regentes de coral, o famoso “baixo”, conhecido no meio como “basso profondo”.
Pois bem, pense num sujeito com essa voz, barba na cara, um pênis e saco entre as pernas.
Pensou?!
Pois é: se tem alguém mais fora-de-moda, “démodé”, na face da Terra, esse alguém é esse sujeito com essas características.
‘Homem’, com suas características naturais. Já ouviram falar?!
Bebe cerveja, assiste a jogo de futebol e/ou rugby, come boceta, carrega consigo afetos e sentimentos que ser humano algum (muito menos do gênero oposto) consegue sequer intuir.
Não é dado a excessivas frescuras de indumentária, morre pela sua dama e pelos seus/suas filhos(as), é capaz de se submenter às condições mais espúrias em prol dos(as) seus/suas... de sua ‘patota’.
Ronca, coça o saco (até mesmo porque tem um!), possui certa dificuldade de se assentar com as pernas cruzadas (só quem tem saco sabe!), bebe birita, aquela voz que parece trovoada, tenta engolir o choro entre outras bossas do gênero.
A pessoa com essas características entrou no rol das discriminadas, juntou-se ao time dos que sofrem preconceito. Uma coisa!
Tanto que gostaria de saber quem realmente explica o número (na casa de bilhões ao redor do planeta!) dos ‘Incel’s e ‘Mgtow’s cada vez mais crescente. Uma ‘tchurma’ que chegou para ficar e já de cara anda avacalhando o cangaço simplesmente porque deixou boa parte do feminismo “... falando sozinha”!
Um número que só faz aumentar e, em breve, vai foder as economias, sistemas de previdência e comércios locais mundo afora.
Ou você, querido(a) freguês(a), acha que a urgência para a aprovação do novo plano previdenciário público brasileiro se deve apenas à contenção de gastos da governança federal? Santa ingenuidade, Batgirl!
Os contratos sociais entre homens e mulheres apodreceram! Colocaram no sexismo e na questão de gênero o mau-caratísmo comum no ser humano. “Todo homem é isso...”, “... toda mulher é aquilo...” e se esqueceram de verificar que canalhice pouco tem a ver com as genitais.
Depois do feminismo 3.0 (esse, do início dos anos 2000), os mais jovens que, recentemente, ‘chegaram na praça’ sequer “entram em campo” mais! Ao assistirem o aparelhamento & ativismo das varas de família (onde, certamente, o pai é visto como uma espécie de estuprador), a molecada chegou ‘metendo bala’ lindo: “Enfia no cu! Vou bater minha punhetinha e nem sei se volto!”.
O sumiço dos ‘homens sérios’, leais, ‘homens de verdade’, longe dessa emulação barata que a mulheres encontram por aí (em especial em festas & baladas) será cada vez maior e mais frequente. Em vários lugares do mundo, a questão da ‘renovação de quadros’, geração de novos descendentes a fim de assegurar o bom andamento das previdências sociais públicas, está indo ‘pras’ picas a passos largos. Em breve, cada país fará sua “reforma da previdência” a cada cinco anos (duas por década!) simplesmente porque não haverá mais testosterona & sêmen disponível para pagar a conta.
Afinal, tem coisa mais escrota do que voz grossa, barba na cara, pau, saco, testosterona & sêmen?!
Não, ‘né’?! Ô coisinha escrota, tudo isso!
Até as empresas viraram ‘fêmeas’. Ou vocês acham que os frequentes ganchos que o Cacilda! sofre se deve a quê?! Só porque tem imagens de ‘pepecas “in natura”’ ou catecismos do Carlos Zéfiro?! Não! Experimentem fazer algum comentário tido como misógino para se verificar o esporro que você leva...
Imaginem trabalhar nessas empresas: ai de você se a sua voz, a única que você tem, é um, de acordo com o mundo do coral, um “basso profondo”. Não passa sequer na porta do RH da empresa!
Áreas como Letras & escolas viraram reduto. Homem não entra nem a pau. Algum professor aqui & acolá de História, Geografia, Física e Matemática. No mais, é igual ao samba do Neguinho da Beija-Flor: “(...) mulher, mulher, mulher, mulher... mulher, mulher... mulheeeeer... (...)”.
Segundo os Mgtows, isso gera premissas quase doentias de que o gênero oposto “... é tudo igual” quando bem sabemos que não é. Os ‘Incel’s, celibatários compulsórios, reclamam que sequer o bom caratismo, por parte das feministas, é visto, enxergado, e, consequentemente, recompensado em alguma extensão.
Fodeu, ‘né’!
A misandria é forte e respondeu, essa semana, por ‘jornalismo do Santa Cecília Portal’. Num assalto & furto no bairro do Campo Grande registrados por CCTVs (um homem de capacete descendo da moto para tomar à força o celular de uma jovem que caminhava pela calçada), o SCP veio com essa pérola: “Homem ataca mulher...”.
Aaaahhh! Que lindo! “Homem ataca mulher...”. Legal! Sou homem e nunca ataquei ninguém! Qual a premissa?! Que homem ataca mulher?! Ah, é?! Nooooosa! Todo homem ataca mulher?! Engraçado! Meu avô nunca atacou ninguém, meu pai nunca atacou ninguém, meus amigos nunca atacaram ninguém, mas a premissa é de que “Homem ataca mulher...”.
Ora! Vai tomar no cu!
É esse tipo de premissa que habita o inconsciente de escolas e empresas ao redor do globo. O trabalho foi bem feitinho! E se o sujeito possui um fenótipo bem masculino, ah... coitado! ‘Tá’ fodidinho!
Sem trampo (consequentemente, sem dinheiro), sem possibilidade de constituir uma família, sem perspectiva, sem ‘moral na casa’... e ainda por cima tido como “o violento que ataca mulheres e pessoas na rua”. Ótimo! Joga-se tudo na ‘raia miúda’ e foda-se o resto!
Ou seja, a visão dos Mgtows não é tão errada assim: uma sociedade construída para escalar o gênero masculino ‘para otário’, fazê-los pagar as contas (entre aqueles que ainda possuem condições materiais), conferir-lhes fama de estuprador e, na hora de um eventual litígio, topar com uma vara de família mais feminista do que nunca!
Tudo isso por quê?! O justo paga pelo pecador: por causa de um canalha filha-da-puta, todos os demais do gênero são classificados como ‘iguais’, quando, na verdade, nunca foram.
Só que a sociedade se aparelhou e ficou ativista: tudo aquilo que é marca do gênero (voz grossa, barba, saco, pau, testosterona e sêmen) virou ‘agressivo’, ‘nojento’, ‘vilipendiante’. Fodeu, ‘né’?! Homem decente é aquele da voz fina, não tem pêlo no corpo, não tem coceira nas partes pudendas, sei lá o quê... a coisa chegou num ponto que sequer uma gentileza, seja qual for, é vista como... simplesmente... como uma gentileza! Só isso!
O pior é que o feminismo corrobora uma ministra como a Damares Alves: “homens vestem azul, meninas vestem rosa”. Vários amigos meus, da área de Letras, estão tendo que recomeçar suas carreiras em áreas ainda ‘masculinas’ (como Direito, Administração, Economia, entre outros) porque já não conseguem vaga nas antigas atividades. Uma vida inteirinha jogada fora! Muitos fazendo curso para operador de porta-container porque ainda é uma área que homem pode trabalhar sem sofrer assédio moral pelo simples fato de serem homens.
Ou seja, graças ao feminismo, há “... o emprego de menino e o emprego de menina”. E uma multidão de feministas reclamando da Damares! Ora, puta que pariu! São elas mesmas que corroboram os atos e declarações da ministra, mas ela ‘... não pode abrir a boca’.
Como diz o Dr. João Borzino, não há ‘nhaca’ maior nos dias de hoje do que ser simplesmente ‘um homem’.
Luiz Felipe Pondé já anunciou: “a conta das feministas chegou”. E esse merceeiro ousa afirmar que, hoje, responde pelo nome de Mgtow. Duas reformas de previdência em vários países a cada década simplesmente porque não haverá mais quem se disponibilize a se responsabilizar por uma família dentro de um contrato tão podre como anda o casamento, por exemplo. Varas de família aparelhadas & ‘ativizadas’. E tome manchete feito “Homem ataca mulher...”. Com tamanha misandria, não seria para menos o sumiço da testosterona na praça. O Mgtow não é o ‘contra-feminismo’ como muito(as) acham: mgtows simplesmente deram as costas para todo o resto. Eles não disputam com as feministas: eles não disputam nada! Apenas dão meia volta e seguem suas vidas sem esse tipo de interferência e misandria.
Afinal, não dá para assinar papéis (sociais, inclusive) num mundo que vive te ‘desautorizando’... pelo simples fato de ser homem.
Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 47 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É autor de Areias Lunares
(à venda na Disqueria,
Av. Conselheiro Nébias
quase esquina com o Oceano Atlântico)
e escreve semanalmente em
LEVA UM CASAQUINHO

SOB O REINADO DA LUA (por Flavio Viegas Amoreira)



Cinquenta anos duma era que ainda acreditava e apostava no futuro. Por onde andam o sonho, a esperança ,  onde repousa a vontade de acreditar no mundo,  alçar vôo ao porvir? Em que canto desse planeta deixamos a memória do infinito, nós agora nessa compulsão pelo caos , a destruição ,  essa entrega coletiva ao abismo? Naquele verão norte-americano de 1969 a humanidade pisava o cosmo e todos nós perguntamos:  onde eu estava quando o homem pisou na Lua?  Garimpando as lembranças me vejo atônito menino diante da tela de TV preto e branco  as pegadas míticas de Neil Armstrong  sobre nosso satélite prateado antes só anseio dos poetas enamorados.  Aqui na Terra divididos na Guerra Fria , os russos apertando o cerco na Cortina de Ferro e os ianques chafurdando no horror vietnamita : no deu tanta insânia ?  A União Soviética é peça de museu e o Vietnã depois de vencer a guerra se tornaria um tigre capitalista.  Quantas guerras são necessárias para chegarmos a conclusão da inutilidade de toda guerra?  Era junho e o comportamento virava ao avesso:  as mulheres descobriam sua força , o feminismo ganhava as ruas ,  os negros  herdavam sem medo o martírio de Luther King  e por fim a causa gay vencia a primeira batalha.  Com a morte de Judy Garland em junho homossexuais do bairro boêmio Village se reúnem pranteando sua diva num bar que levaria o nome da Rebelião libertária pelo amor que ousaria dizer seu nome: Stonewall .  Diante da truculenta repressão gays se levantam em insurreição urbana anunciando que não se toleraria a supressão de seus direitos . Se os anos 60 findavam com os direitos civis aos negros, os anos 70 seriam do nascente ´´Gay Power´´.... para ilustrar todo esse cenário um filme que também faz cinqüenta anos serve como retrato dessa atmosfera: ´´Midnight Cowboy´´ .  Proibido no Brasil na ditadura onde naquele nosso inverno era tudo sombra a fita ganhou o nome de ´´Perdidos na noite´´  hoje um documento cult de transgressão e liberdade.  A trajetória da ´´Apolo 11´´  parecia ecoar por aqui na maneira audaz com que imensos setores da sociedade também buscava seu universo novo além de milênios de machismo,  segregação e preconceito.  Os projetos de viagens interplanetárias ainda engatinham depois de reveses , custos e tragédias ,  patinamos em nossos problemas terráqueos , a ameaça nuclear persiste e a insensatez predatória nos ronda com apocalipse ambiental.  Afinal por quê a Lua se não domamos nossos piores instintos? Por quê a Lua se seguimos perdendo florestas e contaminando os mares? Por quê a Lua , ocupar Marte, rondar os anéis de Saturno se mal habitamos iguais e justos esse astro concedido?  Inegáveis benefícios nos trouxe essa viagem : desde microchips  aos satélites meteriológicos,  o forno microondas até equipamentos médicos  fundamentais em nosso dia a dia.  Mas convenhamos não teria sido mais fácil ter chegado a Lua que tocarmos de discernimento amplo o espírito do Homem ?  A tecnologia que se anuncia onipotente ,  a inteligência artificial que nos brilha aos olhos, toda cibernética nos oferecendo o paraíso do ócio criativo não poderão prescindir do humano , demasiado humano:  ou poderão ?  Fico mais com os avanços da alma tolerante ao diferente que aos prodígios da robótica.  Voltando ao ano de 1969 recordo de outro filme : ´´Now, Voyager´´ com Bette Davis  sussurrando a Paul Henreid: ´´ Por quê pedir ‘a lua se já temos as estrelas?´´  É em nosso íntimo intransferível que alcançamos nossos avanços na busca do convívio idealizado. Como diria Einstein : ´´É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito.  Tentemos.





Poeta, contista e crítico literário,
Flávio Viegas Amoreira é das mais inventivas
vozes da Nova Literatura Brasileira
surgidas na virada do século: a ‘’Geração 00’’.
Utiliza forte experimentação formal
e inovação de conteúdos, alternando
gêneros diversos em sintaxe fragmentada.
Participante de movimentos culturais
e de fomento à leitura, é autor de livros como
Maralto (2002), A Biblioteca Submergida (2003),
Contogramas (2004) e Escorbuto, Cantos da Costa (2005).




Friday, May 31, 2019

POEMA EXPRESSO: PELA FRESTA NA JANELA (por Fábio Rossi)



Pela fresta da janela
Resta a luz, no rosto dela
Seu sorriso se amarela
A cidade se ilumina
Manhã triste que desperta
Nas mãos vazias e desertas
Olhos postos no horizonte

Tardes frias e cinzentas
Chuva chora sua ausência
A paisagem se transforma
A lua se afugenta
As palavras que me consomem
São no peito a sentença
A certeza que se morre

Noite, madrugada adentro
Seu perfume me consola
Quartos, sala um mundo imenso
Sem seu corpo, sua presença
A tristeza que me assola
É ver seu sorriso virar choro
O fechar de minha janela

Casas brancas e amarelas
Na paisagem pela janela
Um jardim verde e florido
Colorindo seu caminho
No olhar triste e sozinho
Nenhum aceno de adeus

Pela fresta da janela
Reza a luz
A ausência dela
Meu coração, então, se fecha
Pulso fraco, quase para
Varanda triste e deserta
Vara a noite, a luz de vela



Fábio Rossi é um cara admirável.
Santista radicado em São Paulo,
é dublê de advogado
e poeta de mão cheia.
Brinda constantemente seus amigos
com seus poemas disparados pelas Redes Sociais.
Poemas intensos e precisos,
de uma delicadeza singular,
que são a cara dele.



UM DIA CULTIVADO (para Walt Whitman, por Flavio Viegas Amoreira)



Vivemos um Tempo sem tempo ,  a pressa se impõe ‘a percepção,  o caos não criativo substitui a reflexão criadora,  a busca de um sucesso oco escraviza nosso cotidiano estéril.  ´´Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração´´ diz-nos Drummond : para onde vão todos na manhã que se esvai como se esvai o dia, o mês que corre, o ano que escoa nessa sensação de que tudo voa e nada se fica em nossas retinas tão cansadas de tanto e tudo?  Talvez só os poetas não se impõem essa correria doida porque os poetas são antenas da raça e precisam observar a atmosfera eterna por trás da paisagem barulhenta das cidades.  Os poetas são mantenedoras do encanto,  da fruição atemporal , das nesgas de infinito que ainda deitam raízes em nossos hábitos prosaicos,  o eterno que ainda teima colorir nossas pegadas por esse mundo já esgotando-se  por maus tratos .  É preciso alguns minutos para contemplação,  alguma pausa para saudade,  algum olhar para a lua cheia escondida pelo trânsito e os fios elétricos da noite sem silêncio de noite.  Se o crepúsculo não foi notado em seu esplendor de prece,  talvez na madrugada que se anuncia você sorva o vinho notando o dourado nas ondas.  Outro poeta,  Baudelaire, dizia com tristeza que a vida moderna nos roubara a ´aura´ :  a aura da distância, do brilho nos olhos,  da fantasia , das boas ilusões.  Assistir um filme numa matinê tranqüila , entrar numa exposição de Paul Klee ou Tarsila enquanto as bolsas de valores se esgoelam,  percorrer estantes numa recôndita livraria longe do bulício das multidões lá fora do teu recanto.  Quem se permite sossego, silêncio, encontro, afago, uma prosa com toda sua poesia? Na Roma antiga um outro poeta ( sempre nós os poetas ) , Horácio,  definiu um termo, um conceito delicioso: ´´Carpe Diem´´.  Sim! Pompéia, Herculano, as cidades romanas já provocavam stress para os padrões de patrícios e plebeus.  Cultive, curta, colha com sutil delicadeza o seu dia não de modo desenfreado de ´aproveitar ou saciar´ os sentidos . Cultivar é curtir com espírito,  não exigir demais da vida material e do consumo ,  procurar no casamento da alma com o mundo a comunhão perfeita através dos prazeres do instante.  Despojar-se das ansiedades vãs,  não prender-se a ambições que aprisionem num futuro improvável,  vivenciar o tempo que passa porque vivenciar é viver com noção do milagre perceptível.  Ouvir uma sonata de Mozart,  caminhar observando a variedade de árvores de tua terra,  vibrar no íntimo com um beija-flor inesperado no batente diante um pátio que remete a tua infância.  Uma coleção de epifanias suplicam tua atenção no teu tempo e o tempo é o teu dia. Esse mês a literatura celebra 200 anos de nascimento de mais um poeta que viveu conforme esse ´´Carpem Diem´´ : Walt Whitman.  Patriarca das artes norte-americanas e profeta do homem livre de preconceitos ,  Whitman cantou o amor fraterno, a generosidade radical entre os seres,  o louvor ao planeta e suas criaturas mais simples.  Ao lado de Thoreau e Emerson formou a trindade de ouro do pensamento libertário ocidental que iriam desaguar em Gandhi  e Mandela.  Em tempos de ódio ele pregava a liberdade e a mudança : ´´Me contradigo? Claro , eu contenho multidões! ´´  Quem muda de idéia afinal se recupera da intransigência, não tem compromisso com erro.  ´´Para cada minuto que você se aborrece, você perde sessenta segundos de felicidade´´ , esse conselho que Emerson aprendeu com Whitman vale por muitas vidas ! Saudo-te  Walt Whitman como fizeram Pessoa e Lorca!  Carpem Diem!





Poeta, contista e crítico literário,
Flávio Viegas Amoreira é das mais inventivas
vozes da Nova Literatura Brasileira
surgidas na virada do século: a ‘’Geração 00’’.
Utiliza forte experimentação formal
e inovação de conteúdos, alternando
gêneros diversos em sintaxe fragmentada.
Participante de movimentos culturais
e de fomento à leitura, é autor de livros como
Maralto (2002), A Biblioteca Submergida (2003),
Contogramas (2004) e Escorbuto, Cantos da Costa (2005).



MUITO, MUITO DIFERENTE... E PARA PIOR! (por Marcelo Rayel Correggiari)



Cada país possui seu jeito: uns acertam mais, outros, bem menos.

Com o último dia de circulação do Expresso Popular nesta sexta, 31 de Maio de 2019, vi jornalistas e ex-empregados da casa lamentarem o fechamento do jornal.

O que, realmente, é lamentável mesmo que o "Expresso..." não seja mais um "modelo de negócio" pertinente.

Compreensível.

Vi algumas manifestações, aqui & acolá, sobre a efeméride de amanhã. Em alguns, o "... o Brasil encolhe...", em outras, "...o jornalismo está em crise...", nessa linha.

Algumas comparações com o tipo de jornalismo que se faz em outros lugares do planeta. Vira, mexe, cai na BBC como uma espécie de 'modelo a ser seguido'.

Opa! Por conta de uma amiga pessoal, a Srª Susan Lovell, "comissioner" da BBC Ulster (Irlanda do Norte), "... dessa empresa, eu conheço".

Começam, assim, "as jabuticabas", internacionalmente conhecidas como "delírio brasileiro".

Acreditem! Como o(a) brasileiro(a) "delira"... coisa de maluco!

Os municípios, no Reino Unido, são agrupados em 'county', um "condado". Por exemplo, se a Baixada Santista, com seu conjunto de cidades, recebesse uma classificação britânica, ela seria chamada, provavelmente de "County Down" (o "condado da baixada").

Um condado, lá, além de agrupar um conjunto de cidades, também é uma organização político-judiciária (uma espécie de divisão política do território com comarca judiciária). Sei, sei, sei... sei bem que é um troço difícil de explicar para o tipo de divisão territorial que há em nosso país.

Um conjunto de comarcas, lá, formam as regiões (Essex, Cumbria, Ulster, ...) que, bem mal comparando, seriam os nossos "estados" (São Paulo, Santa Catarina, Goiás, Bahia, ...).

Pois, vejam! A Srª Susan Lovell é "comissioner" de um desses "estados", o Ulster, se bem que, ultimamente, anda também trabalhando com a República da Irlanda (independente), ou seja, com toda a ilha da Irlanda.

O que é um(a) "comissioner"?

É a pessoa que tem a palavra final e a chave-do-cofre da empresa. Tudo o que você vê na TV e ouve nas rádios tem de ter o 'sim' desse(a) profissional. Tudo! Absolutamente tudo! Até a cotação do preço do papel higiênico da turma da reserva técnica e transporte da emissora tem de ter o 'sim' desse posto da empresa.

Tudo, gente! Tudo! Da qualidade do conteúdo à logística, tudo tem de ter o 'joinha' do(a) "comissioner".

Acima dos(as) "comissioners", o(a) presidente da BBC. Seria a única pessoa que 'breca' qualquer inconveniência de alguma(a) "comissioner". Tanto que as 'reuniões de cúpula' (presidente e "comissioners" das regiões) acontecem a cada quinzena, na sede, em Londres.

É, minha gente... 'cês num' têm ideia! É cada história...!

Aí, começam os 'delírios nacionais' de comparação (Brasil-sil-sil-sil-sil !!!). O primeiro, a BBC É UMA EMPRESA PÚBLICA! PERTENCE AO POVO DO REINO UNIDO! Aliás, um troço que não entra na cabeça dos compatriotas nem f... Compreensível: o máximo de TV pública que há no país são as 'TVs culturas' que são confundidas (com razão!) com TVs estatais (ou estaduais), mantidas por 'governos de estados' e, logo, a reboque do sabor político do(a) governador(a) de plantão.

Segundo: A TV NO REINO UNIDO É PAGA! TODAS! Mesmo que o sinal seja o tal "aberto", paga-se! Há uma taxa de pagamento anual mesmo que a TV que você assista seja de "sinal aberto".

A 'anuidade' é coletada e paga o funcionamento da BBC ao longo do ano.

Simples assim!

Não tem rainha, não tem primeiro(a)-ministro(a), nada disso! Recolhe-se o dinheiro do povo e se faz o conteúdo da emissora para o povo que financia, diretamente, essa emissora.

Uma ideia que não entra na cabeça dos compatriotas nem f...

Afinal, tudo aqui, no Brasil, é "feudo" de alguém: tem dono (como o caso do Expresso Popular). O modelo-de-negócio não anda bem, fecha-se 'a bagaça' e muda-se de ramo, se for o caso.

Aplica-se, no Brasil, o mesmo modelo de gerenciamento de negócio igualzinho às Capitanias Hereditárias, tanto para a 'coisa pública' quanto para a 'coisa privada'.

Pelo 'jeitão' da coisa, acho que nosso modelo anda meio falido, não?!

E tem gente que quer fazer a comparação...

... 'cês tão' em qual planeta, ou tomam qual remédio?!

Sem contar a avalanche de asneira que se produz no jornalismo brasileiro a respeito do Brexit. Aí, é de doer! "280% brasiliæ delirium".

O terceiro grande delírio jabuticabal: a última coisa que a BBC contrata é gente com bacharelado em comunicação social. Isso, para eles, pode ser 'veneno no sangue'. Susan Lovell é historiadora! Nunca estudou "jornalismo". Foi ser jornalista "na prática", lá dentro da maior e melhor emissora de rádio e TV do mundo.

Se você entrar na redação de uma BBC, certamente encontrará bacharéis em Letras, História, Geografia, Matemática, Física, Sociologia, Filosofia, Antropologia, Biologia, Química, Astronomia, menos "jornalista".

Nada mal para quem produz o conteúdo que produz, e tem a credibilidade que tem, não?! "Jornalismo", lá, para eles, pode ser um belíssimo sinal de "coisa de miopia".

Um belo conteúdo, afinal. Tão bom que aquelas coberturas jornalísticas e documentários ESPETACULARES que não podem ser passados na própria BBC são exibidos no famoso Channel 4, se eu não me engano uma associação de capital da BBC com a iTV.

O conteúdo do Channel 4 dá surra em qualquer um! Qualquer um! O jornal, a rádio e a TV brasileiros não conseguem sequer se aproximar da sola dos pés de um Channel 4.

Sei que os fatos são duríssimos! Mas... dados da vida!

Logo, não fiquem com medo da queda da obrigatoriedade do diploma de jornalismo para se fazer jornalismo: quem sabe, essa será nossa primeira grande oportunidade de se aproximar com o que há de melhor em termos de conteúdo ao redor do planeta.

Afinal, o "jornalista especialista", o que cursou o tal curso de comunicação social, pode não ter cultura, erudição, sequer bagagem, para um conteúdo que seja, de fato, relevante, coisa que a BBC dribla contratando o profissional de Letras, Literatura, Química, História, Geografia, ...

***

Lamento & lamentamos muito o fechamento do Expresso Popular, mesmo sabedores que, de repente, o negócio anda mais 'no vermelho' do que 'no azul'. Lamenta-se pelas famílias que não terão mais o seu sustento num país com já tantos desempregados. Sempre é bom uma região como a nossa ter bastantes jornais e emissoras de rádio e televisão. Nunca é bom começo o fechamento de um jornal. Lamenta-se pelo desaparecimento da memória afetiva pertencente aos(às) profissionais que por lá passaram, alguns fundadores do jornal. É uma perda irreparável! Contudo, acho que chegou também o momento de se questionar se realmente estamos com "essa bola toda". Na minha humilíssima opinião, situações como a do fechamento do "Expresso.." mostram bem que talvez estejamos na "Idade das Trevas", sem qualquer visão de como as coisas funcionam ao redor do planeta, de fato. O sumiço da erudição, da Cultura, do bom trato com o 'fazer artístico' e de uma educação que nos permita à civilização andam mexendo demais com a nossa mentalidade (que, de tão péssima, nos coloca na situação de realmente duvidarmos se temos uma!). Não, meus caros e minhas caras, não é somente uma questão de educação e cultura. É uma questão de mentalidade!

Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 47 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É autor de Areias Lunares
(à venda na Disqueria,
Av. Conselheiro Nébias
quase esquina com o Oceano Atlântico)
e escreve semanalmente em
LEVA UM CASAQUINHO

ONDE ANDARÁ ANA MARLOW? (por JR Fidalgo)



Estava lá, pichado na parede do velho armazém de café abandonado: “Eu te amo, Ana Marlow”.
Quem seria Ana Marlow, e quem estaria apaixonado por ela?
Será que Ana Marlow ainda estava viva? E quem pichou aquela frase na parede do armazém abandonado, ainda estaria vivo?
Ou será que Ana Marlow era apenas uma musa imaginária de algum vagabundo louco que vivia por aquelas ruas?
Impossível saber quem era Ana Marlow ou mesmo se ela existia. No entanto, era um nome bonito. “Ana Marlow, a rainha do gueto!”
Ele pensava essas bobagens quando resolveu fazer uma coisa que não fazia há muitos anos: sentar numa praça. E aquela era a principal praça da área central da cidade.
Como era hora do almoço, havia bastante gente circulando pela praça, a maioria, com certeza, pessoas que trabalhavam por ali.
Então ele começou a refletir sobre a função das praças nas cidades.
Concluiu que as praças eram lugares onde a gente sentava para não fazer absolutamente nada, ou apenas para ver as pessoas passarem, ou somente para pensar, como ele estava fazendo naquele momento.
Mas as praças também eram locais onde a gente ia para encontrar outras pessoas.
E em outros tempos, ele lembrou, as praças também serviam para as pessoas realizarem manifestações, a favor ou contra determinadas coisas.
Percebeu, então, que as praças, principalmente nas cidades maiores, estavam perdendo sua função, já que poucas pessoas as utilizavam para sentar e não fazer absolutamente nada, nem para ver as pessoas passarem, nem para pensar, nem para encontrar as outras pessoas, nem para se manifestarem a favor ou contra alguma coisa.
As praças estavam se transformando em simples locais de passagem ou em lugares onde se dava um tempo até a hora de voltar para o emprego, como acontecia naquela praça, onde ele agora estava sentado.
Mas que diabo queria dizer aquilo?
“Compreenda a influência do humano em tudo”.
A frase estava estampada na camiseta de um rapaz que passava pela praça acompanhado de uma garota. Nunca tinha visto nenhuma camiseta com aquilo escrito. Aliás, nunca tinha visto aquilo escrito em nenhum lugar.
“Compreenda a influência do humano em tudo”.
Se fosse a influência do divino, seria fácil de entender. A camiseta estaria quem sabe divulgando algum movimento religioso ou coisa parecida. Mas a influência do humano?
Quem estaria exaltando – ou criticando, o que também era possível – a influência do humano em tudo?
Saber essa resposta não era, com certeza, a preocupação do funkeiro que passava logo a seguir por ali, ouvindo um “proibidão” no seu celular.
O cara deu uma sentada num dos bancos, esperou o “proibidão” terminar, fechou o celular e saiu andando.
Doido por doido, ele se identificava mais com o sujeito que arrastava um saco de lixo preto de um lado pra outro da praça, reclamando em voz alta não se sabia do que nem pra quem.
Reparou, então, que apenas os doidos – e sempre havia vários deles nas praças – ainda davam a devida importância às praças das cidades, já que, em geral, faziam delas seus territórios de resistência e sobrevivência.
Se continuasse a elaborar teorias como aquela – e principalmente se começasse a acreditar nelas -, em breve acabaria transformando uma das praças da cidade no seu território de resistência e sobrevivência.
Portanto, resolveu levantar-se e continuar caminhando.
Já tinha refletido bastante sobre praças, vagabundos e loucos.
Era hora de cuidar da vida e isso significava ir a uma farmácia comprar os medicamentos que nos últimos tempos era obrigado a ingerir diariamente.
Estava fazendo seu pedido ao balconista da farmácia quando percebeu um vulto se aproximando à direita.
O homem insistia em que ele lhe desse um trocado. Ele disse que não tinha.
O homem continuou insistindo.
Ele, irritado com o assédio, repetiu em voz alta que não tinha trocado, “porra!”.
O homem finalmente se afastou.
Ele continuou pedindo os remédios, depois foi até o caixa e pagou.
Diabos, por que não dera um trocado ao sujeito?
Ele não tinha trocado mesmo, justificou-se.
Mas ele sabia que não era isso.
Ele sabia que não dera um trocado ao homem porque sempre se sentia acuado com aquele tipo de situação e sempre reagia de forma agressiva.
Saiu da farmácia e foi até a padaria da esquina tomar um café, ainda ruminando a sua atitude diante do pedinte da farmácia.
Enquanto tomava o café, percebeu o homem da farmácia se aproximando do caixa e depois do balcão.
“Uma pinga, já está paga”, disse ele ao copa, que rapidamente o serviu.
O homem entornou rapidamente o álcool na garganta, virou as costas e saiu da padaria.
O homem finalmente havia arrumado um trocado.
Ele acabou seu café e foi embora.
Em geral, pensou ele, as pessoas ficariam satisfeitas de terem negado uma esmola que se transformaria em cachaça no balcão mais próximo.
Ele, porém, continuava se culpando por não ter dado o trocado ao homem que o abordara na farmácia.
Ele sabia que aquele homem precisava desesperadamente matar a sua sede.
Contudo – e apesar de tudo -, ele tinha de continuar caminhando.
Então, quando se dirigia à livraria, cruzou com um colega dos tempos de faculdade, que fingiu não conhecê-lo.
Normalmente, ele agradeceria por aquilo, já que ele próprio vivia evitando cumprimentar pessoas com as quais não ia muito com a cara nas ruas.
No entanto, não sabia bem por que, naquele momento a atitude do ex-colega de faculdade o irritou, fazendo-o murmurar baixinho entre os dentes para o sujeito que passava: “Babaca de merda!”
Depois, lembrando dos ensinamentos da sua mãe e das reflexões do seu terapeuta, questionou-se se, por acaso, sua hostilidade contra o ex-colega de faculdade não era motivada pelo fato do sujeito ter se dado bem melhor na vida do que ele, no quesito dinheiro.
Mas logo chegou à conclusão de que não gostava de playboys, fossem eles ricos, pobres ou marcianos.
Aí perguntou a si mesmo: “E o que diabo vem a ser um playboy?”.
“Ora, você sabe muito bem do que estou falando”, respondeu, dando-se por satisfeito com a própria resposta.
Entrou na livraria e se tocou de que não fazia a mínima idéia do motivo que o levara até ali.
Ficou por um tempo observando os livros nas prateleiras e, de repente, chegou à conclusão de que definitivamente não gostaria de livrarias.
Então se perguntou por que diabos vivia entrando em livrarias e por que insistia em escrever livros. Afinal, onde ele imaginava que talvez seus livros um dia talvez pudessem ser vistos e comprados a não ser em livrarias?
Dessa vez não tinha nenhuma resposta satisfatória para suas próprias perguntas. Por isso continuou andando, agora em direção à praia.
Sentou-se num dos bancos próximos à areia, ajustou os fones do mp3 e ficou olhando o mar no meio da tarde de sol.
Sentiu-se um idiota ali, sentado naquela praia, naquele meio de tarde, com uma seqüência de músicas antigas dos Rolling Stones entrando, uma após outra, pelos buracos dos seus ouvidos.
Aos poucos, porém, começou a se sentir bem, muito bem mesmo.
Estava no local certo, na hora certa, fazendo a coisa certa.
Então, pensou: “Onde andará Ana Marlow?”


JR Fidalgo: um jornalista que tem preguiça de perguntar, um escritor que não tem saco pra escrever e um compositor que não sabe tocar. (mas que, mesmo assim, já escreveu três romances e uma quantidade considerável de canções ao longo dos últimos 45 anos)