“Achar dinheiro na rua é sinal de sorte ou azar?”
“Depende.”
“Do quê?”
“Está com a consciência tranquila?”
“Claro, eu achei a grana.”
“Quanto?”
“Cinquenta reais.”
“Onde?”
“Aqui perto de casa.”
“Vejamos: você mora próximo ao shopping... Cinquenta reais?”
“Cinquenta reais.”
“Como foi?”
“Eu ia atravessar a rua, vinha um carro, dei um passo pra trás, e pisei em cima da nota.”
“Percebeu isso imediatamente?”
“Só sei que quando olhei pra calçada a grana estava embaixo do meu pé.”
“Por acaso imagina quem perdeu o dinheiro?”
“Qualquer um pode ter perdido.”
“Discordo.”
“Discorda? Por quê?”
“O dinheiro estava enroladinho?”
“É, estava.”
“Ou seja, quem perdeu os cinquenta reais não foi um milionário. Isso está descartado. Certo?”
“É, concordo.”
“Então, só há duas hipóteses: ou foi uma velhinha ou um garoto.”
“Como assim?”
“Vejamos: as velhinhas costumam sair de casa com o dinheiro contado, um canudinho preso à cintura da saia; elas não levam bolsas ou carteiras, pois têm medo de ser assaltadas. Já um garoto de uns doze anos também não usa carteira e costuma andar na rua distraído. Ele leva o dinheiro enroladinho na mão, portanto pode ter deixado a nota cair. Provavelmente, a mãe pediu que ele fosse ao açougue ou à padaria. As meninas estão definitivamente descartadas, pois meninas não perdem dinheiro. É científico isso.”
“Interessante. Mas por que eu estaria com a consciência pesada?”
“Porque não devolveu o dinheiro, óbvio.”
“Devolver pra quem?”
“Pra quem perdeu, ora!”
“Mas o nome de quem perdeu não estava escrito na nota.”
“Qual foi a tua primeira reação quando achou o dinheiro?”
“A primeira coisa que fiz foi olhar para os lados, tentando verificar se eu via alguém procurando alguma coisa. As pessoas ao redor me pareciam despreocupadas. Então, enfiei a grana no bolso e segui em frente.”
“Não, meu caro! Eu só acreditaria nisso se eu não conhecesse a espécie humana. Vou descrever exatamente o que aconteceu: primeiro você embolsou a grana, e só depois é que tentou verificar se avistava alguém procurando alguma coisa. Foi ou não foi?”
“Pode ser, não me lembro dos detalhes.”
“E mesmo assim está com a consciência tranquila?”
“Queria que eu fizesse o quê? Que parasse todo mundo na rua e perguntasse: ‘Você perdeu dinheiro?’”
“Eu não faria isso, claro. Mas sabe como eu agiria? Eu ficaria parado na esquina por um bom tempo a fim de verificar se passava alguém por ali procurando alguma coisa.”
“Eu estava com pressa.”
“Ah, então você tá com a consciência pesada.”
“Ah, não, agora você é a madre imaculada?”
“Não, não sou a madre imaculada; mas se eu saio de casa duro, me recuso a retornar para o meu sagrado lar com o bolso cheio de grana sem ter passado antes no banco. É uma questão de princípio.”
“Mas eu achei a grana, achei! E tive uma atitude ética: olhei para os lados e não vi ninguém com cara de quem tinha perdido dinheiro.”
“O que você fez com a grana?”
“Guardei. Vou depositá-la na poupança.”
“Não seja hipócrita! Você já deve ter torrado o dinheiro. Confessa!”
“Torrei, torrei sim, mas e daí? O que você faria no meu lugar?”
“O que eu faria?”
“Sim, o que você faria?”
“Eu faria exatamente o que você fez. Enfiaria a grana no bolso, pois achado não é roubado.”
“Ufa! Por um momento cheguei a pensar que você estava coberto de razão.”
Márcio Calafiori é jornalista.
Nasceu em 1957 e se formou
pela Facos em 1986.
Exerceu quase todos os cargos
em redações de jornais em Santos,
Santo André, Campinas e São Paulo.
Foi redator, repórter, revisor, editor,
secretário de redação,
chefe de reportagem e ombudsman.
Aposentou-se em 2012
como professor da Unisanta,
depois de 29 anos
de dedicação exclusiva
ao Jornalismo Impresso.
Colabora regularmente com
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