Vinte anos atrás, num comecinho de Inverno como este, meu amigo restauranteur Luigi Marnoto -- na época, proprietário da livraria mais aconchegante que Santos já teve, a saudosa Livraria Iporanga -- me recebeu no balcão mostrando a edição daquele mês da Revista Gula, que trazia (segundo seus próprios editores) uma receita imbatível de croissants, e fez o convite: "Apareça lá em casa no sábado à noite, leve uma ou duas garrafas de vinho tinto, que eu pretendo passar o dia inteiro assando croissants."
Quando cheguei lá no sábado, Luigi estava inconsolável: a receita da revista Gula simplesmente não funcionava. Ele já tinha tentado duas fornadas, sempre seguindo o passo a passo ilustrado fornecido pelo staff da revista, e nada: o que saía do forno, no final das contas, nem de longe lembrava um croissant, eram apenas pedrinhas indigestas de massa e margarina. Daí, desencanamos dos croissants, saímos para comprar pães na padaria mais próxima e fizemos uma noite agradável de queijos e vinhos.
Mas claro que, para Luigi, aquele assunto nem de longe estava encerrado. Na segunda-feira, assim que chegou à livraria, ligou para a Editora em São Paulo que publica a revista e reclamou ao editor, alegando que tentou várias vezes e nada da receita funcionar. Tanto insistiu que a revista se propôs a assistí-lo com orientações até que a receita finalmente funcionasse. E então, alguns dias mais tarde, depois de mais algumas tentativas, a empreitada finalmente deu certo. E saíram do pequeno forno do apartamento do Luigi belos croissants com massa folhada crocante e bem aerados por dentro, como tem que ser.
A trabalheira que Luigi teve na ocasião para conseguir assar sua primeira fornada bem sucedida de croissants deixou claro para todos nós os motivos pelos quais as padarias da cidade não oferecem croissants em seus balcões. Para fazer um bom croissant, é necessário um padeiro bem gabaritado, que tenha tempo de sobra para se dedicar à confecção do pãozinho, pois a massa volta para a geladeira várias vezes. E tanto o corte e quanto a montagem da massa exigem certos requintes que só um padeiro com alma de poeta é capaz de ter.
Ainda hoje, são poucas as padarias de Santos que servem croissants -- e as que servem raramente seguem a receita original, oferecendo paezinhos folhados por fora e massudos por dentro. Pior: só oferecem croissants recheados. Na França, os recheios para croissants são acrescentados sempre depois deles terem sido assados. Aqui não. Aqui, o recheio assa junto com a massa. O resultado é sempre duvidoso, pois o peso do recheio não costuma permitir que a massa asse e fique fibrosa e aerada como deveria. Ou seja: tudo errado.
Pois bem: vinte anos se passaram e pouca coisa mudou em Santos. Até abriu uma Boulangerie simpática chamada La Pannetière na Ponta da Praia, que faz um croissant (sem recheio) mais ou menos decente. Mas é muito pouco para uma cidade deste tamanho. Vira e mexe, surge algum delivery de croissants congelados que trabalha direitinho, mas que só preparam a receita original por encomenda. E agora, para compensar o surgimento de uma loja da indefectível rede Croasonho aqui na cidade -- responsável pelos croissants mais massudos e inexpressivos do mundo --, surge a Croassanto, uma sanduicheria que usa croissants bem crocantes (mas secos demais, provavelmente congelados) que recebem recheios bem criativos e saborosos, tanto doces quanto salgados. Vale a pena conhecer a Croassanto, apesar do lugar ser muito pequeno e o atendimento bastante atrapalhado.
Enfim: quer um conselho? Não se aborreça, faça como meu amigo Luigi Marnoto. Prepare seus croissants em casa num final de semana desses, siga uma receita confiável (essa AQUI, por exemplo) e depois congele o que não for consumido de imediato. Pensando bem, numa cidade como Santos, onde nenhuma padaria consegue fazer um pão italiano decente, seria demais esperar que conseguissem fazer um croissant digno de nota, é ou não é?
ENDEREÇOS:
Enfim: quer um conselho? Não se aborreça, faça como meu amigo Luigi Marnoto. Prepare seus croissants em casa num final de semana desses, siga uma receita confiável (essa AQUI, por exemplo) e depois congele o que não for consumido de imediato. Pensando bem, numa cidade como Santos, onde nenhuma padaria consegue fazer um pão italiano decente, seria demais esperar que conseguissem fazer um croissant digno de nota, é ou não é?
ENDEREÇOS:
Rua Vereador Henrique Soler, 268
Ponta da Praia, Santos SP
Telefone:(13) 3324-6401
Avenida Washington Luiz, 49
Vila Matias Santos SP
Telefone:(13) 3307-7093
Vila Matias Santos SP
Telefone:(13) 3307-7093
Chico Marques às vezes é gourmet,
outras vezes é gourmand,
mas na maior parte do tempo
é apenas um comilão inveterado.
Escreve sobre comida semanalmente
em LEVA UM CASAQUINHO
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